Passos Arcanos - Capítulo 61
A mana realmente era interessante. Orion sentia que seu corpo se fortalecia a cada segundo que absorvia pelo Sol Negro, e seus movimentos se tornaram ainda mais naturais. Entre um golpe em um morto-vivo e outro, seus pés rotacionavam melhor e seu giro mais flexível.
E alternar entre um ataque de mão aberta, fechada, cotovelo e chute se tornou ainda mais simples. Sua memória muscular sempre tinha sido rígida por causa dos aprimoramentos que sempre tentou fazer para ganhar mana quando pequeno. Agora, ele defletia, saltava, socava e chutava mais de vinte oponentes sem se cansar.
Explodir os Mortos-Vivos só deram a resposta que procurava. A mana criou eles.
Era a única maneira que achou ser possível haver tantos dentro de um raio tão pequeno de espaço. E os pontos que ganhava ao derrotá-los também somava a essa conclusão. Era um jogo de resistência, e quanto mais gente estivesse jogando, melhor.
E sozinho, não precisava distribuir suas esferas, as chamadas Peças Governamentais. A única desvantagem seria esses pontos, já que um grupo poderia reunir matando diversas criaturas ao mesmo tempo em lugares diferentes.
— Ainda assim, ela continua na frente.
No Quadro Arcano, o nome de Eliza Atena se mantinha em segundo, com seus oitocentos pontos, se aproximando velozmente do primeiro colocado com novecentos, os ‘Rocks’.
Orion tinha quinhentos pontos porque achou um ótimo lugar para ficar batendo nos zumbis que corriam na sua direção.
Nunca esperou que eles fossem tão fracos e tão fáceis de bater. Nem precisava usar da mana já que tinham resistência implantadas em seus corpos. Perfurou o esqueleto de número cem e puxou a esfera de dentro de seu corpo com facilidade.
Precisava achar os insetos perto do Vale da Ruína. Procurava por ele fazia um dia inteiro. Havia chegado naquela parte mais obscura, onde a névoa começava a bloquear o sol e os troncos secos criavam galhos finos e retorcidos.
Penetrou fundo na Névoa, indo até onde seus olhos não enxergavam três palmos a frente.
Sem fazer alarde, ativou o Sol Negro por baixo da manopla. Aos poucos, a névoa se tornou límpida, perdendo sua densidade. O solo era mais fofo e lamacento, as flores tinham suas pétalas e caules negros. Uma camada azulada a revestia, chamando atenção de Orion.
Ele ajoelhou em uma perna e tocou. A camada azul respondeu ondulando.
— É uma passiva de revestimento. — Tinha visto em alguns livros na Caldeira. — É usado pra proteger de um ambiente tóxico. Mas, como ela foi criada?
Um grito agudo veio de cima, pelas costas. Orion respondeu puxando sua lança da sacola dimensional e rolou no chão. As duas adagas ferrenhas golpearam sua posição anterior.
O rosto da mulher, se podia ser chamada assim, era marcado por uma tinta que vibrava sobre a sua pele. Por alguns segundos, os olhos amarelados da criatura fitaram Orion com muita vontade, e tremeu antes de avançar.
Seus gritos se equilibravam entre os golpes.
Lateral, por cima e baixo. O padrão não era diferente dos Mortos-Vivos que achou uma hora atrás. Mas, sua mão esquerda oscilava na hora de sugar a mana ao redor. Orion sentia que também sugava a dela.
— Consegue me entender? — perguntou ao empinar a lança e segurar as duas armas. — Você está acordada?
No Meio da raiva inacabável, seus olhos amarelados, onde deveria existir o mesmo sentimento, tinha lágrimas miúdas.
Ela se afastou encarnado o chão, gritando o máximo que sua garganta aguentava. E, de repente, parou. Lentamente, ergueu a cabeça. A hesitação havia morrido junto dos berros.
— Perdão, senhora.
A frente do peito, Orion girou sua lança velozmente. E abriu os braços. A atenção dela se dobrou para três pontos diferentes.
— Psev: Cinco Sentidos.
Ao dar o seu primeiro passo, a mulher travou no lugar. Ouvia gritos e choros, lamentações e maldições lançadas acima de si. O homem que assistiu até aquele momento e que deveria matar simplesmente havia desaparecido.
O que sobrou foi um mar de flores amareladas. Um oceano interminável de belas flores e uma brisa quente de primavera. O céu azul e infinito, até mesmo o cheio agradável de margaridas penetrou suas narinas.
Posso mergulhar nesse mar? Posso mesmo?
E os gritos pararam de ecoar em sua mente. A voz ordenando que matasse se tornou distante, substituída por um gracejo constante do ambiente.
Do lado de fora, Orion observava a feição da mulher se tornar solene. Para alguém que foi pega numa magia de ilusão, ela tinha sido forçada a fazer muitas coisas além do que era descrito ser possível.
