Passos Arcanos - Capítulo 97
A carruagem passou pela ponte de madeira quase dez minutos depois dos três cavalos. Os guardas nas torres vislumbraram o passe de um imenso rapaz, ele entregou um documento do bolso. Passou mais de cinco minutos para conferir se era verídico, e então, o homem lá embaixo anunciou:
— Eles vieram de Drax, são do Tomo de Ferro.
Dali, a carruagem seguiu atrás dos três Cavaleiros. Orion mantinha-se no Meio, segurava levemente a rédea e olhava o rosto das pessoas de ambas os lados da calçada. Eram serenas, amistosas, alguns até acenaram com orgulho.
— Eu perdi alguma coisa quando estive longe? — perguntou a Tito a sua esquerda. — Eles parecem bem felizes.
— Perdeu bastante coisa. Eu achava que seu amigo Rob era só experiente se tratando de trabalho, mas ele tem um talento incrível de transformar perdas em oportunidades.
— Quase um visionário — disse Wallace pela direita. Ele segurava a rédea com uma mão só, o peito estufado e o queixo se erguia bastante. — Nas vezes que ele veio sozinho, achei que iria morrer, mas voltou com cinco artesões e três ferreiros. Ele tem um acordo com o Banco Central também, mas não disse para ninguém do que se tratava.
Se fosse Rob no comando da entrega de mercadoria, de funções e salários, não deveria haver problemas pelas partes. Ele tratava honestidade com honestidade, falsidade com aço.
Eles fizeram a curva mais acentuada, saindo diretamente no centro da parte sul de São Burgo. As casas que haviam sido destruídas na luta de Azrael foram erguidas com mármore, tijolos e bem embolsadas. As janelas de vidro e Orion sentia um cerco manto de mana ao redor delas.
Não só as casas, a estrada era feita de cimento liso, melhorando muito o caminho, com o mesmo manto. As lojas foram feitas mais compactas, com novos becos que faziam atalhos diferenciados. Orion viu o caminho até o Tomo, a terra foi trocada por uma compactação de mármore também.
E a casa, seu lar atual, onde deveria voltar sempre, tinha ganhado um novo andar e se expandido ao ponto de enxergá-lo do Meio da cidade.
— Fizeram um bom trabalho enquanto estive fora — disse aos dois. — É bom poder contar com vocês.
Eles subiram até o Tomo. Prenderam a rédea no tronco no estábulo recém construído e desceram. Orion guiou o colcheiro da carruagem e pediu que parasse mais na lateral. Os senhores sorriam aliviados, encarando ao redor.
A porta se abriu e as crianças saíram de dentro da locomotiva. Prestes a correr, ouviram uma voz de dentro:
— Todos, parados.
Eles se viraram, as faces travadas e olhos meio arregalados. Cristina desceu passo a passo com um livro aberto na mão, parou na frente deles e fechou velozmente, sem dar brecha a eles.
— Precisam perguntar ao Orion o que vocês vão fazer primeiro. — Apontou para Orion parado. — Agora, vão.
As crianças caminharam lentamente de cabeças acuadas.
— Senhor Orion — uma delas disse baixinho—, o que devemos fazer agora?
As senhoras desceram da segunda carruagem, e pararam também para ouvi-lo. Ali, o futuro deles seriam definidos.
— Nós vamos ter uma reunião agora, então, eu quero que tomem um banho. Comam e descansem. Quando chegar a hora, vou pedir que alguém chame todos.
Eles concordaram. Tito usou a mão para chamar cada um e levá-los até onde o banho seria preparado. Como o Tomo tinha aumentado, Orion ainda não sabia que uma ala tinha sido criada para homens e mulheres, menos ainda de que o terceiro andar da casa era destinado a comodidade dos seus visitantes.
— Cada um deles vai receber um quarto — comentou Wallace ao caminharem para a porta da casa. — Deixe que Kadu arrume tudo, ele está se especializando em contato social.
— Quem está ensinando isso a ele?
— Rob estava.
Eles entraram, e Orion se assustou de relance. O número de pessoas ali dentro era grande, bem mais do que quando tinha partido, e novos rostos, esses gravados em sua memória no mesmo instante.
O interessante eram as roupas, grupos usavam robes roxos. Um segundo, afastado, avaliava um pequeno papel de missão, seus corpos protegidos por grossas placas de ferro desenhadas e alinhadas com fios vermelhos.
Um terceiro tinham coletes protegendo o peito e calças reforçadas com botas de couro, mais flexíveis. A camisa por baixo do colete era esverdeado.
— Esses são os grupos que se juntaram?
— Sim, os que usam armaduras mais leves são os Espadas Enferrujadas. Eles costumam seguir os dogmas de um antigo espadachim que viveu na Era Primordial, mas faz alguns anos desde que eles perderam as escrituras sagradas para o Clero. Os que estão de roxo são Condutores da Mana, Fazin os encontrou quando vagava pelos becos. — Wallace não tinha desaprovação no rosto. — Foi um bom achado, eles costumam fazer as missões mais complicadas fora da cidade.
— E as Bestas Vermelhas?
Wallace procurou e negou.
— Devem estar em missão agora. Aqueles com peitorais de ferro são Cavaleiros que foram mandados embora dos seus grupos, eles vieram e fizeram um grupo entre eles.
Orion o encarou.
— E não deram problemas?
— Rob fez uma limpa na primeira semana dos que eram espiões. Esses são bem leais.
Um dos Cavaleiros chegou mais perto com o papel na mão e inclinou para Wallace. Eles eram quase do mesmo tamanho, e a forma como Orion recebeu um olhar foi bem repudiante. Como se não fosse nada ali.
