33: Depois de Salvarem um Mundo - Capítulo 176
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- Capítulo 176 - Trigésima Quinta Página do Diário – Parte 3
Trigésima Quinta Página do Diário – Parte 3
E fiz uma puta entrada triunfal, com direito a exército do mal e tudo. Sentei à mesa e comi sem ser convidado, ao estilo vilão. Até pus um pé sobre a mesa para parecer mais porra louca.
Tudo isso para descobrir que estava na antessala errada.
Por favor, não me julguem. Todas as salas de um castelo são muito parecidas. Lugares grandes, com paredes de pedra, decoração extravagante, portas maiores do que deveriam ser, lustres desnecessariamente enfeitados…
E como tinha uma mesa cheia de comida, uns nobres e estava rolando uma luta, achei que era ali.
— Os noivos estão no salão real… — Um jovem nobre, e covarde, apontou na direção que eu deveria seguir.
Salão real? Sério isso? Nobres são pessoas com tão pouca imaginação na hora de nomear as coisas. Aposto que teria uma sala de prata, no castelo de Prata, na Cidade de Prata, no Reino de Prata.
Taquipariu.
Em compensação por ter me indicado a direção certa, não matei aquele jovem. Se os outros caras iam matar ou não, já não era problema meu. Tudo que eu queria era matar alguém e depois sair fora.
Acho que não coloquei no meu plano a parte de como ia sair de uma das cidades mais seguras do mundo quando todo seu contingente militar estava protegendo as muralhas ao redor dela.
Deixei passar um detalhe crucial, eu confesso, mas no meu plano havia a opção de improvisar. E era isso que eu ia fazer. Nada como fazer as coisas sem pensar. E nisso eu era muito bom.
Chegando na sala correta, vi umas dúzias de nobres gordos, uma imitação de orquestra, um rei balofo em um trono prateado, vários cavaleiros usando armaduras perfeitamente lustradas e uma mesa maior do que a anterior, com mais comida ainda.
Próximo ao trono haviam outros assentos onde estavam os dois príncipes, um a cada lado do rei. E ao lado do assento de Flek, estava Zita. Ela estava linda em um vestido azul claro como o céu, usando uma tiara com pedras que ressaltavam seu cabelo vermelho arrumado em um penteado complicado.
— Bora pra outra entrada triunfal! — Murmurei para mim mesmo.
Como se não bastasse eu estar vestido como um guarda de prisão, com meia dúzia de armas flutuantes girando ao redor de mim, com um pouco de sangue respingado na minha cara e um sorriso maníaco, levantei os braços e gritei:
— Cheguei, caralho!
Choveu lanças, a orquestra parou de tocar, a música foi substituída por gritos, comida foi espalhada por todo lado e um clarão me cegou. Isso tudo em apenas dois segundos. Foi incrível.
Senti um impacto no peito e meu corpo ficou leve. Eu estava voando, não de uma forma boa, eu fui jogado para trás com um raio vindo de algum lugar que acredito ter sido Léo.
Levar um raio no meio dos peitos não é a coisa mais divertida do mundo, mas levando em consideração que eu estava prestes a fazer algo semelhante com eles, não tinha muito o que reclamar.
E, mais uma vez, devo lembrar que não temos direitos humanos nesse mundo.
Não esperei minha visão voltar, espalhei a névoa do Rancor por todo o salão. Se eu não ia ver, os outros também não iam. Direitos humanos não tinha, mas direitos iguais eu ia fazer ter.
Após acreditar ter coberto todo o lugar com névoa do Rancor, criei umas adagas flutuantes aleatoriamente pelo local, assim, se alguém tentasse correr em meio ao nevoeiro, teria um ferimento. Tipo uma roleta russa com adagas, saca?
Acho que o medo das pessoas de serem atacadas em meio à névoa foi grande o suficiente para fazer todos se calarem. Isso me ajudou bastante, já que com a minha visão reduzida, eu passei a depender da audição para me defender.
