Sangue do Dragão Ancestral - Capítulo 43
Alguns poucos dias depois, Pedro se reunia com um grupo em frente à entrada do vilarejo.
— Todos estão aqui? — perguntou.
— Sim, jovem lorde — confirmou velho Mark.
Junto com eles estavam meia dúzia de remulus, Poodle e mais alguns outros policiais municipais.
— Amor, tem certeza que não quer me levar pra essa reunião? Papai ainda tem alguma influência por aqui, tenho certeza que seria útil.
— Não precisa, meu bem. Preciso que você fique e cuide do vilarejo pra mim, sim? — respondeu Pedro para a menina de cabelos roxos.
Ela fez beicinho, mas acatou no final, se despedindo de seu amado com um abraço.
Alguns policiais municipais ficaram enciumados, enquanto Poodle culpava o destino por não ter uma namorada.
Cof… Cof…
— Jovem lorde, leide Rebecca; desculpe atrapalhar, mas temos que ir. A cidade de Oss fica a meio dia de distância e o sol já está alto no céu, se não partimos agora, é provável que tenhamos que passar a noite ao relento — Mark explicou.
Ouvindo o pedido do velho, o casal desgrudou seus corpos, com Pedro selando os lábios da garota uma última vez.
— Vejo você em breve, minha jamantinha.
“E com muitos xilins, espero. Haha!”, completou em seu íntimo.
Ela assentiu e em seguida se afastou. Logo após a comitiva partiu.
Já na estrada, Pedro se aproximou bem perto de Poodle e perguntou baixinho:
— Ei, recruta. Já tá tudo pronto?
— Sim, meu lorde. Os homens partiram ontem à noite, conforme ordenou. Buldogue e Pastor estão com eles, com Maltês no comando da operação.
— Ótimo — respondeu Pedro. — Sequer deixe o velho sonhar com isso. Ele é do grupo dos certinhos, igual o Ed. Se souber, vai tentar atrapalhar.
O garoto balançou o pescoço concordando. Destarte, ambos tomaram uma distância estratégica entre si, com o lorde voltando à frente com velho Mark e Poodle seguindo atrás com o restante dos policiais. Como futuro policial civil, ele tinha status de oficial da vila, então normalmente ajudava na organização.
— Tem certeza que não prefere um cavalo, jovem lorde? — perguntou-lhe o conselheiro.
— Engraçadinho você, né Mark? — respondeu sarcasticamente, olhando para Mark em sua mula castanha.
O conselheiro riu.
— Eles não ensinam a cavalgar no Leste? — perguntou.
— Nha… os cavalos lá são diferentes — murmurou o jovem à pé.
O comentário despertou a curiosidade de velho Mark.
— Diferentes como?
A pergunta deixou Pedro em uma saia justa.
“Será que eu posso falar isso pra ele? Lembro que os dinossauros proibiram que revelasse a tecnologia do clã pra eles, mas não sei se eles tavam falando da tecnologia em si ou da própria existência delas…” Ele refletiu, receoso. Mas logo em seguida um fato lhe veio à mente, relembrando-o de algo.
“Ah, quer saber?! Que se dane! Eu já ensinei pra eles o esquema da polícia mesmo. E o próximo passo vai ser a rotação de culturas. Se for assim, então eu já tô ferrado. Que se exploda os dinossauros!” concluiu sozinho, antes de responder:
— Os cavalos da minha terra têm quatro patas pretas, são largos e também muito rápidos.
Mark não entendeu.
— Mas os cavalos daqui também não o são? — questionou.
Pedro balançou a cabeça.
— Você não entendeu, velho. Eles são beeeem mais rápidos e muuuito mais largos. Aliás, em cada um deles cabem cinco pessoas — respondeu o rapaz, com o sorriso travesso.
— Como assim? As pernas deles suportam tal peso? — perguntou Mark, intrigado.
— Elas são feitos de metal — respondeu o rapaz.
— Metal?!
A conversa continuou naquele sentido, sem eira nem beira, e Pedro passou o resto da viagem se divertindo com as expressões incrédulas que Mark fazia. O velho era um neófito da tecnologia.
Quando o sol estava se pondo, a comitiva chegou à pequena cidade de Oss.
