Passos Arcanos - Capítulo 263
Capítulo 264: Fraca Vitória
O baque foi grande. Uma pedra, era como sentiu em seu rosto ser acertado. O punho do Jotun atravessou sua defesa e o lançou para longe. Deslizou pela ponte, e não tirou os olhos do céu. Estava azulado, uma cor tão leve e tão vibrante. Mestre Pice gostaria de estar ali do que naquele inverno inacabável do Norte.
— Está vivo? — o Gigante perguntou em tom irônico. — Meu punho normalmente mata um homem na primeira investida. Apelidado como…
— Foi fraco. — Heivor puxou os braços para trás e se levantou num pulo. — Fraco até demais. Já enfrentei outros mais fortes e mais rápidos. É como olhar para uma montanha que não sabe fazer nada além de dizer que é forte porque é grande. Um peixe no mar também se gaba que sabe nadar rápido até descobrir que o tubarão pode comê-lo na hora que quiser.
Levou a cabeça para um lado e depois para o outro. Bateu o pé direito na madeira e depois o esquerdo.
— Vamos, vamos. — Chamou o Gigante Jotun com os dedos. — Não tenho o dia inteiro para lidar com um saco de bosta qualquer.
— Tem bastante culhão para falar comigo assim.
Jotun passou e empurrou os Sacerdotes para trás.
— Vai precisar de ajuda – disse Heivor. — Quando sua perna estiver quebrada, vai querer que seus amigos te puxem.
— Eu poderia concordar, mas você é só a corja que mora no Norte.
A risada de Heivor morreu lentamente.
— A corja que veio do mar – continuou Jotun tirando o casaco de cima do ombro. O peito e os braços eram bem largos e seu tronco era quase o dobro do Lobo. — Vivendo sob o teto dos Baker, outra família que nunca se deu bem no continente. Sempre procurando sobreviver, sempre sendo rebaixados como nada. Faz sentido, sabia?
— Faz? — A mana de Heivor se concentrou nos punhos e nos pés. — Eu ia pegar leve, ia.
Jotun passou a cabeça e olhou mais adiante para a ponte.
— Aquele é outro Baker. Um daqueles que se proclama soldado, que vai atrás de uma glória perdida. O seu povo é igual, não é? Se perderam da realidade, tentando encontrar um buraco cavado e se enfiar para fugir dos problemas do mundo.
Heivor fechou ainda mais o punho.
— Melhor se preparar. — Sua respiração diminuiu e sua concentração aumentou. — Porque vou te fazer pagar por cada palavra dita a minha família.
Jotun soltou uma risada com as mãos na cintura. Não levou a sério o aviso, e abaixou a cabeça sério quando sentiu a presença de Heivor Lobo em sua frente. A raiva encarnada nos olhos frios e o punho carregado de uma intenção assassina tão grande que seu coração gelou por segundos.
Uma barreira cresceu no momento que Heivor golpeou. O choque causou uma ventania furiosa para laterais e levantou uma parte da água do oceano. A mão ainda estava parada e a aura envolta daquele homem causou calafrios para os Sacerdotes e para o Gigante.
Era como se estivesse vendo uma figura que não se importava com o segundo seguinte.
— É assim que se garante? — Heivor puxou o braço mais uma vez. — No próximo, vou quebrar seus ossos em dez pedaços cada.
A mana se condensou ainda mais e a aura fluiu como uma névoa por cima de seu ombro.
Jotun rapidamente puxou o braço e soltou um grito:
— Por que fizeram essa barreira? Abaixem ela agora. Essa luta é minha. Vou mostrar para o rato do mar que…
O punho de Heivor veio. Jotun arregalou os olhos e engoliu em seco. Era como se os dedos e a mão tivessem crescido cinco metros e uma imensa figura vermelha pairava sobre o Lobo.
Ele vai me matar, o pensamento do Gigante foi instantâneo. O movimento a seguir tiraria sua vida se o confrontasse de frente.
Pelas costas, Jotun sentiu calor. Uma imensa barreira cobriu seus braços e peito, e um capacete meio transparente também o acolheu. Mesmo assim, aquela pressão descomunal o fez ter medo.
Outro choque. Mais duas barreiras cresceram entre os dois. Um estalido foi ouvido e as duas barreiras quebraram juntas. O peito de Jotun foi acertado. A barreira que o protegia se contorceu para dentro, sua pele, seus músculos e órgãos foram todos revirados.
Ele foi enviado voando para trás, acertando mais de uma dezena de Sacerdotes. Na mesma posição que Heivor caiu, ele viu o céu azulado. Tão pesado e tão doloroso. Aquele não era um belo dia.
