33: Depois de Salvarem um Mundo - Capítulo 173
Em Família
Rubi até pegou um suco e uns petiscos de carne seca para assistir o melodrama de pai e filha. Ela sempre gostou de teatro dramático, e com a chance de assistir uma peça da vida real sem pagar ingresso, quem perderia essa chance?
Aparentemente, aquele homem era na verdade o deus da sabedoria, um plot twist divertidíssimo, mas um pouco estranho. E também tinha todo o papo de tempo e mundos, que Rubi não conseguia entender.
A parte mais bonita foi quando Ferdinand disse que nunca amou alguém tanto quanto a mãe de Alice. Rubi quase deixou uma lágrima escapar.
Então Ferdinand pediu perdão a Alice, o que foi lindo. E ela perdoou ele. Rubi queria aplaudir de pé…
Espera aí.
Como aqueles dois estão se abraçando se Alice estava amarrada um segundo atrás? Maldito deus de merda!
— Uou! Não pode desamarrar ela não. — Rubi cuspiu os petiscos e reclamou — Pode até ser um deus ou seja lá que merda for, mas ela ainda é nossa prisioneira!
— Agora ela está sob minha responsabilidade.
— Foda-se! Ela matou a heroína do fogo.
— Você mandou um deus se foder? — Ferdinand fez uma careta — Tem ideia do quão perigoso isso é?
— Foda-se de novo, você e sua filhinha assassina de herói. — Rubi ergueu um dedo em direção a Ferdinand — Aqui dentro dessa tenda eu sou a porra da deusa.
— E o que você…
Antes de terminar de falar, Ferdinand empurrou Alice e pulou em uma direção oposta. Ao mesmo tempo uma explosão ocorreu exatamente onde estavam.
— É falta de educação interromper os outros enquanto eles fal…
Uma nova explosão ocorreu. Rubi, sabendo que Ferdinand era mesmo um deus, preferiu atacar Alice. Até porque ela não tinha nada contra ele, e a loira que era a prisioneira em risco de fuga.
Os dois haviam desaparecido no momento da explosão, deixando Rubi sozinha na tenda. Ela coçou a cabeça, pensando em como ia explicar a fuga da prisioneira, depois deu de ombros e voltou a comer seus petiscos.
Era mais eficiente deixar que os heróis e as pessoas livres cuidassem disso. Sua verdadeira responsabilidade era com o Reino de Cristal e a Rainha Esmeralda.
Uma pena que o teatro tinha acabado com final aberto.
— Isso é muito confuso. — Sônia disse, após ouvir a história contada por Maria Julia — Não é fácil aceitar que a minha filhinha desaparecida tem a minha idade, é a rainha de um sétimo desse mundo, está entre as pessoas mais inteligentes e sabe magia.
— Eu também acho muito confuso. — Maria Julia deu uma olhada para André, que estava desacordado — Quando encontrei com o nosso pai aqui, ele me ensinou por vinte anos sobre o que eu precisaria fazer quando o André chegasse para protegermos esse mundo. Mas quando o vi pela primeira vez, foi como estar vendo aquele pirralho bobinho que só conseguia ir para a escola se eu segurasse pela mão.
— Que bom que continuou cuidando dele aqui…
— Não. — Maria Julia lançou um olhar pesaroso para Sônia — E sabia que ele tinha que passar por muita coisa para ficar forte, mesmo assim eu tentei proteger ele, e no fim acabei falhando.
— Julia…
— É minha culpa ele ter sofrido tanto. Eu não deveria ter seguido aquele plano estúpido do nosso pai…
Ao lado das duas, André era tratado por Mariana e Yu-Kan. Adênia havia pedido pessoalmente para Mariana tentar ajudar, enquanto Yu-Kan foi solicitada por Maria Julia a Long-Hua, por ideia de Brogo.
Tibee, a médica do Leste, também havia sido requisitada e trazida com ajuda de Josiley. Mesmo com as três pessoas de maiores habilidades curativas trabalhando juntas, André não demonstrava nenhum sinal de recuperação.
Brogo tinha a capacidade de se regenerar, mas não era tão boa em curar os outros quanto sua irmã. E desde que as duas se reencontraram, Brogo mantinha sua forma adulta e pedia para ser chamada de Su.
Devido ter sido atrapalhada na sessão de tortura da loira enlatada, Su deixou Rubi se virar sozinha com o cara que chegou pedindo um momento para falar com a prisioneira e se identificando como pai dela. Su não queria papo, ela queria ação.
Pelo menos ali ela estava ao lado da sua irmã.
Sônia e Maria Julia conversavam sobre passado e acontecimentos marcantes em suas vidas, em uma forma constrangedora de diálogo. Pareciam mais duas pessoas velhas contando as vergonhas dos seus passados do que mãe e filha se reencontrando após quinze anos.
Além das seis mulheres, Lee-Sen-Park também estava no local. Por uma questão de segurança, Sônia havia pedido a Adênia que o deixasse vivo até que André acordasse.
