33: Depois de Salvarem um Mundo - Capítulo 172
Luz e Espaço
— Amanda, Jaiane e Raniely desapareceram! — Uma voz soou pelo acampamento das Pessoas Livres.
Era Gustavo, o herói da luz. Ao redor dele havia alguns dos outros heróis, além de Pessoas Livres.
— Elas apenas precisaram de um tempo. — Victoria apareceu de uma vez no meio das pessoas e caminhou em direção à tenda de Esmeralda, passando por Gustavo — A tal guerra mudou completamente de rumo, se eu fosse você, buscaria onde me esconder. As meninas me pediram para levar elas a um lugar próximo da fronteira do Reino de Bronze, agora é a vez de levar a Rainha Esmeralda de volta ao Reino de Cristal.
— Vai fugir? — Gustavo perguntou — É o que você sempre faz nesse tipo de situação, né?
— Não. — Victoria voltou-se para Gustavo — Quando a merda bate no ventilador, são os que estão na frente que se sujam mais. Meu trabalho é manter a Rainha Esmeralda limpa.
— Usando desculpas para fugir de novo, não consigo ver de outra forma. — Gustavo cruzou os braços e sorriu.
— Pelo menos eu faço alguma coisa, eu fujo! — Victoria ficou de pontas de pé para encarar Gustavo nos olhos — Eu não fico me escondendo atrás de um monte de soldados para depois cantar vantagens em cima dos feitos deles.
— Onde você quer chegar?
— Não entendeu? Estou te chamando de covarde e medroso, mas pelo visto é burro também.
— Ora, sua…
Victoria deu um sorriso e saiu. Ela estava muito confiante que dessa vez os seus companheiros escolhidos pelos deuses assumiriam a responsabilidade. Estava cansada de ver eles fingirem ser fortes.
Por tantos anos a maioria dos heróis foi manipulada para parecerem fortes enquanto deixavam o trabalho pesado para os soldados dos reinos para os quais foram designados.
Tinham alguns ali que eram fortes de verdade, outros eram subestimados, mas a maioria eram um bando de pé-no-saco mesmo. Gustavo, entre outros, era um dos mais acomodados.
Victoria sentiu uma dor forte no braço, como se uma brasa estivesse em contato com sua pele. A reação espontânea do seu corpo fez com que ela pulasse para o lado sem nem pensar. Quando olhou para trás, Victoria viu Gustavo sorrindo, com dois dedos apontados para ela.
— Feladaput…
Victoria sumiu antes mesmo de terminar sua frase, reaparecendo em pleno ar, a menos de um metro de Gustavo, e com o pé indo na direção da cara dele. Era sua voadora imparável.
A força do chute derrubou Gustavo, que caiu e rolou pelo chão empoeirado.
— Levanta! Bora, moleque! — Victoria incitou — Sempre quis testar se eu sou mais rápida que a luz.
— Maldita… — Gustavo gemeu enquanto se colocava de pé.
Então um domo de escuridão se fechou sobre Victoria. Assim como podia controlar a luz, Gustavo podia impedir que ela penetrasse uma área delimitada. E como o ser humano era muito dependente da visão, o domo de escuridão era uma prisão perfeita.
Claro que Victoria sabia que ele podia usar essa técnica. E ela também sabia o que vinha depois. Sem tempo para pensar, a heroína se jogou para o lado, a tempo de sentir uma queimadura na altura da cintura.
A luz voltou aos seus olhos, a tempo de ver Gustavo se preparando para lançar mais um feixe de luz concentrada. Seu laser era muito forte e tinha um alto poder de penetração.
Victoria teletransportou algumas vezes em direções e por distâncias aleatórias. Na quinta vez ela percebeu que Gustavo havia disparado em direção a uma das suas localizações anteriores.
— Está mesmo tentando me matar! — Victoria franziu a testa.
— Duvida de mim? — Gustavo sorriu mais uma vez.
— Depois dizem que o André é o psicopata. — Victoria se posicionou para o possível próximo ataque.
Gustavo pôs a mão direita para a frente, fazendo posição de “arminha”, mas dessa vez com apenas um dedo apontado.
— Tenta desviar disso então! — Ele disse.
— Ah, foda-se! — Victoria estendeu ambas as mãos como se estivesse esperando receber algo.
No mesmo instante os dois foram amarrados por fios quase invisíveis. Ambos caíram no chão, totalmente imobilizados.
— Calma aí. Vocês são heróis, não se matem! — Safira apareceu, ao lado de Ametista — Ainda bem que chegamos a tempo de impedir que fizessem merda.
— Eu vou levar a Vic, você solta o outro aí. — Ametista disse, enquanto colocava Victoria no ombro, igual a um feixe de lenha.
— Me solta, eu ainda não acabei com esse arrombado! — Victoria protestou.
Ametista não disse mais nada, apenas carregou Victoria para a tenda de Esmeralda. Enquanto Safira esperava para poder soltar Gustavo. Elas tinham experiências com brigas internas, então sabiam que precisavam manter um longo do outro até se acalmarem.
— Por que atrapalhou? — Gustavo reclamou — A gente só estava brincando.
