Sangue do Dragão Ancestral - Capítulo 44
Dez minutos depois…
Conversando com Giulliano, Pedro descobriu que ele também veio de um lugar distante e que estava em uma missão. Os jovens caminhavam pelas ruas do centro.
— Estou à procura de algo importante — disse o ruivo.
Pedro assentiu, não muito incisivo. Afinal, ele também tinha seus segredos e gostava de mantê-los bem guardados.
Caminhando sob o brilho da lua, os dois encontraram uma pracinha. Atrás dela tinha uma propriedade murada e com grades que, pela sofisticação, devia ser a morada do barão.
— O que olhas, fratello mio?
“Impressão minha, ou esse cara acabou de falar italiano?” Pedro disfarçou o espanto com uma desculpa:
— Nada, só verificando a arquitetura da mansão.
— E o que achas dela?
— Horrível — disse. — E você?
— Horrível.
Os dois riram.
Seguindo o contorno da rua principal, eles foram até uma outra área no centro, onde encontraram um bar aberto.
— Veja, Giulliano, esse lugar é legal — comentou Pedro, olhando para a variedade de opções no balcão. Havia uma bebida à base de leite que interessou o rapaz.
— Giusto, um lugar muito agradável — concordou Giulliano, fitando uma mocinha ao canto.
A jovem era magra e esbelta. Reparou imediatamente o olhar indiscreto do ruivo e acabou se virando com timidez.
— Se me der licença, amico mio, acho que já sei o que quero hoje. Ou melhor, quem — explicou Giulliano, levantando-se do balcão e caminhando em direção à moça.
— Boa “refeição”, eu acho…
Reparando calmamente os arredores, Pedro viu um ambiente agradável, cercado por pessoas se divertindo. A maioria eram jovens como eles. Isso o fez se lembrar das aventuras de sexta à noite na Terra.
“Sentar em uma mesa de bar e jogar RPG com meus amigos. Que saudades!”, memorou em seu coração.
Ele então recordou dos fatos recentes e sobre esses quase quatro anos que viveu em Ark, principalmente os últimos meses. Pedro agora tinha terras, um título de meia-nobreza, uma namorada e, o mais importante, novos objetivos.
— De fato, muita coisa aconteceu…
O rapaz continuou imerso em seus pensamentos, até ser submergido à força por alguém.
— Com licença. — Ele ouviu uma voz suave e macia.
Ao virar a cabeça, deparou-se uma jovem dama de olhos castanhos. Seus cabelos compridos tinham o mesmo tom, só que mais claro.
Mas o que mais o surpreendeu foram as pequenas pintas que detalhavam seu rosto. O decote era muito indiscreto também.
— O-oi — Ele respondeu, forçando a olhá-la nos olhos.
— Você está sozinho? — perguntou ela. Seu dedo estava sobre a boca, dando um ar de sensualidade e inocência.
— Não exatamente… — respondeu, movendo as pupilas para o canto do salão.
Ao fazer o mesmo que ele, a dama bonita reparou que um homem ruivo estava estirado na parede, enroscando seu corpo junto a uma garota esguia.
Em um certo momento, o ruivo parou seu negócio e foi até o balcão. Ele levava consigo o par e demonstrou certa surpresa ao ver que o novo amigo também estava acompanhado.
— Saudações, bela dama — disse, se curvando levemente e beijando a mão macia da senhorita. Também fez questão de ressaltar a última frase em um tom diferente, Pedro não entendeu o porquê.
“Algum tipo de costume, talvez?”. O baronete parou de pensar quando o ruivo chamou.
— Foi um prazer conhecê-lo, amigo — despediu-se o novo camarada. Ele mantinha a garota tímida estacionada em seu braço direito, enquanto ia em direção à porta.
O jovem acenou e o encarou uma última vez.
— Até mais! Ficarei mais uns dias aqui, se quiser, já sabe onde me encontrar — respondeu o baronete.
Giulliano assentiu, virando o corpo antes de sair de vez com a companheira da noite.