— Eu cheguei nessa terra com o objetivo de tomar ela inteira pra mim. — Jotun levantou a cabeça e Heivor vinha caminhando entre os Sacerdotes amedrontados. A barreira mágica que ele destruiu com os punhos era uma Arte Sagrada de Quarto Nível que normalmente o protegia de quase todos os Magos e Arche-Magos noviços. — E encontrei apenas uma pessoa que poderia rivalizar comigo em questão de força. E ele nunca se escondeu atrás de qualquer magia barata dessas. Ele me enfrentou como homem, como um guerreiro.
Jotun foi pego pelo colarinho e puxado para cima, ficando centímetros do rosto de Heivor bem irritado. Seus braços ainda não respondiam, fazia força e nada.
— Eles fazem acordos, mas eu não. — Fechou a mão e puxou para cima. — Não faço prisioneiros, não deixo inimigos para trás, nem mesmo tenho pena de quem humilha minha família. Você vai morrer, hoje. Agora.
— Eu…
— Cale a boca. — Heivor o empurrou para baixo, batendo sua cabeça na madeira. — Não tem mais nada a dizer.
Abriu sua mão e a mana se condensou ainda mais.
— Arte do Javali: Dono da Montanha.
Ele a fechou ferozmente e desceu com tudo. A explosão ecoou num estrondo tão forte que balançou toda a sua estrutura. Sacerdotes voaram pela pressão, e o oceano se agitou com fortes ondas se elevando a beira. Mais três socos e um grito dolorido ecoou em agonia.
Wallace olhava da outra ponta. O vento balançava sua capa avermelhada meio surrada, mas não disse nada. Ele tinha ouvido cada palavra de Jotun, e nunca iria parar alguém que teve sua família tão desprezada. A dor era semelhante, procuravam lugares para morar, lugares para recriar o que um dia já foi um belo lar.
Não iria tirar essa resposta tão prazerosa de Heivor.
— Senhor Wallace – um dos Magos tentou se aproximar, mas o machado se ergueu na direção dele. — Desculpe, mas temos que recuar. Recebemos ordens dos nossos Capitães.
— Façam o que quiser. Minhas ordens são outras.
Ele procurou o navio que era bombardeado por incontáveis disparos elétricos. Um navio teve seu casco perfurado por mais de dez estacas, e Martin Crons atravessou uma embarcação a outra com um salto. Sua risada ecoava pelas águas. As ondas formadas pelo confronto de Heivor encontravam com as de Martin e os navios sendo destruídos.
Ele não precisava se preocupar com aqueles dois. Suas personalidades poderiam ser diferentes, suas habilidades falavam mais alto do que qualquer palavra que proferissem. Foram escolhidos pra lutar, nasceram pra isso.
— E o que vai fazer? — perguntou um outro. — A Travessia está fechada.
Wallace reconheceu a voz. Gralldos, o Capitão em Segunda Instância, veio andando da base em pedaços.
— O Mestre Baker quer a ponte – respondeu Wallace, seco. — E é isso que faremos aqui. Leve seus homens de volta, cuide deles. Não sairemos até terminar.
— É maluquice – outros Magos falaram. — Os reforços do Clero podem chegar a qualquer momento.
— Os reforços deles não vão chegar. — Mostrou um sorriso confiante que os deixou desconfortáveis. — Os Baker não deixam pontas soltas.
Os Magos foram pegos de surpresa quando os Sacerdotes da ponte apareceram com seus braços erguidos e se ajoelharam mais a frente. De cabeça baixa, tremendo e cheios de terror. Atrás, Heivor Lobo segurava o tornozelo do Jotun, e o arremessou por cima dos Sacerdotes como se fosse uma pedra.
A cabeça do gigante estava ensanguentada, os braços tortos e o peito foi amassado como uma cratera, o rombo era do tamanho da cabeça de um cachorro.
— Eles se renderam – anunciou Heivor também cheio de sangue. Obviamente não era seu. — Querem ser prisioneiros. Fracos e idiotas.
— Wallace. — Gralldos andou até ficar uns dois metros dele. — Me diga porquê vieram hoje. Que planos Orion Baker tem? E que forças secundárias vocês possuem para que os reforços do Clero não cheguem perto da ponte?
— Não sou mais um Cavaleiro das trincheiras. — Wallace apenas virou o rosto para os navios sendo bombardeados por clarões azuis e os berros e ordens dos tripulantes sendo rendidas pela gargalhada de Martin Crons. — Peça um dos Tenentes para mandar uma carta para Keifor, e ela vai ser respondida.
— Deixe de ser insolente – respondeu Gralldos, mais irritado. — Pode ter ido embora e largado os Cavaleiros de lado, mas ainda serve a Ordem dos Magos. E eu sou um representante direto deles. — Deu um passo em frente e parou de se mover.
Heivor estava sentado em cima do corpo do Jotun, encarando violentamente. A criatura era ainda mais assustadora vista de perto. Gralldos também já tinha sido avisado sobre Heivor Lobo Javali e sua capacidade mortífera em batalha. Não esperava que sua intenção fosse tão forte.
