33: Depois de Salvarem um Mundo - Capítulo 171
Mais Um Dia
O dia estava amanhecendo. Mesmo que o sol estivesse coberto por todas aquelas nuvens de escuridão, a pouca luz que conseguia chegar à terra era suficiente para que as pessoas soubessem que era dia.
A noite tinha sido terrível para todos ali. E não foi muito diferente para Amanda.
Quando Zita morreu, a escuridão cobriu todo o continente. Então os heróis, guiados por Adênia, atacaram os soldados da Aliança Internacional. Só deixando viva a comandante inimiga, Alice Argent.
No meio de toda a ação, mesmo depois dela mostrar sua capacidade anteriormente, ainda fora deixada de lado. Isso fez ela se questionar se ainda era considerada uma inútil entre os trinta e três.
Como se não fosse o suficiente, Jaiane havia perdido seus poderes de alguma forma. Amanda temia perder os seus também e se tornar mais inútil ainda. Em um mundo onde a utilidade de uma pessoa era medida por suas habilidades mágicas, não ter poder era o mesmo que ser um zero à esquerda.
Adênia também não tinha poderes, mas comandava um exército inteiro de pessoas com poderes. Mesmo que não tivesse poder mágico, ela tinha poder militar, e ninguém a considerava inútil.
Então Amanda tomou a decisão que mudaria sua vida.
— Ir embora? — Jaiane perguntou espantada.
— Aqui é possivelmente o lugar mais seguro desse mundo atualmente. — Raniely acenou com a mão.
— Mesmo que a Jay tenha perdido seus poderes, ainda deve existir uma relíquia equivalente ao poder dela. — Amanda argumentou.
— Não temos certeza. Lembro do Cavaleiro de Prata ter dito uma vez que algumas das relíquias foram destruídas. Além do mais, se a deusa dos espíritos tiver mesmo morta, será que a relíquia não se foi junto?
— Não! — Uma voz desconhecida apareceu entre elas — A relíquia não foi criada pelo deus equivalente, esse é um mito. Cada relíquia tem a mesma origem que o deus, não que um se origine do outro.
As três garotas ficaram encarando o homem que entrou na tenda sem ser convidado. Amanda percebeu que ele não parecia ser uma das Pessoas Livres. Inclusive, ele parecia ser alguém conhecido, mas ela não conseguiu identificar.
— Quem é tu mesmo? — Raniely foi a primeira a perguntar.
— Ferdinand.
Amanda nunca tinha ouvido falar de ninguém com esse nome.
— O que procuram está muito longe. — Ele disse, saindo da tenda — O último Rei de Bronze tinha a mania de colecionar coisas das quais desconhecia o significado.
— Do que está falando? — Amanda cruzou os braços e fechou a cara.
— Do Ídolo dos Espíritos, é óbvio. — O homem respondeu, ainda de costas — Não era isso que queria?
— E você? — Jaiane perguntou — O que deseja?
— No momento, apenas ver minha filha. — O homem saiu da tenda sem dizer mais nada.
As três garotas se entreolharam.
— Vai mesmo acreditar em um cara que nunca vimos? — Raniely perguntou.
— Não sei. — Jaiane mordia o polegar, pensativa — Mas algo me diz que ele estava falando a verdade.
— Verdade ou não, eu estou afim de uma aventura. — Amanda levantou e estalou o pescoço — Vocês vêm comigo ou não?
No lado de fora uma confusão se formava. André havia reaparecido, e com ele o coreano que havia desafiado Zita para um duelo, além do cadáver de Jonas.
Assim que apareceram, eles foram cercados por uma multidão de curiosos.
Os heróis questionavam a morte de Jonas, as Pessoas Livres do Leste questionavam o motivo do coreano estar vivo, e Esmeralda chorava. Talvez ela fosse a única pessoa ali que não odiasse Jonas.
— Eu sei que vocês se odiavam, mas precisava mesmo matar ele? — Leonardo reclamou.
— E onde está o Wagner? — Lucas olhava para os lados enquanto falava.
— Por que matou o Jonas e deixou esse aí vivo? — Mirian apontou para Lee-Sen-Park
André ignorou todas as perguntas, e arrastando as pernas, caminhou até Esmeralda. A Rainha de Cristal estava inconsolável, seu estado de choque era evidente.
— Quero que saiba que o motivo de ele ter vivido tanto tempo foi porque me pediu. — André disse, quase sem voz — Eu dei a ele a oportunidade de fazer as coisas da forma certa, e mesmo errando muito, eu reconheço seu esforço. — Após uma pausa, como se procurasse as palavras certas, André continuou — Uma ação correta não é suficiente para expiar seus pecados, mas não existem santos entre nós. Tudo que fiz foi dar uma morte rápida a ele. Seja livre para me odiar, só será mais uma na longa lista…
— Você… — Esmeralda estava trêmula — Você disse que ele… ele estava tentando fazer a coisa certa…
— Graças a Wagner, derrotamos Ritter. E graças a Jonas, derrotamos Jafah, o Cavaleiro de Prata.
— Esses ferimentos…
— Tudo que fiz foi dar um final adequado a um herói.