A dama ao lado ficou curiosa com a fala de Pedro, fitando-o e perguntando:
— Perdoe a indiscrição, mas acaso viestes para a reunião de amanhã?
— Sim. Por quê? — questionou o rapaz.
— Por nada — respondeu a garota, complementando: — Por Namoa! Só agora percebo, não nos apresentamos ainda. Perdão! Eu me chamo Jina.
Ela piscou.
— Qual o seu nome, caro senhorito?
— Prazer, Jina! Eu sou Pedro — disse, se afastando um pouco — E me desculpe, mas não sou um “senhorito”. Tenho namorada.
Jina ficou surpresa com o fato, mas esboçou um sorriso.
— Oh! Estou perplexa. Desculpe, mas devo dizer, tirando o colega que acabou de sair, nunca vi homem de beleza tão vasta quanto a sua — elogiou. A garota aproveitou para passar as mãozinhas sobre os ombros do rapaz. Suave e discreta, uma combinação curiosa.
Pedro percebeu isso, mas não fez nada.
— Obrigado, fico feliz de ser tão bonito quanto aquele cara que você acabou de ver — ironizou.
A brincadeira serviu para descontrair o ambiente, disfarçando a atmosfera de flerte.
— Haha! Não foi minha intenção, desculpe. É que ambos são muito bonitos. Vocês vieram do mesmo lugar, certo? — Ela perguntou.
Pedro indicou com um balanço o seu não.
— Entendo — disse ela, em seguida apontando seu dedo para um canto e desconversando: — Veja, a maioria das senhoritas daqui está olhando para cá. Com certeza estão me matando com os olhos. Hehe…
— É o mesmo dos homens pra mim — respondeu Pedro.
Os dois gargalharam com aquilo e continuaram a conversa.
Algum tempo se passou até que o rapaz resolvesse sair dali. Ele provavelmente sentiu algum arrepio relacionado a Rebecca e sua fúria condicionada.
— Até mais, Pedro — disse a garota.
Ele se curvou levemente.
— Até mais, Jina.
…
Na manhã seguinte…
— Jovem lorde! Jovem lorde!
Enquanto dormia, o rapaz sentiu um cutucão nas costas.
— Que quê foi, caçamba?! — resmungou, virando as costas para baixo.
Abrindo os olhos, viu um velho de cavanhaque ao lado do colchão de palha. O rosto dele expressava urgência.
— A reunião com os lordes está prestes a começar! Temos que ir rápido, ou você vai se atrasar — avisou Mark.
O humor de Pedro estava péssimo, fruto da noitada anterior.
— Tá, tá. Eu já vou…
Ao se trocar, ele continuou seus resmungos.
— Vocês marcam essas reuniões muito cedo! Nem tenho tempo para descansar, poxa!
Mark ficou atônito com a crítica.
— Mas, jovem lorde, a reunião foi marcada para a tarde — explicou. — E o sol já está alto no céu!
— Quê?
…
Meia hora depois, Pedro e Mark foram recebidos na residência do barão de Oss.
Eles estavam atrasados e foram guiados com pressa por alguns criados. Devido a sua posição de conselheiro do Grão-Duque, Mark era uma peça fundamental na reunião.
Ao adentrar o salão de conferências, Pedro percebeu uma grande mesa de madeira. Ela estava no centro do ambiente e todas as cadeiras estavam ocupadas, à exceção de duas, uma ao canto e outra ao lado do assento principal.
— Por aqui, caro lorde — conduziu o empregado. O baronete foi levado até a cadeira do canto e franziu a sobrancelha, embora não se surpreendesse com aquilo.
“Claro que esse barão safado quer se exibir. Acha que um título significa superioridade, eu aposto”, resmungou Pedro, ainda de mau-humor.
Ao se assentar ele olhou para os lados, mas tudo o que viu foram velhos franzinos e alguns homens de meia-idade.
— Se me permitem, caros lordes, vamos começar a reunião. — Mark se levantou, projetando o corpo e forçando o timbre.
Os presentes concordaram.
De início eles debateram sobre questões locais. Terras, conflitos de pequena escala e a situação das fronteiras foram os temas principais.