— É bem menor do que eu imaginava — comentou Pedro.
Mark assentiu.
— Oss recebeu o título de cidade a pouco tempo. Como o jovem lorde pode observar, aqui se parece mais com um povoado de escala maior.
— Um povoado grandão? Tem muitas plantações, de fato. E lá de trás eu já conseguia ver as casinhas também. Mas não há muros — comentou o lorde.
Andando pela cidade, a pequena comitiva foi logo à procura de um local para passar a noite. Eles percorreram a rua principal até o centro e lá souberam que o barão já havia delegado uma estalagem para os visitantes, na área sul. Disseram-lhes que era fácil de encontrar e que a região se chamava “Velha Oss”.
Enquanto andavam, Pedro ficou intrigado com a organização da cidade.
— Apesar das ruas não terem calçamento, elas são bem largas. Além disso, pelo que a atendente falou, os distritos aqui são bem separados também. Parece que esse barão safado não sabe só extorquir, mas usa muito bem os frutos do seu ato criminoso
Mark concordou com ele, antes de abrir a porta da estalagem. Foi fácil encontrar o lugar.
Ao terminar os registros, eles subiram as escadas e conferiram os quartos. Minutos se passaram, quando o velho Mark decidiu descer até a área comum da estalagem, onde ficava a comida.
Ao atravessar a porta principal, entretanto, o conselheiro teve a primeira grande surpresa da noite.
E o motivo de tal? Bem…
— Joga a mãe pra ver se quica, seu safado!
— O quê você disse, jovem arruaceiro?
— Jo-ga a mãe pra ver se qui-ca — repetiu Pedro, dando ênfase em cada sílaba com a entonação mais irritante que conseguiu.
Olhando para o lado oposto do recinto, Mark viu um grupo ameaçador formado por diversos homens grandes e mal encarados.
— J-jovem lorde… o que é isso?!! — Ele correu para perto de Pedro, confuso.
— Eae, Mark. Tá vendo esses caras aí? A maioria são guardas de folga, nós estamos prestes a fazer uma competição com eles — Pedro explicou, apontando para seus próprios policiais e guarda-costas remulus.
O velho conselheiro se assustou e quase que imediatamente pulou na frente de Pedro para impedir o confronto. Infelizmente, isso de nada adiantou.
— Quem você pensa que é, pirralh… — ameaçou um homem, antes de ter o beiço cortado pelo soco de um remulu.
Pah!
Aquele ato foi o estopim para o confronto.
Pah! Pah!
Mas Pedro não participou a princípio. Ao invés disso, arrastou Mark até o balcão, pegando de volta sua bebida favorita.
— Leite quente com açúcar é sem comparação, né não velho? — comentou.
Mark ficou perplexo com aquela cena.
“Ele começou a briga… e nem está participando dela!!” exclamou internamente o velho.
Enquanto isso, a ação continuava.
— Por Marte!
Pah! Poft!
— Não fiquem parados aí. Ataquem o pirralho também….! — instruía outro homem, antes de tomar uma voadora de dois pés do policial municipal de Pedro.
Em um dos cantos, um jovem de cabelos brancos adormecia. Ele tinha uma mancha roxa no olho. Era Poodle, que caiu com o primeiro golpe do adversário.
— É… parece que o garoto realmente não serve pra essas coisas — comentou Pedro.
Mark assentiu, apesar da perplexidade.
Enquanto isso, à direita do bar, um outro homem observava tudo.
Como Pedro, ele apreciava calmamente sua bebida sem se envolver. E como Pedro, também tinha estatura mediana. Sua aparência, contudo, estava encoberta por um manto de coloração carmesim.
Ao olhar para aquela direção, o jovem baronete percebeu a cena e não pôde deixar de ficar intrigado com uma coisa.
“É impressão minha, ou aquele cara tá sugando todas as partículas mágicas daqui?” reparou.
Mas não foi só ele, o encapuzado também o fitava. E por ter se levantado da mesa, era possível que estivesse igualmente surpreso.
“Se ele lançar uma magia aqui, meus subordinados vão se ferir. Preciso achar alguma maneira de levá-lo pra fora antes”, concluiu Pedro.
