33: Depois de Salvarem um Mundo - Capítulo 178
Fúria
André e Sônia estavam abraçados, mostrando uma comovente cena de mãe e filho se reencontrando após tanto tempo. Para completar, Maria Julia entrelaçou os braços em torno deles, deixando a família quase completa.
— Não… Está errado… — André começou a murmurar — Isso não é real… Só mais uma alucinação.
Sem perder tempo, Maria Julia se afastou, puxando sua mãe pelo braço para longe de André. Ele estava em mais uma crise mental, ninguém sabia o que ele poderia fazer.
Ou talvez ela soubesse.
— Você está ferrando a minha cabeça mais uma vez, seu maldito?
André não tinha mais brilho nos olhos, apenas uma voz robótica o distinguia de um cadáver ambulante. Seu rosto não tinha mais expressão alguma, e seu corpo permanecia parado em uma postura similar à de uma marionete mal controlada.
Rachaduras começaram a surgir em sua pele, e delas vazava uma névoa acinzentada. A névoa do Rancor, o poder descontrolado de André fluía de seu corpo por vontade própria em resposta ao seu estado emocional instável.
Uma leve mudança em sua expressão facial foi revelada. Um sorriso de canto de lábios, que em conjunto com o olhar vazio passava uma sensação de medo a quem via. Uma indicação de que algo muito ruim estava por vir.
Maria Julia arrastou Sônia para fora da tenda, enquanto Brogo tirava Tibee e Mariana pelo outro lado e gritava por ajuda. Não que tivesse alguém ali que fosse capaz de deter facilmente André, mas para evitar uma catástrofe sem precedentes.
A tenda incendiou imediatamente após as cinco mulheres saírem, e no meio das chamas estavam André coberto com uma armadura negra e Lee-Sen-Park coberto de chamas azuis, iguais às que Zita havia usado contra ele, segurando o pulso de André.
— Não use o poder dela! Esse poder não é seu! Me devolva a Zita!!! — André murmurou, e ficou repetindo essas três frases até sua voz se tornar inaudível.
— André, pare. Você precisa acalmar seu coração…
A resposta de André foi um chute sem recuo, visando a lateral da cabeça do coreano com seu calcanhar. Mas o oponente aparou o ataque com o cotovelo. André continuou atacando com um giro por cima do homem em chamas, se libertando da pegada.
— André, me ouça… — Lee-Sen-Park tentou.
Antes que ele terminasse de falar, André já o havia agarrado pelo pescoço e passado uma rasteira, enterrando a cara do coreano no chão frio do acampamento. Mas não parou por aí, André levantou o oponente desacordado e o arremessou ao ar como um saco de lixo.
Enquanto Lee-Sen-Park girava no ar, André criou uma lança giratória com o seu poder, e quando estava prestes a arremessar, foi derrubado por um raio. Não foi o suficiente para imobilizar, no entanto, deixou sua armadura bastante danificada e vaporizar a lança.
Leonardo, Lucas, Catarina e Gledson foram os primeiros a chegar, respondendo aos pedidos de ajuda de Brogo. Ao mesmo tempo, as Pessoas Livres cuidavam de evacuar a área ao redor do tumulto.
André se levantou contrariando a gravidade, sem usar seus braços, sendo recebido por Catarina com um soco forte o suficiente para o arremessar dezenas de metros para o ar enquanto a rocha abaixo dos pés da menor entre os heróis rachava.
O ar começou a girar ao redor do corpo do jovem descontrolado enquanto ele ainda subia. Um tornado se formou no meio do acampamento, dando tempo para a evacuação da maioria das pessoas enquanto André era mantido suspenso.
Foram poucos segundos, mas o movimento de Lucas combinado com o ataque anterior de Catarina serviu. A névoa de Rancor pareceu negar a força do vento que agia contra si, deixando André cair livremente.
— Gravidade x100! — A voz de Hugo ecoou, vinda das sombras de Gledson.