Todavia, aquilo tudo era irrelevante para Pedro. Por sua relação com Edward e sua posição passada no Conselho, ele já sabia de tudo e inclusive com muito mais detalhes do que fora revelado naquela ocasião.
— Os senhores também presenciaram um aumento no número de gripes em seus domínios? — Ele perguntou em certo momento, influenciando a discussão.
Seus pares ficaram surpresos.
— Sim! Aconteceu comigo — respondeu um deles.
— Sim! Como o senhor sabe? — questionou um outro baronete.
Pedro então passou à explanação.
— Foi o mesmo em Vilazinha. Eu estranhei o movimento do mercado de ervas e então pensei que talvez estivéssemos sob a presença de uma variante mais forte. — Ele usou o dedo para gesticular.
Os três baronetes colegas de Pedro balançaram as cabeças em concordância.
— Eu não consegui comprar os remédios que precisava para meu povo. Além disso, os que estoquei não fizeram muito efeito — comentou um deles.
Os outros mostraram ter passado por problemas parecidos.
Por causa disso, Pedro se manifestou novamente.
— Trouxe esses exemplares comigo.
Ele então retirou alguns frascos dos bolsos e os dispôs sobre a mesa.
— Estão vendo as cores? Elas indicam o tipo e o efeito do remédio — continuou. — Acontece que eu desenvolvi duas novas receitas, para imunidade e paliativos.
Os homens ficaram impressionados.
— E eles funcionam? — perguntou um lorde.
— Sim, eu já os usei na minha população e deu certo. Aí me lembrei da escassez do mercado e pensei que meus nobres vizinhos pudessem estar com o mesmo problema. Por isso tomei a liberdade de fabricar mais.
— Oh! Quanta generosidade!
— O senhor poderia vender-los para mim, o lorde de Hollare? — perguntou.
Percebendo a vantagem, outro baronete o atropelou, dizendo:
— Também gostaria de algumas amostras para o vilarejo de Hatton.
Uma discussão começou. A sala da família Oss virou um mercadinho e a reunião um leilão.
Aqueles homens lutaram para conseguirem alguns exemplares de teste. Era um fato que eles não conheciam Pedro. Ele era aparentava ser muito jovem, sua casa senhorial era nova e ele veio do Leste do Continente — segundo circulava.
Contudo, também era certo que atuou como conselheiro militar do Grão-Duque, participando das reformas institucionais, além de ter sido peça fundamental das forças legalistas durante a Rebelião de Gloomer. Pedro também criou o Novo Exército, mas disso ninguém de fora sabia, incluindo eles.
Por isso tudo, os senhores desesperados abandonaram seus preconceitos e decidiram ignorar a reputação maligna do rapaz, em prol de ele lhes oferecer uma saída rápida e barata para a crise de saúde atual.
— Por favor, mande cinquenta desses para o povoado de Hollare. — Apontou o baronete. — E mais vinte e cinco daqueles também.
Pedro assentiu.
Naquele mesmo momento um homem assentado à direita do senhor de Oss se levantou.
— Com licença, — disse o homem — se não for problema, este velho também apreciaria comprar algumas doses de remédio.
— O senhor também, barão de Camring?
O homem em questão não pareceu muito contente com aquilo.
Ele não ousou interromper a negociação, mas corou de raiva em todo o momento. Contudo, o interesse repentino do colega de casta foi a gota d’água.
— Lordes! Os senhores irão mesmo comprar desse baronete? Que estudo esse homem tem? — Ele se levantou, complementando: — Ele mesmo disse que não há estoques de ervas disponíveis, então como é que os tem armazenados em quantidade suficiente para todos vocês?
Pedro, que já estava irritado, se estressou ainda mais com a acusação.
— Ora, ora… Que bom que falou, barão. Mas o que quero saber é como não encontrei nenhum caso de gripe em sua cidade. Afinal, como os nobres colegas realçaram, a grande maioria de nós sofreu para controlar os surtos, se é que já não podemos chamar isso de epidemia — ironizou o jovem.
