33: Depois de Salvarem um Mundo - Capítulo 177
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- Capítulo 177 - Trigésima Quinta Página do Diário – Parte 4
Trigésima Quinta Página do Diário – Parte 4
Acho que nunca senti tanto medo quanto no momento em que vi Zita em chamas bem na minha frente. Meu corpo ainda lembrava que quase morri da última vez, e só escapei graças ao misterioso poder de regeneração que veio de bônus com a maldição do Rancor.
Prevendo um possível ataque, me envolvi em uma armadura negra. Não dava tempo de fugir, já que estava de bunda no chão e de costas para a única rota possivelmente segura.
Senti um impacto no peito e fui arremessado para trás mais uma vez, dessa vez com mais violência. A queda foi amortecida pela armadura de Rancor, que ficou em pedaços.
Fiz de tudo para me recompor rapidamente, desfazendo a armadura e pulando para o lado. Não veio nenhum ataque, mas é sempre melhor prevenir e não ficar marcando bobeira enquanto dezenas de pessoas tentam cortar sua cabeça.
Notei que o chão onde eu estava tinha uma textura pegajosa, igual ao corredor. Era sangue, muito sangue. Todo o piso do local estava lavado em vermelho e coberto de pedaços de corpos.
O único corpo identificável era o do rei, que estava sentado em uma cadeira suntuosa com uma lança atravessada no meio da testa. A coroa de prata estava caída no chão, aos pés do falecido soberano.
Quem teria feito aquilo?
— Você fez isso? — A voz de Zita veio da entrada do local.
— Na-não… — tremi ao responder. Quero ver quem não tremeria ao ser questionado por uma ruiva em chamas.
— Nem você conseguiria retalhar tantas pessoas em tão pouco tempo… — Ela ponderou com a mão no queixo.
— Ah… Você está bem? — Perguntei, receoso — Um minuto atrás tentou me matar.
— Eu precisava te tirar daquela bagunça. — Ele respondeu — Sei que você aguenta um chutezinho.
Ah. Legal. Meter uma bicuda em alguém é sempre a forma mais eficiente de salvar a pessoa. Mas isso significava que ela não tinha perdido o controle, pelo menos.
— Precisava te agradecer por me salvar lá no acampamento.
— Não precisa…
— Você arriscou sua vida por mim!
— Você me ajudou no roubo da semente, lembra?
— Aquilo não é o suficiente para arriscar a vida indo ao acampamento inimigo, ferido, para salvar alguém. — Ela cruzou os braços e sorriu.
Seu corpo ainda estava coberto de chamas, obviamente porque suas roupas foram consumidas, então tentei manter o máximo de contato visual para que ela não se irritasse comigo admirando seu corpo.
— Eu fui lá porque te acho legal… — respondi baixinho.
— Só isso? — Ela insistiu.
— E bonita…
— E…?
— E eu meio que gosto de você…
Respondi e respirei fundo. Fechei os olhos e inalei todo ar que meus pulmões conseguiram. E no momento seguinte, minha mente parou de funcionar.
Senti mão quentes, porém suaves, tocando meu rosto. Ao abrir meus olhos, vi o rosto dele muito próximo ao meu. Nossos lábios se tocaram mais uma vez, e foi maravilhoso.
Ouvi passos se aproximando, mesmo assim continuei beijando ela. Queria aproveitar o momento ao máximo. E quando ela finalmente afastou o rosto do meu, percebemos que estávamos cercados pelos sobreviventes do salão ao lado.
A maior parte dos heróis tinha ferimentos pelo corpo, e apenas três dos cavaleiros ainda estavam vivos, entre eles o de prata. Acho que não foi muito bom para o meu currículo ser flagrado beijando Zita nua em meio a um local recheado de pedaços de cadáveres.
— Vossa majestade! — Alguém gritou.
— Ele matou sua majestade! — Um dos cavaleiros apontou para mim.
Muito fácil acusar sem provas. Mas como eu fui o primeiro a chegar, era odiado por todos, já tinha atacado o rei e tinha um pequeno histórico de violência, fazia até sentido que eles desconfiassem. E sim, estou sendo sarcástico.
Kawã foi o primeiro a correr em minha direção. Zita se preparou para interferir, e eu liberei o máximo de rancor que consegui. Mas o ataque nunca chegou.
Alguém apareceu à minha frente e, com um chute, mandou Kawã voando até a parede oposta. Um raio de Leonardo estava vindo logo em seguida, mas o homem segurou aquilo com a mão esquerda, como se fosse sólido.
Eu não entendia o que estava acontecendo, muito menos reconhecia o homem. Seus cabelos e barba longos e castanhos davam um ar de familiaridade, mas não era ninguém do Leste ou um dos prisioneiros. A única coisa que me passava em mente era que ele fosse um traidor do Reino de Prata.