Mas os atos seguintes mostraram que o encapuzado não queria nem saber. Ele arrastou uma garrafa vazia com o punho e a arremessou na direção dele.
Tack! Pah!
Pedro desviou e o objeto se despedaçou na parede.
— Que velocidade! — comentou Mark, perplexo.
Em seguida o jovem de cabelos compridos o empurrou pro lado e partiu pra cima do rival encapuzado.
Também arremessou seu recipiente vazio e, como ele mesmo havia feito antes, o rival desviou.
“Eu taquei com o dobro da força que o safado usou antes. Será que ele estava me testando? Melhor ter cuidado e acabar com isso logo” Pedro raciocinou. Em seguida foi para cima do adversário, finalmente entrando no conflito.
Ele mirou um soco usando cerca de um décimo da força física, o que era umas quatorze vezes mais poderoso que o golpe de um homem comum.
Pah!
O objetivo de Pedro era arremessar o homem para fora do bar, onde poderiam lutar livremente com magias. O desenrolar, contudo, não saiu conforme planejado.
Pah! Poft!
O adversário não só interceptou o golpe, como também contra-atacou com a outra mão.
Pah!
Com seus reflexos superiores, Pedro também bloqueou.
Eles estavam em uma situação complicada. O encapuzado agarrava uma de suas mãos, enquanto ele próprio interceptava o punho fechado do oponente.
Os dois se seguravam em um aperto cada vez mais firme. Ninguém cedia.
“Hum? Será que esse cara é tão forte quanto eu?” refletiu Pedro. Aquilo seria uma surpresa se fosse verdade, afinal nem mesmo Beto com todas as suas forças mal conseguiu se comparar.
E isso considerando que o rapaz não estava realmente sério durante a disputa.
Todavia, ele estava bem sério agora. Tinha certeza que o golpe que recebeu era pelo menos tão poderoso quanto os de Beto.
Eles aumentaram ainda mais o aperto, de tal forma que Pedro se viu obrigado a usar cerca de cinquenta por cento de sua força.
Ele olhou para o encapuzado fixamente. Um sorriso se formou naquele rosto.
— Ora, ora. Em todos esses anos longe de casa, essa é a primeira vez que isso acontece — entoou uma voz suave e masculina.
Tirando o capuz, o homem revelou um sorriso de satisfação.
Pedro pôde ver que ele era jovem, aparentando a casa dos vinte. Nesse sentido eram semelhantes.
Além disso, viu que tinha um rosto pálido, pelo menos tão belo quanto o seu. Seus olhos e cabelos eram pintados com um tom vermelho-sangue muito forte.
Os fios eram tão lustrosos e densos que a impressão que transmitiam era a mesma de uma cachoeira, uma queda d’água sangrenta.
— Aliás, posso lhe fazer uma pergunta? — Ele disse, já perguntando.
Pedro assentiu.
— Você não é daqui, certo? — perguntou-lhe o adversário.
Com o “daqui”, ele estava se referindo à Península Mea e não à Oss ou o Oeste. Pedro percebeu isso pela entonação que usou.
— Você acertou — respondeu.
— Ótimo. Mas posso lhe fazer outra pergunta agora? — questionou novamente o ruivo.
— Diga.
— Você poderia não esmagar minhas mãos? Seria uma gentileza de sua parte. É que eu toco piano — explicou o ruivo.
— Hum?
Em seguida, os dois conversaram e concluíram em comum acordo que não seria interessante brigar. Suas forças e fundos eram um mistério para ambos, mas eles tinham certeza que causariam uma grande confusão se brigassem ali.
Assim, se deram um aperto de mão e acharam um lugar mais ao canto para conversar.
E sim, eles ignoraram completamente o ambiente violento que os cercava.
Aparentemente, os subordinados de Pedro eram muito mais versados na arte da porradaria do que os guardas de Oss, apesar destes estarem com o dobro de números.
— Giulliano, certo? Você disse que chegou há alguns dias… — comentou Pedro, apoiando-se sobre o balcão.
— Sim — interrompeu o outro rapaz.
— O que acha de sairmos um pouco? Aqui é muito organizado pra uma cidadezinha, estou curioso sobre a mansão do barão. Sabe onde ela fica?
O ruivo concordou e seguiu Pedro para um passeio por Oss.