Só havia me esquecido que existe um herói com audição extremamente apurada, e enquanto eu tentava me mover sem fazer barulho, senti um impacto na parte esquerda da minha cabeça, que me fez cair.
Alguém capaz de se mover tão facilmente em meio à névoa e com uma força absurda daquela só poderia ser o Kawã. Os outros eram dependentes demais de seus poderes para usarem um ataque físico.
Seria muita burrice ele tentar um novo ataque do lado esquerdo, então condensei o Rancor e criei um enorme escudo no lado direito bem a tempo de ouvir um som de garras o rasgando.
Aquilo foi por muito pouco. Se eu demorasse mais um segundo, teria virado presunto fatiado.
Kawã usava seu poder com uma habilidade esplêndida. Ele conseguia se mover rapidamente sem o auxílio da visão, sem fazer barulho algum e ainda me atacar com uma precisão milimétrica.
Eu estaria mentindo se dissesse que não fiquei com um pouco de medo.
Sentindo que a ardência em meus olhos tinha diminuído, eliminei toda a névoa escura. Não foi uma boa ideia, visto que eu estava de pé no meio de um salão cheio de pessoas que queriam me matar.
Vi Leonardo e Lucas se preparando para me atacar, mas o que mais me preocupou foi Hugo. Ele poderia usar o poder para me imobilizar, e sem a vantagem da minha mobilidade, eu estaria ferrado.
Anne também estava lá, mas ela apenas me encarou com uma careta feia. Acho que o fato de Iffy estar segurando o braço dela com bastante força pode ter influenciado um pouco.
Meu alvo não era nenhum deles, portanto, não pretendia perder tempo com os heróis. Meu primeiro alvo era o cara mais importante ali: o rei. Aproveitando o momento de “cavalheirismo” deles, onde esperavam uma batalha justa e digna, mudei a trajetória do meu corpo.
Enquanto todos esperavam que eu fosse bater de frente com algum dos heróis, eu saltei por cima da multidão em direção ao gordo sentado no trono. Não que eu achasse que ia conseguir matar ele facilmente, mas fui bloqueado pelo Cavaleiro de Prata.
Aparentemente, ele era mais esperto que a maioria ali.
Recebi um chute nas costelas que me arremessou de volta ao centro do salão, enquanto me levantava, vi o rei sendo retirado por outros cavaleiros em direção a um corredor lateral. Tudo bem, ele não era meu alvo principal mesmo.
Zita e Flek também foram instruídos a se retirarem, mas o principezinho de merda estava de pé gritando um monte de coisas sobre como eu teria uma morte horrenda. Zita me encarava com uma expressão de conflito.
Eu sabia que ela estava fazendo isso para me proteger. Mas agora que eu estava indo de frente contra todos meus inimigos, ela não tinha mais motivos para ficar presa à promessa de noivado.
Nossos olhos se cruzaram em meio à confusão, foi por menos de um segundo, mas pude perceber que ela estava me encarando de uma forma diferente da maioria das pessoas ao meu redor.
Perdi tempo. Quando percebi, estava cercado por heróis e cavaleiros de armadura. Se fossem apenas dois heróis eu daria conta, mas aquele tanto de gente ao mesmo tempo seria meio difícil.
Resolvi focar nos mais fracos primeiro, avancei em direção a Wagner, que se mantinha de frente a mim, mas usei uma finta para mudar de direção no exato momento que ele respondeu ao ataque e fui na direção de um dos cavaleiros.
Usei meu poder para prendê-lo e saltei por cima do homem enquanto o arremessava para trás de mim, em direção a Wagner. Não foi o mais honroso dos ataques, mas funcionou.
Enquanto metade dos meus inimigos tinham a visão bloqueada por Wagner e o cavaleiro, à minha frente havia uma parede de papel e mais dois cavaleiros. Se eu bem lembrava, quem tinha poder sobre o papel era Helder, um herói que foi enviado para o norte logo que chegamos.