A única roupa que ele trajava era uma calça cinza e um par de botas surradas, deixando seu corpo nu da cintura para cima e expondo seus músculos definidos, além de uma tatuagem em forma de rosa dos ventos. Na mão direita do homem estava uma lança semelhante à que estava presa à testa do rei. Dei uma olhadinha para confirmar, mas que estava na cabeça do cadáver havia sumido.
Após Kawã e Léo serem bloqueados tão facilmente, acredito que os demais heróis não tiveram coragem de vir à frente. Foi a vez do Cavaleiro de Prata agir, finalmente eu tive a oportunidade de ver ele em ação.
— Seu maldito! — O Cavaleiro de Prata gritou e avançou.
O homem enlatado cortou em diagonal com sua espada longa, mas seu ataque foi bloqueado por uma espada semelhante que estava na mão do desconhecido, ao mesmo tempo o raio que ele segurava foi jogado no Cavaleiro de Prata.
Achei muito estranho o quão rápido o homem havia trocado de uma lança para uma espada, então percebi que a espada mudou para o formato de um machado de batalha. Estava cada vez mais estranho, como aqueles sonhos que as coisas vão mudando e perdendo o sentido.
— Onde conseguiu essa coisa? — Wagner perguntou.
— Um amigo me deu. — O homem respondeu.
— Você ao menos sabe o que está segurando? — Wagner insistiu em falar.
O ataque com o raio não tinha causado dano algum ao Cavaleiro de Prata, entretanto, ele parecia estar avaliando a situação. Wagner deve ter entendido isso e procurado entreter o homem sem camisa por algum tempo.
— Se eu sei o que estou segurando? Isso é uma relíquia deixada pelos deuses, ela carrega o poder do deus das guerras. — O homem girou o machado e apontou para Wagner — E você, sabe o que é esse poder que carrega?
— Jonas! — O Cavaleiro de Prata deu o comando.
Uma barreira dourada se formou ao redor do homem. Era esse o plano o tempo inteiro, neutralizar a única pessoa que conseguia bater de frente com o Cavaleiro de Prata. Eu deveria ter feito alguma coisa.
Não era tarde demais.
Fiz todo o poder que consegui liberar se acumular lentamente na palma da minha mão, tentando não chamar atenção. Qualquer movimento que eu fizesse seria suspeito.
Condensei tudo em uma pequena esfera, apertei ao máximo, fazendo ela ficar cada vez menor. Não tive muito tempo, mas foi o melhor que consegui fazer. E quando o Cavaleiro de Prata começo a caminhar em direção ao homem preso na barreira cúbica, joguei a bolinha nele.
Seu o meu controle mantendo a compressão estável, a bolinha de rancor explodiu, arremessando pessoas, cadáveres e destruindo a barreira de Jonas. Até mesmo a armadura do Cavaleiro de Prata ficou avariada no processo.
— Foi um bom ataque. — disse o homem misterioso, tocando meu ombro.
— Você está bem? — perguntei.
— Deveria se preocupar mais consigo mesmo. — Ele me deu um tapinha na cabeça — Pegue a sacerdotisa e saia daqui, eu vou cuidar de tudo.
— Mas eu…
— Não discuta. Esse lugar não é seguro para você, e eles não podem me matar mesmo. Nem se eu deixasse eles conseguiriam me fazer mal, mas você é outra história.
— E para onde vamos? — Zita perguntou — Leste?
— O Leste é a pior opção no momento, eu sugiro que vão a Campo Sul, procurem as ruínas do antigo Reino de Pedra. Acho que lá vocês podem encontrar umas coisinhas muito legais.
Segurei a mão de Zita e a puxei para a saída, olhando para trás, onde ficou o homem. Eu nem mesmo tinha perguntado seu nome, não sabia se teria outra oportunidade de vê-lo.
— HAROLDO!!!! — A voz do Cavaleiro de Prata ecoou mais esganiçada do que o de costume — SEU MALDITO FILHO DE UMA PUTA!!!!!! EU VOU TE MATAR DE UMA VEZ POR TODAS!!!
Então o nome dele era Haroldo? Onde já ouvi esse nome?
— Pode vir, moleque de prata. — Haroldo respondeu — Não é como se a gente nunca tivesse feito isso antes.
Não sei o que aconteceu a partir dali. Eu estava exausto, e Zita nua. Pegamos um tecido qualquer, que acredito ser uma toalha de mesa, e ela se enrolou. Depois fugimos do castelo.
Como a maioria dos guardas estava de prontidão nas muralhas, e os Cavaleiros dentro do castelo, não foi difícil sair. Usei minhas habilidades aprimoradas para entrar em uma casa e roubar uma roupa decente para Zita, depois fugimos por uma rota que apenas ratos e contrabandistas conheciam.
Fiquei feliz que aquela cidade continuasse fingindo que suas misérias não existiam, só assim o buraco que passava por debaixo da muralha permaneceu. Mas o que mais me deixou feliz foi sair daquele poço de podridão pela terceira vez. E dessa vez levando Zita comigo.