O corpo em queda livre foi acelerado pela gravidade aumentada, atingindo o chão a uma velocidade absurda. Seria o suficiente para transformar qualquer ser humano em panqueca, se não fosse pela névoa condensada em uma nuvem acolchoada para amortecer o impacto.
Os danos físicos no corpo de André eram visíveis. Hematomas, escoriações, fraturas, cortes na pele… E ao mesmo tempo a sua regeneração estava ativa aos olhos de todos.
Os hematomas sumiram, os ossos voltaram para o lugar, os ferimentos fechavam… Apenas o sangue restava sobre sua pele, indicando que ele havia mesmo sofrido algum tipo de dano.
Antes que seu corpo voltasse ao normal, André desapareceu da vista das pessoas. Um estrondo foi ouvido, e quando olharam para a direção de onde havia vindo o som, viram Leonardo coberto de eletricidade, enquanto defendia um chute de André com a armadura de Rancor.
A primeira defesa foi eficiente, mas o segundo chute arremessou Leonardo até o acampamento do Reino do Sul, a centenas de metros de distância. Gledson usou sua sombra para envolver a si mesmo, Lucas e Hugo. Os três não seriam capazes de resistir a um ataque daqueles.
No meio da bagunça restaram apenas André e Catarina.
Como sendo a pessoa com a maior resistência, Catarina tinha confiança em bater de frente com André. Apesar de ter perdido para ele em tempo passados, ela era superior em termos de força e resistência.
A vantagem de André era sua velocidade e resiliência. Mas fora de si, ele não tinha muita acurácia, o que deixava Catarina com uma vantagem. Ela só precisava acertar um soco, apenas um.
André sorriu daquela forma assustadora de sempre, o que fez Catarina se preparar. Ela dobrou os joelhos e recuou o braço direito, assim que ele se movesse, ela daria o soco.
Então mudou.
Na sua frente não estava mais André, e sim uma garota de cabelos cinzas, com uma cicatriz na boca e expressão preocupada. Catarina agradeceu por não ter reagido àquilo, senão Victoria estaria morta.
— Eu troquei você e Josiley de lugar. — Victoria disse — Se você atacasse o André agora, a gente estaria ferrado.
— No máximo, eu mataria ele. — Catarina retrucou, relaxando a postura.
— O André ainda é importante, preciso dele vivo. Pelo menos por enquanto…
De volta ao centro do acampamento, Josiley havia interferido, trocando de lugar com Catarina. Sua vantagem não era força ou qualquer outra capacidade de combate, mas sua velocidade.
Ou melhor, Josiley conseguia manipular a passagem de tempo ao seu redor. Ele conseguia, assim, se mover mais rápido ou fazer os outros se moverem mais devagar. Foi com essa técnica que ele conseguiu esquivar dos movimentos descoordenados e imprevisíveis de André.
Se colocar contra o pior dos 33 era suicídio, mas Josiley tinha um plano. Não que ele contasse que o fato de ser um dos poucos que não tinha tentado matar André fosse ajudar a evitar sua morte. Ele queria apenas tirar André dali.
Teletransporte era uma opção válida para levar André para um lugar distante e proteger as pessoas, mas Victoria precisaria estar em contato com André para levá-lo. E para sorte de todos, havia uma forma alternativa de teleportar.
A oitava chave, que estava no bolso de André.
Josiley era a única pessoa rápida o bastante para pegar a chave e tirar André dali. Ele só não tinha contado para ninguém qual era seu plano, porque, obviamente, ninguém concordaria.
Após desviar dos golpes de André, que pareciam bastante lentos, Josiley conseguiu se aproximar e pôr a mão no bolso do oponente. Um soco acertou o abdômen de Josiley, derrubando o herói.
Por mais surpreendente que pudesse parecer, ele já estava preparado para isso. Os misteriosos poderes de André rompiam toda a lógica da magia e da ciência, por que não poderiam romper a lógica do tempo?