— Como eu disse – falou Wallace Baker –, mande o Tenente da sua base mandar uma mensagem para Keifor. Só não atrapalhe.
Gralldos não ousou enfrentar Wallace. Seu receio era quem o encarava, não o Baker. Mesmo um Cavaleiro não poderia melhorar ou se aprimorar em pouco tempo, ainda continuava sendo o mesmo Wallace de quando o conheceu. Apenas tinha um cão de guarda na coleira.
Deu as costas e deu seu primeiro passo.
— Ei, ei. Pode parar e se virar.
Os Magos ouviram Heivor e Gralldos também girou.
— O que foi?
–A mãe de vocês não deu educação pra vocês, não? — Apontava para a ponte com um rosto indiferente. — Nós salvamos a bunda dos seus Magos, limpamos a ponte e Martin está brincando no mar.
— E? Quer um obrigado?
— Seria bom pra começar. Vocês são como esses Sacerdotes aqui, de mãos atadas porque não podem fazer nada. Deveriam agradecer porque estamos fazendo o trabalho que nenhum de vocês conseguiu. E não venha com essa cara de bunda, se quiser resolver isso na mão, eu posso te ajudar.
Wallace apenas balançou a mão levemente.
— Não provoque, Heivor.
O Lobo deu uma risada.
— Eu menti? Nem precisaríamos vir aqui se Orion não tivesse outros problemas pra resolver. Esses caras gostam de falar que são isso e são aquilo, todos nesse continente fazem a mesma coisa. — Tocou a própria cabeça e arregalou os olhos. — Fracos como galinhas, buscando milho no chão. A Ordem dos Magos pode mandar quantos quiserem e não tomariam essa ponte com dez anos de planejamento.
— Chega – berrou Gralldos. — Controle seu soldado, Wallace.
O próprio Wallace encarou Gralldos.
— Heivor é o Segundo Tenente de Keifor. O que ele diz é responsabilidade dele, se quiser contrariar, mostre resultados. E onde ele mentiu? Dois anos não foi suficiente para vocês. — Ainda assim, um Tenente deveria ser respeitado por chegar aquela posição. Pelo menos alguns foram promovidos por mérito próprio. — De novo, mande uma mensagem para Keifor e ela será respondida. Se não tem mais nada para fazer aqui, pode ir.
Heivor acenava com a mão num deboche que tirou caretas raivosas dos Magos.
— E não se esqueçam de agradecer na carta – disse ao verem eles saindo. — Não servem nem pra limpar o chão.
Wallace parou com seu machado e respirou fundo encarando os três navios restantes.
— Mesmo que sejam fracos em questão de força, a mobilidade e a rede de informações das trincheiras que colheram nos últimos anos foram o que mantiveram vivos quando estive aqui. — A lembrança ainda era bem viva dos dias que ficou acordado por mais de 72 horas esperando por um ataque. — Os Magos sempre foram privilegiados, mas os Cavaleiros morriam todos os dias. Era maçante.
— Todos temos que nossos dias de luta. Não é de hoje que as pessoas morrem. Já perdi muitos do meu povo até aprender que os indefesos são apenas aqueles que não podem lutar pelo seu próprio destino, e que pessoas como eu sou quem posso prover conforto. — E apontou para onde os Magos foram. — Aqueles caras? Eles não sabem o que é isso. Não fazem ideia do que não ter nada para comer ou para beber, e pior ainda, não sabem que outras dependem de você pra poderem comer.
— E tem dias que você não come para outras pessoas comerem. — Wallace concordou bem calmo. — Foram dias bem difíceis aqueles. Agora, temos dinheiro, uma casa e poder. — Apertou mais o cabo de seu machado. — Um caminho que percorremos por muito tempo até aqui.
Os navios restantes foram afundados com dezenas de gritos pedindo socorro. O risco azulado que subiu no ar girou algumas vezes e parou bem alto. A gargalhada dele ecoava pelo oceano e outras bases da Ordem avistaram e ouviram.
Martin Crons segurava o braço de um dos capitães. Inconsciente, o homem parecia uma corda balançando ao vento.
— Quando os Sacerdotes ficaram tão confiantes de suas vitórias, hein? Hoje a Travessia de Ignolio foi devolvida a Ordem dos Magos. Eu sou Martin Crons, Segundo Braço de Orion Baker. Juramentado de Wallace Baker e Heivor Lobo. Aos ouvidos que me ouvem e olhos que me assistem, se quiserem pegar a ponte que liga os Elfos aos Humanos terão que enfrentar a nossa dinastia.
Heivor deu uma risada dele.
— Pior que ele tem um jeito de falar bem adequado, quase como se fossem histórias contadas.
— Quem tem poder para fazer pode falar qualquer coisa. Vamos.
Os dois levantaram e os Sacerdotes seguiram a frente.