— Brincando? — Safira deu um olhar gelado em direção a Gustavo — Você tentou matar ela, eu vi. E se eu demorasse mais um segundo, ela teria teleportado seu coração para fora do corpo. Não sei se já sabem, mas ele pode mudar o arranjo e a posição de qualquer coisa dentro de um espaço que tem a ela como centro. Com você tão perto, seria fácil para ela mover seu coração para fora.
— Ela o q…?
— Sei que vocês são de outro mundo, mas acho que não conseguiria viver muito sem o coração, né? — Safira mudou a expressão para um sorrisinho infantil.
Gustavo ficou sem reação. Quando finalmente foi libertado dos fios mágicos de Safira, ele perguntou:
— Ela pode mesmo teleportar um coração para fora do corpo ou você estava brincando?
— Pode sim. — Safira deu as costas ao herói — Ela é a segunda mais perigosa das guardas reais do Reino de Cristal.
— E quem é a primeira? — Gustavo viu que suas perguntas poderiam estar incomodando — Só para eu ter certeza de não a incomodar de jeito algum.
— Todas nós somos igualmente perigosas, mas Ametista, a de cabelo lilás que levou Victoria, aquela ali teria te matado em dois segundos se fosse com ela. Inclusive, o motivo para estar vivo é apenas porque Esmeralda está de luto e não queremos piorar a situação.
Gustavo engoliu em seco com a informação. Mas Safira continuou:
— Inclusive, eu mesma teria te matado antes que percebesse. Se não acredita é só dizer que eu faço. Rapidinho e indolor.
Lembrando de como a garota conseguiu amarrar ele e Victoria antes que os dois percebessem, Gustavo achou melhor recusar a oferta. Após a saída de Safira, o herói se virou para Mariana e Alberto, outros dois heróis, que assistiram tudo e não fizeram nada.
— Cês iam mesmo me deixar morrer? — Gustavo perguntou, chateado.
— E você queria bem que a gente morresse junto, é? — respondeu Mariana, a heroína que tinha o poder de regenerar parte de seu corpo ou de qualquer outra pessoa dentro de uma determinada área.
— É, mano, quer morrer, morra só. — concordou Alberto, o herói que podia modificar a sua estrutura física.
— Vocês são mais inúteis que a Amanda… — Gustavo murmurou.
— Lavando em conta que agora a Amanda consegue fazer vidro a partir da areia, e que ela conseguiu a relíquia do poder dela, eu acho que nós três estamos muito atrás dela. Não concordam? — Mariana bufou.
— E mesmo estando tão “poderosa” ela ainda partiu em um tipo de jornada. — Alberto concordou.
— Onde querem chegar? — Gustavo alternou olhares entre os dois.
— Sabe… a gente tava conversando, e com esse lance dos deuses e tudo mais… — Mariana hesitou.
— Nós somos uns bostas, cara. — Alberto decidiu falar por ela — A Vic tinha toda a razão. Nunca fizemos nada de verdade a não ser nos esconder. Criamos belíssimas reputações a partir do trabalho dos outros. Por isso sempre apanhamos do André, depois do Cavaleiro de Prata, e agora você levou uma coça da Vic na frente de todo mundo.
— E… —Gustavo gesticulou para que ele chegasse logo ao ponto.
— Eu decidi que vou cair no mundo. Treinar de verdade. Peitar um deus…
— Essa última parte é suicídio. — Mariana comentou.
— Vamos morrer de qualquer jeito. — Alberto deu de ombros.
— E depois de ver você quase morrer, a gente decidiu te chamar para ir junto. — Mariana disse.
— E se eu não for? — Gustavo perguntou.
— Estamos te convidando, não obrigando. — Alberto corrigiu — Se não quiser ir, sinta-se livre para continuar sendo esse bocó medíocre de sempre.
— É isso que você pensa de mim?
— É o que todos pensam. E não só de você.
Gustavo pediu um tempo para pensar, mas no fundo ele já tinha decidido ir também. Desde o começo ele se sentiu deslocado no acampamento dos soldados de André, que já foram seus inimigos tempos atrás.
Apenas precisava de um tempo para fazer parecer que pensou muito a respeito.
Mariana deu a ele até o final do dia para decidir. Enquanto ele pensava, ela ia tentar “consertar” o braço de André a pedido de Adênia. Não que ela gostasse de ter que fazer isso,
Gustavo não sabia o quão ruim estava a situação de André, mas para precisarem pedir a ajuda de Mariana, ele deveria estar à beira da morte. Não que fosse uma coisa ruim, aquele cara já tinha feito merda demais.
Poderiam até usar a oportunidade para terminar de matar ele.
Não que fosse seguro fazer isso no meio do acampamento das pessoas que juraram seguir e servir a André.
— Ele não vai morrer. — Alberto comentou — Nada consegue matar aquele desgraçado.
— E é melhor nem estar aqui quando ele acordar. — Gustavo respondeu.
— Vai vir com a gente?
— Claro. — Gustavo fingiu que tinha acabado de decidir — Melhor estar com vocês do que aqui. Qualquer lugar é melhor do que aqui quando ele acordar.