O coreano tinha olheiras profundas e uma expressão de esgotamento físico e mental. Como se não fosse suficiente, estava acorrentado a uma estaca firmemente presa ao chão.
Ele parecia ao mesmo tempo estar prestando atenção ao que acontecia e absorto às conversas. Era como ter alguém em estado vegetativo sentada no chão enquanto as mulheres falavam de várias coisas ao mesmo tempo.
Até que os olhos de Lee-Sen-Park começaram a brilhar em um vermelho intenso.
— Eu desisto! — Exclamou Mariana — Estou fazendo o meu melhor, mas o corpo dele parece rejeitar.
— O mesmo aqui. — Yu-Kan se jogou para o lado, apoiando a cabeça no ombro da irmã.
— Ele sempre se machucou feio, só que nunca tive tanto trabalho em recuperar os machucados. — Tibee falou — E mesmo com nós três trabalhando juntas, o corpo dele rejeita ser tratado.
— É a maldição. — Su explicou — Ele nunca esteve tão infectado… Tão à beira da morte.
— Maldição? — Yu olhou para Su.
— O poder dele é uma maldição que o consome por dentro…
— Que merda.
— E, infelizmente, não há nada que possamos fazer. — Mariana abaixou a cabeça em cansaço.
Foi aí que as garotas repararam que havia uma pessoa em chamas no meio da tenda. Não era muito fogo, mas as labaredas brotavam do corpo de Le-Sen-Park aos poucos e apagavam em segundos.
— André… — Ele murmurou.
— Ele chamou pelo André? — Mariana franziu a testa.
— Talvez esteja querendo que o Deco o ajude. — Tibee comentou.
— Acorde… — Um murmúrio leve saiu da boca dele.
No mesmo instante a tenda inteira ficou repleta de uma névoa densa e escura, respirar estava difícil, como se aquela coisa massiva estivesse pressionando seus corpos. E no meio da névoa estava André, de pé.
André estava em uma postura desleixada, com a cabeça pendendo e o braço direito ligado ao corpo por uma gosma escura, que parecia ser efeito do seu poder. Ele ergueu o braço esquerdo e a névoa desapareceu, se comprimindo em dezenas de armas flutuantes.
Seu braço direito foi puxado pela gosma e se reconectou ao ombro, cicatrizando imediatamente. Um sorriso maníaco se formou em seu rosto, e seus dedos se moveram como se regesse uma orquestra.
As armas começaram a se mover como se comandadas pelos movimentos dos dedos de André. Então tudo incendiou. Chamas negras cobriram o corpo de André, as armas e Lee-Sen-Park.
— Pare… acorde… — O prisioneiro falou com uma segunda voz sobreposta.
E um segundo depois, as armas e as chamas desapareceram, Lee-Sen-Park desmaiou, e André acordou. Em frente a ele estava Maria Julia, segurando seu pulso esquerdo, pronta para proteger todos ali se ele passasse dos limites.
André olhou para Maria Julia tentando entender a situação. Depois passou a vista por todos os outros, que o encaravam assustados. Por fim voltou a encarar Maria Julia.
— Que bom que acordou. Tenho tanto pra te falar. — Maria Julia disse, enquanto abraçava André.
— Mãe? O que eu…
— Não. Eu não sou sua mãe. — Maria falou, depois apontou para Sônia — Ela que é.
— Ela ficou aqui do seu lado o tempo inteiro. — Mariana completou, apenas para receber um olhar frio de André.
— Desculpa mentir para você por tantos anos, mas isso era para proteger os planos do nosso pai. — Maria Julia continuou falando.
— Nosso?
— Você continua o mesmo bobinho de sempre. — Ela afagou os cabelos dele, deixando ainda mais bagunçados.
André pôs a mão sobre a cabeça, segurando a mão de Maria Julia em seus cabelos. Sua expressão era de pura confusão mental e medo.
— Então era você o tempo todo… Faz sentido… — André deu um olhar vazio para Maria Julia, como se estivesse vendo as memórias de sua vida se passando entre os dois. — Você continuou cuidando de mim…
— É o meu dever como irmã mais velha. — Maria Julia riu e abraçou André mais uma vez — E agora você nem pode dizer que só são dois anos de diferença. Eu passei quase vinte anos te esperando, seu bobinho.
André soltou Maria Julia e transferiu a atenção para Sônia, que continuava em silêncio. A tensão no ar era tanta que estava difícil até de respirar. André levantou e deu dois passos, indo até Sônia, mas parou.
— Oi, mãe… — Ele disse, quase sem voz e desviando o olhar — Desculpa te dar tanta preocupação…
Sônia olhava para seu filho de pé diante dela. Uma lágrima escorreu pela face da mulher, que levantou e foi em direção a ele. Suas pernas fracassaram e ela caiu de joelhos, abraçando a cintura de seu filho enquanto chorava descontrolada.
André tirou os braços dela da sua cintura e, se ajoelhando, passou os seus em torno do pescoço dela.
— Esperei anos por esse momento. — Ele disse.
— Eu também… — Foi o que Sônia conseguiu dizer.