33: Depois de Salvarem um Mundo - Capítulo 179
- Início
- 33: Depois de Salvarem um Mundo
- Capítulo 179 - Trigésima Sexta Página do Diário
Trigésima Sexta Página do Diário
Por algum motivo eu estava me sentindo feliz.
Talvez fosse por estar na companhia de Zita, ou por ter causado uma confusão no castelo que resultou na morte do rei, ou ainda por ter visto o Cavaleiro de Prata levar o sarrafo.
Ou ainda, por essas três coisas juntas.
De qualquer forma, eu não lembrava de ter me sentido assim em todos esses anos nesse mundo de merda. Mesmo no Reino do Leste, eu me sentia alegre, calmo, confortável… mas não feliz como estava naquele momento.
— Quem era aquele cara que desceu a porrada no Cavaleiro de Prata? — perguntei à Zita.
— O nome dele é Haroldo, um velho “amigo” do Cavaleiro de Prata. — Ela respondeu, meio pensativa — Ainda não entendo o que ele estava fazendo ali, sabe, aquele cara não era muito bem-vindo no Reino de Prata, talvez mais ainda do que você.
— Me superar no quesito odiado é difícil. — comentei.
— E ele é odiado nos sete reinos. — Zita olhou para o horizonte e mexeu naqueles cabelos vermelhos — Haroldo é um cara misterioso, inteligente e odiado; Ele só está livre por causa da sua habilidade de entrar e sair dos lugares sem ser notado.
— Eu queria essa habilidade…
— Por mais que ele tivesse problemas com o Reino de Prata, não chegava ao ponto de querer matar o rei…
— Você parece saber bastante sobre ele!
— Vamos para a torre. — Zita disse e seguiu noite a dentro.
Eu não sabia sobre que torre era essa que ela falava, mas suspeitava. Por via de dúvidas, achei melhor não fazer perguntas. Uma coisa que aprendi sobre mulheres, com minhas irmãs adotivas, foi que elas perdem a paciência fácil.
Havia um lugar pouco conhecido na fronteira dos Reinos de Prata e do Norte, em meio às montanhas íngremes da Cordilheira Escaldante, uma torre escavada na rocha, onde era mantida uma biblioteca secular.
Não era apenas uma biblioteca comum, mas um lugar onde, segundo a lenda, o deus da sabedoria havia residido. Por causa da dificuldade de acesso, muitos diziam que o lugar sequer existia.
Eu só sabia da tal torre porque Miraa havia dito que tinha estado lá dentro. Ela não contou muito sobre o lugar, mas garantiu que existe. E se tiver que escolher entre acreditar em Miraa ou em todas as outras pessoas do mundo, eu acredito nela, porque foi a única pessoa que acreditou em mim quando o mundo me abandonou.
Às vezes parece até que todos querem ser meus inimigos.
Roubamos cavalos e seguimos até a fronteira do Reino de Aço, uma volta longa, se levar em consideração o nosso destino ao norte, enquanto íamos para o extremo oeste. Mas todos tinham ouvido quando Haroldo nos disse para ir a Campo Sul, então seria mais seguro usar uma rota diferente da óbvia.
Nosso plano era dar a volta por dentro do Reino de Aço, passando pelo Reino do Norte e chegando à torre pelo caminho inverso. Tá bom que o plano foi de Zita e não meu, assim teria mais chances de não precisar improvisar.
As coisas pareciam dar errado quando eu improvisava.
Viajamos durante a noite toda, o que foi bastante cansativo. Ainda bem que eu havia comido bastante no banquete, ou não teria conseguido aguentar tanto tempo de viagem a cavalo.
O dia raiou e o sol cruzou os céus. E eu e Zita continuamos a viajar… Minha bunda estava doendo de tanto acertar contra a sela do cavalo. Definitivamente, aquele era o meio de transporte que eu mais odiava.
Após tantas horas de trote ininterrupto, os cavalos estavam exaustos – e nós também – então sugeri a Zita que deixássemos os animais e seguíssemos a pé. Após mais algumas horas e muitos quilômetros de caminhada, chegamos a um vilarejo.
A esse ponto da nossa jornada já havíamos atravessado a fronteira e entramos no Reino de Aço. No vilarejo fomos informados de que a capital não ficava muito longe, o que significava que era ali que mudaríamos de trajeto em direção ao norte.
Zita sugeriu passar a noite no vilarejo, o que foi um alívio para mim. Nós dois estávamos cansados demais, então qualquer monte de feno em um estábulo fedorento serviria de cama.
Eu dormiria até mesmo em cima de uma pedra, ao relento, quanto mais em um local coberto e com algo macio para forrar. E por mais que os insetos, atraídos pelos animais, insistissem em drenar meu sangue, não atrapalhou meu sono.
Dormi igual a uma pedra. Não lembrava sequer de ter deitado no feno, apenas pisquei e dormi. E tive um sonho muito louco…
Sonhei com a minha vida anterior. Sonhei com o passado que havia fugido das minhas memórias. Sonhei com a minha família, meus pais, minha irmã, meus amigos, o laboratório, a chave, a explosão…
Poderia ter sido apenas um sonho, se Miraa e Haroldo não estivessem nele, o que era estranho. No meu sonho eles pareciam ser parte da minha família, como se sempre estivessem estado ali.
Depois sonhei que estava destruindo o Reino de Prata com as minhas mãos. Sonhei com fogo e sangue, enquanto as pessoas corriam aterrorizadas. Então lembrei de todos que haviam morrido por minha culpa.
Lembrei de Finii, a escrava que fora partida ao meio. Lembrei de todos os rostos das pessoas que matei naquele dia. Lembrei de Sceno pedindo que não a deixasse morrer, e todos os corpos que estavam pendurados nos portões de Parva.
Lembrei de todo ódio que eu tinha acumulado dentro de mim. De todo o medo que me cercava. Todo o Rancor que eu guardava. Toda a tristeza que me consumia.
— Para, por favor! — A voz de Zita me trouxe de volta à consciência.
Me vi arrodeado de cadáveres de soldados, cujos corpos estavam cobertos por chamas negras. De frente a mim havia uma garota de cabelos curtos com mechas roxas, usando vestido azul claro e sapatilhas.
Aquela garota me olhava com medo em sua face. Seus joelhos dobrados de encontro ao chão, tremiam muito. Havia lágrimas descendo de seus olhos e sua boca não fechava.
Senti uma mão em meu ombro. Ao me virar, vi Zita com uma cara de poucos amigos.
— Não sei o que deu em você, mas precisamos sair daqui! — Ela disse em um tom bravo.
— O que aconteceu? — perguntei, confuso.
— Não me venha perguntar o que aconteceu! — Zita me arrastou pelo braço — Não depois de entrar na Cidade de Aço e causar uma confusão enquanto dormia.
Então ela olhou para a garota e falou bem alto:
— Se alguém perguntar o que aconteceu, diga que você lutou contra ele e o expulsou da cidade.
A garota, em estado de estupor, só conseguiu assentir com a cabeça.
— Você fala como se conhecesse ela. — comentei.
— E conheço. É a Jaiane, uma dos 32. — Zita respondeu, enquanto me arrastava para longe — É claro que eu conheço ela, agora, depois do que você me aprontou hoje, estou realmente me perguntando se te conheço ou não.
Depois de acordar no meio de chamas negras e cadáveres, até eu estava me perguntando se me conhecia.