— E o que insinua, baronete?! — vomitou o barão, fazendo questão de realçar a posição social do adversário.
“Que se dane o velho Mark! Vou fazer esse safado sofrer um acidente e quero ver quem diabos vai impedir!”, amaldiçoou Pedro, furioso.
Ele se segurou muito para reter sua aura assassina naquele momento, à exemplo das experiências anteriores.
— Lorde Giron, lorde Pedro; por favor, acalmem-se! Vamos voltar ao tema central — interveio Mark.
Com isso os homens se recolheram e voltaram para suas posições iniciais.
Cof… Cof…
— Comércio à parte, meus lordes, temo ter uma notícia desagradável a dar aos senhores — informou o velho.
— O que houve, Lorde Conselheiro? — perguntaram os presentes.
O velho então virou sua atenção a Pedro, indicando que explicasse. O jovem respirou fundo, conteve o restante da fúria e então proclamou:
— Um bando de paspalhões veio causar problemas nos meus domínios. Por sorte, meus policiais e subordinados os impediram.
“É melhor se eu não revelar muito sobre o acampamento dos gaudérios ainda. Acho que vou falar só sobre a localização, sem citar a invasão ou o que achei lá”, completou em sua mente.
— Policiais? — Perguntavam-se alguns deles.
Outros, contudo, ignoraram o termo e esboçaram uma reação mais enérgica.
— O mesmo no meu povoado! — Pelos espíritos da floresta! Tive problemas nas minhas terras também — disseram.
O barão mais velho também reagiu.
— Algumas das vilas anexas deste ancião também sofreram com isso. Meus vassalos têm reclamado muito ultimamente.
— Que Manzan afogue esses mandriões!
A discussão que se seguiu incluiu desde as estratégias mais básicas ao modus operandi dos grupos gaudérios. Por fim, os lordes concluíram que provavelmente se tratava da mesma organização.
E esse era justamente o objetivo primordial de Pedro e Mark nessa reunião.
Foi então que o jovem pediu a palavra, colocando um pequeno pedaço de papel na mesa.
Os lordes o encararam com uma expressão que dizia: “o que é isso?”
— Essa é a provável localização da base inimiga. Cuidem bem dela, bons homens morreram por essa informação — explicou enfadonhamente, mentindo para criar uma situação vantajosa para si.
Até mesmo Mark ficou surpreso, se perguntando do porquê ele não ter escutado nada sobre baixas entre as forças de segurança de Vilazinha.
Os lordes ficaram impressionados com a inteligência dos domínios de Pedro. Alguns deles até se lembraram dos boatos acerca de seu recente passado militar.
— Precisamos nos unir para lidar com eles! — propôs assertivamente o barão de Oss.
Os demais concordaram, inclusive Pedro.
— Mas quem ordenaria as tropas de invasão? — A questão foi levantada pelo senhor de Hollare.
Quase que imediatamente, o varão mais ousado entre eles se apresentou para a missão.
— Deixem pra mim! — exclamou.
— O senhor tem experiência militar, lorde Pedro. De fato, não posso negar — disse o barão de meia-idade — Mas sua casa é ainda muito nova e carece do conhecimento necessário para organizar a logística das tropas. Não vejo objeções com sua liderança, mas precisará de auxílio.
O rapaz ficou surpreso com o argumento levantado pelo homem. Todavia, antes mesmo de ter a chance de tentar derrubá-lo, ele foi atropelado pela raposa política.
— Meu sobrinho estudou na capital. Ele pode cuidar disso — explicou.
“Tsc! Pilantra, não quer me deixar no comando total. Ou faz isso por medo ou por não querer que eu leve todos os créditos em caso de vitória, por isso quer alguém que divida a glória comigo. Então esse é o plano do safado?”, raciocinou o rapaz.
Todavia, todos os presentes pareciam achar aquilo razoável. Ninguém objetou.
— Pois bem, apresente-o — disse Mark.
O homem assentiu.
— Meu caro sobrinho, venha até aqui, por favor — chamou.
— Você?! — questionou Pedro, ao reparar o personagem que conheceu na noite anterior.