Magia de ilusão governavam a mente e o espírito, tornando o alvo confuso e até mesmo dando conduções de suas escolhas. O nível de um Mago para proferir uma conjuração dessa era de Primeiro Círculo.
Porém, essa pessoa tinha mudado toda a sua conduta. Além de hesitar em atacar, também respondeu imediatamente a sua magia. Felizmente, restava um fio de consciência ainda querendo retornar.
A tinta negra que corria por cima de seus olhos pulsava em contato com uma magia de resposta. Orion se aproximou e esperou. Quando a tinta pulou pra cima dele, ergueu a mão.
— Epik: Compactação Transparente.
A gosma negra foi engolida por uma esfera do tamanho de uma palma. Por ser transparente, era possível assistir como se debatia fortemente contra as paredes. Queria sair a todo custo.
— Parece ser uma espécia de matéria viva — tentou analisar o melhor que conseguiu apenas olhando. Com o tempo passando, sua força se esgotou. No fundo da esfera, pareceu adormecer. — Deve ser do tipo hospedeiro. Precisa de alguém pra continuar vivo.
Orion fitou a mulher deitada. Chegou mais perto e a cutucou com a ponta do pé. Ela nem se mexeu.
— Ótimo. E agora?
Caminhou de um lado para o outro, e seus olhos encararam a flor negra ainda intacta, ao lado da árvore seca. Era exatamente daquilo que precisava.
Voltou a andar na direção da senhora desmaiada e ergueu a mão em sua direção. Usou o que restava de mana da manopla e respirou bem fundo.
— Vai ser a primeira vez que uso uma magia que eu mesmo criei. — A runa se expandiu por cima da cabeça dela. — Somat: Camuflagem Simples.
A Escola de Partícula tinha uma facilidade enorme na construção de magia passivas e ativas com usos gerais. Se Fogo, Água, Terra e Ar fossem conjuradas para ataques e defesas, as magia de Partícula tinham funcionalidades bem simples e usuais.
Somat levava o nome ‘Partícula’ dado por seu fundador. E Epik de ‘Invocação’.
As duas eram muito empregadas em trabalhos manuais ou braçais. Porém, Orion reconhecia o poder delas em uma escala ainda superior. O Sol Negro não tinha restrições de uso a não ser pela quantidade de Sucção de Mana, portanto, qualquer magia tinha pelo menos funcionalidade padrão pra ele.
E alterar a mana para criar um espelho por baixo do corpo foi bem mais simples do que imaginou. As partículas de luz refletiam a terra por cima, criando uma imagem do que deveria estar abaixo.
Se ela não se mexesse muito, a magia continuaria ali por mais algumas horas. Orion só precisava ficar sugando mana do ar e converter para a runa.
— Agora, onde esses mosquitos estão se escondendo?
I
Linus usava o cajado pra criar uma imensa pressão de ar ao redor de Rago e Polly. Os mosquitos zumbis tentavam penetrar a sua defesa, bicando e perfurando o ar com seus finos bicos avermelhados.
Aqueles insetos malditos tinham uma resistência muito acima do que falaram pra ele.
Os desgraçados do Kuma me enganaram.
Rago era Cavaleiro e Polly carregava um livro debaixo do braço que ela dizia ser para encantamentos. Sentia que o grupo era terrível para qualquer situação emergencial, e sua mana estava se esgotando pouco a pouco.
Os Mosquitos sugavam mana ao bicar na parede de ar que criou.
— Não vou aguentar muito — manteve a calma ao dizer aos dois. — Vamos ter que recuar. São muitos e são sugadores. Talvez uns cem pontos.
— Só cem? — Rago perguntou, frustrado. — O Irio não disse que dava pra fazer duzentos só com duas pessoas?
A barreira definhou e quase trinta dos insetos voadores entraram. Polly soltou um gemido baixo e ergueu a mão. Várias fagulhas saíram das runas, destroçando-os.
Linus encarou Rago após isso.
— Entendeu agora? Um segundo aberto e trinta deles entraram. Temos que voltar.
— E como vamos fazer isso? — perguntou Polly. — Eles estão por toda parte.
É só expelir todos eles, Linus queria dizer. Correr era o jeito mais rápido. Rago conseguiria acompanhar seu ritmo, mas Polly não. As magia dela não ajudavam em nada, essas faíscas não eram nada além de fragmentos de um livro que ela não tinha como ler.
Uma perda de tempo. E Rago assentiu ao ver sua face decisiva.
— Polly — Linus disse. — Nossa parceria chegou ao fim. Obrigado por tudo.
— O quê?
Antes de ter a resposta, Linus abriu os braços e desfez a runa. A rajada aumentou duas vezes, distanciando os mosquitos. E passou por ela correndo. A garota segurou o livro com força, e tentou fugir também.
Seus pés. Correntes a prendiam, enroscadas em seus calcanhares. Eram feitas de vento.
Viu Linus e Rago correndo, já longe para não serem pegos. E ela, fechando os olhos, começou a chorar.
No escuro, sentiu as criaturas avançarem.