Esmeralda vacilou. Seus olhos tristes revelaram um leve brilho de orgulho pelas ações do seu amado. Ela abraçou André e se desmanchou em lágrimas.
— Obrigado.
— Só fiz o que queria fazer.
André afagou a cabeça de Esmeralda, mas deixou ela o abraçar por mais um tempo. Quando finalmente a Rainha de Cristal o libertou do abraço, André se afastou de todos sem falar nada.
Após dez passos, o braço direito de André se desprendeu do corpo.
— Odeio quando isso acontece… — André disse em tom monótono.
Não havia sangue ou sinal de corte. O membro apenas se desprendeu de seu corpo como se fosse de um cadáver.
A névoa escura saiu do corpo de André e chegou ao braço caído, fazendo ele flutuar de volta para o lugar. Em poucos segundos parecia que aquilo nunca havia acontecido, e até havia regenerado a parte da conexão.
— Foi mal pelo susto. — André olhou para trás e comentou.
Então ele deu dois passos e caiu, inconsciente.
Rubi e Brogo estavam se preparando para iniciar a sessão de tortura mais divertida em anos, quando entrou um homem aparentemente simplório na tenda. Mão para trás, expressão calma, passos leves e olhar atento.
— Você aí, identifique-se! — Rubi apontou para o homem — O que deseja aqui e como passou pelos guardas lá fora.
—Ah, sim. — O homem levantou as mãos e sorriu — Nem vi os guardas. Quanto a quem sou e o que quero… Digamos que eu preciso falar com a minha filha enquanto ela ainda tem um rosto para eu encarar. E podem me chamar de Ferdinand, o deus da sabedoria.
Lee-Sen-Park havia passado por coisas demais nas últimas vinte a quatro horas. Primeiro ele passou por uma longa e chata viagem, lutou com a heroína do fogo, viu ela morrer na sua frente, foi teleportado, assistiu um ritual funerário em um vulcão, conheceu um deus esquisito, viu a morte de um deus e de um herói, e agora estava preso.
Dizer que foi intenso demais poderia ser eufemismo.
Se aquela era a rotina de um herói, Lee-Sen-Park estava disposto a desistir da ideia de ter poderes. E se isso incluísse ter André à tiracolo, ou melhor, ter que ficar à tiracolo de André, o coreano desistiria de sua própria vida.
Ninguém em nenhum mundo algum merecia ficar preso àquele cara esquisito.
Agora Lee-Sen-Park estava acorrentado a uma estaca fincada fortemente no chão, dentro de uma das tendas do acampamento das Pessoas Livres do Leste. Em sua frente estava a ex-conselheira da Aliança Internacional, Sônia, que olhava para André desacordado.
Ele não entendia o que aquela mulher poderia querer com André, uma vingança talvez, mas quem não queria? Aparentemente ela era apenas mais uma das pessoas que odiava André.
— O que aconteceu com você? — Sônia passou a mão pelos cabelos do rapaz — O que aconteceu com todos nós?
Tá bom. Aquela não era uma expressão de alguém com ódio.
— Depois que seu pai e sua irmã desapareceram, você ficou todo aquele tempo em coma, eu me senti sozinha… — Sônia parecia prestes a chorar — Quando você morreu… quando você me deixou, e eu não pude sequer me despedir… foi a pior coisa que me aconteceu!
Calma lá. Lee-Sen-Park não estava entendendo mais nada. Então Sônia e André tinham mesmo alguma ligação, tipo mãe e filho?
— Desculpa por não ter ido te abraçar logo que voltou. Depois de tudo, eu tive medo de te perder mais uma vez e me convenci de que não era verdade, principalmente depois de falarem tantas coisas ruins de você…
Nesse ponto Sônia já estava se desmanchando em lágrimas.
— Você me perdoa, filho…?
Então eles eram mesmo mãe e filho? Lee-Sen-Park não sabia se era bom ou não ter aquela informação revelada tão diretamente. Mas a esse ponto, depois de todas as merdas que passou em apenas um dia, poucas coisas poderiam surpreendê-lo mais ainda.
Ele apenas aproveitou o momento bonito de mãe e filho, mesmo que André não estivesse a par do que acontecia, para se sentir mais aliviado. Era bom ver uma cena emocionante depois de todo o terror noturno que passou.
Infelizmente, Lee-Sem-Park não sabia o quanto ainda havia reservado para ele naquele dia.
Pela porta improvisada em couro e uma espécie de tecido rústico, entrou uma mulher muito bonita. Não que Milfs fossem seu tipo preferido de mulher, mas aquela pessoa emanava beleza e elegância.
Era como estar perante a uma rainha.
Então Lee-Sen-Park percebeu a semelhança entre a recém-chegada e Sônia. Poderiam ser a mesma versão de uma pessoa em mundos paralelos, ou até irmãs separadas na maternidade.
A mulher parou ao lado de Lee-Sen-Park, ignorando totalmente a sua presença, parecia ter olhos apenas para Sônia, que levantou o rosto e a encarou de volta. Os lábios de Sônia se mexeram, mas nenhuma palavra saiu.
A outra mulher sorriu enquanto uma lágrima escorria pela sua face. Ela enxugou a lágrima e disse:
— Oi mãe…