Não que papel fosse algo perigoso, mas para alguém ter aquilo como poder, ele deveria conseguir fazer alguma coisa diferente. Aprendi desde cedo a não subestimar nenhum inimigo, independente da aparência ou do tipo de poder.
Se eu conseguia transformar névoa em armas, papel seria um poder muito perigoso em minhas mãos. No entanto, papel é muito sensível a fogo, e a parede começou a incendiar bem na minha frente.
Vendo a quantidade de armas que Wagner estava prestes a jogar em minha direção, sem contar Kawã, Léo e Lucas se preparando para atacar, atravessei a parede de papel em chamas, passando ao lado de Helder em busca de segurança.
Fora do cerco dos heróis eu vi Zita em uma situação não muito boa também. Ela havia usado suas chamas para tirar a parede de papel do meu caminho e agora estava presa em uma daquelas caixas transparentes de Jonas.
Eu odeio aquele cara.
Não é como se Zita estivesse correndo algum risco. Ela só estava sendo contida temporariamente, afinal eles queriam ela viva, diferente do que queriam de mim. Achei melhor manter distância, inclusive, se ela resolvesse botar aquilo tudo abaixo, era melhor estar o mais longe possível.
No entanto, eu estava devendo uma para Jonas. Antes de sair, aproveitei a velocidade da corrida e acertei uma voadora de dois pés no meio da cabeça dele. O cara podia ter o poder de bloquear as coisas, mas a velocidade de reação dele era bem lenta.
Eu tinha batido em algumas pessoas, causado uma confusão, atrapalhado a festa e colocado os convidados para correr e os heróis para suar. Estava na hora de sair dali, ficar muito tempo no meio dos inimigos é cortejar a morte.
Com a chegada dos outros caras que estavam na prisão, lá do outro lado do salão, me senti menos pressionado. Os heróis e cavaleiros tiveram que dividir a atenção entre eu e os meus soldados improvisados, me dando espaço para respirar.
Também tive um segundo para verificar a situação de Zita, que estava com uma cara de poucos amigos e soltava um pouco de fumaça. Acho que seres humanos normais não deveriam soltar fumaça, o que significa que ela estava entrando em combustão.
Meus instintos de perigo gritaram alto dentro da minha cabeça. Meu corpo reagiu sozinho, e eu fui arremessado para trás, buscando de forma inconsciente um local seguro do que estava por vir.
As chamas azuis cobriram todo o salão de festas. Cavaleiros de armadura foram arremessados. Os heróis correram em desespero. E Jonas mal conseguiu proteger o príncipe Flek, se não fosse pelo Cavaleiro de Prata e sua armadura incrivelmente durável, o principezinho teria virado churrasquinho instantâneo.
As chamas crepitavam sem fim por toda parte. Eu estava caído a uns metros dentro de um dos corredores laterais do salão de festas, era uma distância segura o suficiente para me manter a salvo, e ao mesmo tempo, perto o suficiente para ver Zita com cabelos em chamas, pele acinzentada, olhos vermelhos e sorriso maníaco.
Era uma visão assustadora, mas por algum motivo, eu achei lindo.
Meu único medo era que ela perdesse o controle outra vez. Eu tinha apostado a minha vida na última, não teria certeza que sobreviveria a uma segunda. Não contra alguém que derrubou com uma explosão a galera que quase me matou segundos antes.
Em todos os casos, eu preferiria fugir se precisasse.
Me arrastei para trás lentamente, buscando não chamar atenção, até tocar em algo viscoso. Quando olhei para baixo, minha mão estava em cima de um filete de sangue que escorria por entre as pedras do piso do castelo.
Aquilo tirou o meu foco por um segundo, quando voltei os olhos para a frente, Zita estava a meio metro de mim. Sua roupa havia sido consumida pelas chamas, sua postura era como a de uma fera selvagem, e seus olhos estavam totalmente focados em mim.
Se não tivesse ido ao banheiro minutos antes, uma tragédia teria acontecido.