De posse da chave, Josiley se preparou. No próximo ataque, ele ia segurar André o suficiente para levar até o outro lado do continente. O tempo estava a seu favor.
Sua velocidade estava no máximo, e a de André no mínimo. Mesmo assim, parecia que André ainda era mais rápido. E quanto mais se aproximava, mais rápido ficava.
Josiley finalmente entendeu. Quanto mais perto estavam, mas seus poderes ressoavam. De alguma forma, o poder de André estava ligado ao tempo, que era uma das bases da criação do universo.
Por uma mínima fração de segundo, Josiley foi capaz de ver a verdade. Seu poder ressoou com o de André, e ele viu o passado, o presente e o futuro. Ele viu o começo e o fim. Um sorriso apareceu em seu rosto, e seus braços se abriram, aceitando o que o destino havia reservado.
O braço de André atravessou o peito de Josiley, que fechou os braços em torno de André. Um abraço de despedida e agradecimento.
— Agora só depende de você…
Após dizer essas palavras, Josiley usou o poder da chave e teletransportou a si e André para o extremo norte, longe demais do acampamento.
Retirando seu braço ensanguentado das costelas de Josiley, André caiu deitado ao lado do herói desfalecido. Seus olhos antes opacos, agora, em meio a lágrimas, refletiam a pouca luz que passava pela cortina de escuridão no céu.
— Obrigado por me trazer de volta. — André disse, quase sem voz — Agora descanse… No final, você era um dos poucos que eu não odiava. Quando essa merda toda acabar e eu estiver morto, sorriremos juntos na próxima vida.
André não sabia o que fazer. Ele não tinha o que fazer. Todas as peças haviam se encaixado e o destino que seu pai escolheu estava se concretizando. Como alguém que nunca teve opção, ele precisava cumprir seu papel em breve.
Já haviam se passado algumas horas desde que André e Josiley desapareceram. As pessoas estavam correndo de um lado para outro no acampamento, tentando reorganizar tudo.
Long-Hua havia oferecido um acordo entre os dois exércitos para cooperar contra as forças da Aliança Internacional. O recado foi enviado por Leonardo, que caiu no acampamento inimigo após ser arremessado por André.
Enquanto as lideranças discutiam se aceitavam ou não o acordo, Tibee curava os danos que Lee-Sen-Park havia sofrido. Não eram muitos, mas precisavam dele vivo. Principalmente por ter o poder de um dos heróis.
Alberto, Gustavo e Mariana tinham saído do acampamento. Disseram que precisavam ficar mais fortes. Como não tinham obrigação nenhuma, e nem eram bem-vindos, ninguém se opôs.
Esmeralda e seu exército estavam voltando para o Reino de Cristal. Com a possibilidade da chegada de um exército do mundo dos heróis e a morte de Jonas, a rainha preferia voltar à sua terra.
Enquanto Tibee cuidava de Lee-Sen-Park, Maria Julia acompanhava o trabalho de sua filha adotiva. Sônia também assistia com curiosidade o uso de magia para curar ferimentos.
Aos poucos o coreano abriu os olhos, sentou-se, esfregou a cabeça e fez uma careta.
— O que aconteceu?
— Fala antes ou depois de você levar um pau do André? — Sônia perguntou, enquanto acendia um cigarro.
— Eu lutei com o André? — Ele abriu os olhos de susto.
— Não. Você levou uma surra unilateral. — Maria Julia respondeu.
— Não lembra? — Tibee perguntou — É normal ter lapsos de memória após um trauma.
— Lembrar… Eu acho que lembro, mas é como um sonho… ou se alguém estivesse controlando meu corpo e eu só assistisse tudo no banco de passageiros.
— Está dizendo que outra pessoa controlou você? — Sônia deixou o cigarro cair — Quem seria essa pessoa?
— Dona Sônia, você acreditaria se eu dissesse que foi uma pessoa que já morreu?