Era a mesma sensação de quando alguém não o conhecia, nem suas habilidades.
— Tem certeza, Krad? — Wallace devolveu o cartaz. — Os Espadas Enferrujadas tentaram da outra vez, mas não conseguiram nem chegar perto por causa dos ataques mágicos. Quer testar mesmo assim?
— Sim, senhor.
Wallace assentiu e o deixou ir.
— Os Cavaleiros de Ferro, como gostam de ser chamados, fazem todo tipo de missão, mas eles tem um problema bem grande com magia — comentou Wallace levando Orion para a cozinha. — Quero convencer os Magos a treinar um pouco com eles.
Os dois sentaram na nova mesa, mais larga e também coberta por uma toalha fina.
— E por que ele veio até você com aquele cartaz?
— Sou responsável pela distribuição das missões. Aroldo teve que ir em Santa Helena resolver algo com aquela maga que estava no navio com a gente.
— Ofélia e Eliza Atena.
Orion virou-se e viu Saiss entrar com duas canecas com café e abriu um sorriso enorme.
— Senhor. — Pôs ambas canecas na mesa. Orion se levantou e deram um longo abraço. — Eu estou tremendo. Não achei que voltaria agora, ninguém me avisou nada. Eu teria preparado o seu prato favorito.
Orion segurava o braço do cozinheiro e negou.
— Sabe que não precisa de nada, estou satisfeito de estar em casa com vocês. E o café sempre me abastece.
— Que nada, senhor Orion. — Ele puxou a cabeça pra cima e mostrou seriedade. — Farei o melhor frango grelhado que o senhor vai comer na sua vida. O jantar vai ficar todo por minha conta.
Wallace abriu os dois braços.
— E eu, Saiss?
— O senhor já comeu bastante essa semana, se continuar assim, vai precisar de uma dieta. — Ele se virou abanando as mãos e gritando:— Linus, Randig, preparem esses braços porque o senhor Orion voltou e precisamos preparar o melhor frango grelhado de nossas vidas.
Orion tomou o café. Wallace e ele conversaram sobre a forma de criação de dinheiro usada e se surpreendeu porque quem estava fazendo a vistoria era Truman. Ele tinha se tornado um Cavaleiro, mas diferente dos outros, se tornou muito mais puxado a cidade do que as missões.
— Foi aquela Sind — Wallace disse bem sério. — Nunca fui muito fã dela, isso todo mundo sabe, mas ela mudou bastante o jeito dele de ver as coisas. Agora está treinando duro todo dia, não reclama quase nada e ainda faz os estudos de terreno que a gente pede.
Orion assobiou, impressionado.
— E onde eles estão agora?
— Resolvendo um problema de encanação na cidade. Acharam uma anomalia e estão investigando. — Ele deu uma risada e Orion também. — Eu sei, é difícil de acreditar, mas é a verdade.
— Se ele está se empenhando, então está ótimo. — Tomou o último gole de café e afastou o copo para o canto da mesa. — E sobre os Krasios, o que tem acontecido na outra parte da cidade?
A postura de Wallace mudou. Suas mãos se juntaram ao redor do copo, mas ele permaneceu bem calmo.
— Desde que eles perderam a tal Mina de Royal, ficaram bem descentralizados. Tiveram que fazer um avanço para os Campos para ganhar dinheiro, mas foi apenas no segundo. Não tive muito contato com eles depois da birra deles no Banco Central por sua causa.
— Minha causa? — Orion não lembrava de ter feito nada a eles.
— A sua compra de lote em São Burgo. — Wallace franziu o cenho. A face de Orion se descontraiu, alegando. — Por um momento achei que não tivesse sido você.
— Eu comprei. Eles brigaram com os bancários?
— Com todo mundo. — O sorriso de Wallace era um doce, gostando da situação. — Fizeram um alarde porque você tinha pego tudo e não deixou nada para eles, mas como usou o nome do Professor, eles não tiveram como opinar quando o Economia disse que teriam que trabalhar muito para chegarem ao seu nível.
— Aquele cara disse que não é honrado jogar a responsabilidade para o colo dos outros, mas faz o mesmo. — Sua língua estalou em desgosto. — E a movimentação deles, alguma coisa?
— Nada. A perda geral levou a um colapso bem rápido. O dinheiro que tinham segurado para a reconstrução teve que ser repassada para Santa Helena por causa da mina, e financiaram uma ocupação em terras ocupadas pelo Clero, perto de lá.
Se fosse tão simples, Orion resolveria o problema com os Krasios num estalar de dedos. O mapa mental da região, das cidades e do terreno abriu em sua cabeça, e ele avistou detalhe por detalhe as opções dos seus oponentes para ganhar ouro.
Por mais que o Clero fossem seus inimigos principais, ainda era um terreno ideal para acampamentos e caça.
— Quando você para e começa a ficar quieto, eu sei que está pensando em alguma coisa para nos dar vantagem. — A lateral da boca de Wallace se levantou. — Sei que se preocupa demais com a gente, mas deve descansar. Acabou de conquistar um forte sozinho, e sendo bem sincero, estou irritado por não ter ido, então, não comece a fazer loucuras por ai.
Orion deu uma risada amarga e assentiu.
— Me conhece bem mesmo. Eu vou focar em outras coisas agora, pelo menos até Aroldo voltar.
— Tome um banho e jante com a gente, precisa conhecer os novos membros do Tomo também. — Ele se levantou bebendo o restante do café. — E como você é melhor do que eu nisso, tente conversar com os Espadas Enferrujadas.
— Pode deixar.