Passos Arcanos - Capítulo 262
Yumo não pôde deixar de assistir o disparo de Martin Crons para dentro de um navio cheio de Sacerdotes sem a cara de descrença misturado com apelo. Louco, pensou para si. Pedir para morrer desse jeito, e ninguém falou nada.
Wallace ainda se mantinha estático no meio da ponte. Martin Crons se enfiou para dentro do oceano e o outro, Heivor Lobo, avançou para mais funda da Travessia de Ignolio. Lá na frente, ele encontraria o Joun e seus subordinados que eram feitos de ferro e ouro, assim como metade dos desgraçados que usavam os tais Tesouros Sagrados.
E mesmo assim, o Baker não fazia uma expressão preocupada.
– Ele está tão confiante assim que vai vencer aqui?
– Não sei dizer se é confiança, senhor. – Sander também assistia as vozes dos Sacerdotes nos navios e também uma risada que não morria de jeito algum. – Não sei dizer nem se o que estou vendo faz sentido direito. São só esses três, ninguém mais veio do norte para ajudá-los.
– Assim que os Capitães voltarem, pedirei para que cuidem deles. – Aquele machado era impressionante demais para ser deixado ir desse jeito. – Eles vão entender meu pedido quando ouvirem.
O céu azulado daquele final de manhã escureceu, de repente. Os cinco navios que diminuíram sua velocidade finalmente haviam se preparado. Yumo não teve nem tempo de gritar, mais de uma centena de feixes subiram ao mesmo tempo na direção das estrelas, fazendo uma curva no meio do caminho e descendo velozmente na direção deles.
– Não vai dar tempo para defender. O que fazemos, senhor?
Os feixes pareciam densos demais. Cada um deles abriria um buraco do tamanho de uma casa se chegasse ao solo. O acampamento seria devastado. As perdas desastrosas. Sander esperava uma ordem direta, a cada segundo que passava, mais perto da morte estavam.
– Senhor – gritou Sander. – O que fazemos?
Yumo abriu a boca, mas nada saiu dali. A Chuvarada era um ataque a distância que nunca tinha sido usado por conta da destruição das terras. Era o único ataque que seu coração acreditava não ser acionado pelos Sacerdotes.
Agora, ele não tinha o que fazer.
– O ataque é concentrado, mas não é completamente destrutivo. – Sander viu Wallace se aproximar. – Criem duas barreiras com ‘Lápide Ofuscada’ e ‘Retorno Difusor’. Vou precisar de Magos Hidro para conjurar três magias defensivas expansivas. – O Cavaleiro olhou ao redor. – Algum de vocês atende o requisito?
Sander ainda estava meio perdido também, mas balançou a cabeça, recobrado da situação.
– Sim, senhor. Temos cerca de dez Magos de Vento e cinco Magos Hidro em perfeito estado. – Sander começou a apontar para cada homem e mulher que atendia os requisitos e Wallace pediu que se amontoassem vinte metros de distância um do outro. Quando os quatro grupos terminaram de se aglomerar, Sander procurou por Wallace olhando para cima. – O que fazemos agora?
– Esse bombardeio está direcionado para cá porque eles acham que existem reforços vindo. Quando entenderem que não podem ganhar de nós em terra, os cinco navios serão obrigados a se juntar a frota que está indo em direção a Travessia. – Seu dedo guiou do navio mais próxima da ponte até a metade do caminho. – Eu prometi a Martin que o deixaria lutar contra os Campeões da Luz, mas os mercenários e Sacerdotes também tem um peso importante. Usem as magias daqui a vinte segundos, depois conjurem cerca de vinte ataques ofensivos de longa distância para que fiquem preocupados com o acampamento.
Ao olhar para trás, os Magos pareciam estáticos. Eles conseguem entender algo tão simples assim, certo?
– Ei, estão me ouvindo? – Wallace estalou os dedos para que acordassem. – Entenderam tudo?
– Sim, sim. Foi bem… claro. – Sander olhou para os outros que assentiram. – E o que mais?
Wallace respirou fundo e caminhou de volta para a ponte.
– Todos os outros Magos ofensivos podem vir comigo. Nós iremos segurar a vanguarda do Clero até que Martin ou Heivor terminem suas lutas.
Na caminhada confiante, a malha balançava com o vento. Mesmo que uma Chuvarada Mágica estivesse vindo em sua direção, ele a ignorava como se fosse apenas um pequeno inseto incomodado. Sander realmente não tinha como deixar de admirá-lo.
Ele é um verdadeiro Comandante de Guerra. E olhou para Yumo ainda paralisado pelo que ocorria. A diferença dos dois era grotesca, para não falar ridícula.
– Ouviram. – Sander brandiu sua voz para os Magos. – Mais dez segundos. Esperem, esperem. – Os clarões se aproximavam rapidamente. – Agora, senhores. Usem as magias.
Dez runas ativadas ao mesmo tempo. Um clarão azulado que ricocheteou na luminosidade do próprio céu, o tornando claro novamente. A mana correu de uma ponta a outra, como Wallace tinha dito que ocorreria e se ergueu como um véu maleável e fino.
Houve medo entre os Magos. Sander também não esperava que aquilo fosse acontecer. A densidade dos ataques claramente destruiria uma magia tão básica como aquela. Alguns diziam que iriam fugir, outros respiravam profundamente esperando suas mortes.
Mas Wallace não ondulou de onde estava. Sander desacreditava que aquele que passou o inferno em Archaboom os levaria a morte por negligência ou arrogância. Não, ele certamente falava a verdade.
E então, os Magos Hidro conjuraram as suas runas. Uma imensa barreira subiu, puxando junto dela a própria água do oceano como parte. Uma barreira feita de mana e outra feita das própria natureza. Sander exclamou em silêncio. A beleza das duas lhe tirou o ar.
E a Chuvarada caiu. Adentravam a água, perdendo força no impacto, sem perfurá-las e chegando até onde o véu de mana fino dissolvia o restante com extrema facilidade. Não o primeiro golpe, nem o segundo, longas cem magias atravessaram aquele véu sem explodir ou destruir nada.
Os Magos comemoraram com gritos. Pareciam ter vencido a guerra. Alguns até mesmo ficaram chocados com aquela combinação ridícula, Sander também se colocava no meio. Observando Wallace Baker, a pergunta surgiu em sua mente. Como ele tem essa confiança toda na frente de um batalhão inteiro de Sacerdotes?
I
Thorin socava buscando a cabeça de Martin Crons, e o que achava era o vazio. Seus braços esticavam e o maldito guerreiro gargalhava assim que esquivava. Outros tentaram prendê-lo com uma infinidade de Artes Divinas, mas nada.
Os pés do maldito deslizavam pelo convés, dançando e puxando seus inimigos para dentro, harmonizando-os e trazendo para seu joguete. E mesmo assim, além dos laços elétricos que rugiram da primeira vez, nenhuma outra magia foi usada.
Martin agarrou o braço de um, o puxou girando e arremessou para cima de outro. Uma espada veio pela sua direita, antecipou o braço do agressor e virou de costas para ele, segurando seu pulso e conduzindo a espada adiante. Furou o ombro de mais um e a perna de outro, e logo depois deu uma cotovelada para trás desligando a mente de quem segurava.
– As técnicas de pés dele são excepcionais – disse Future, um dos mais velhos Campeões da Vanguarda. – E estamos limitados a usar Artes Divinas justamente porque o navio pode ser destruído.
Thorin bufou com raiva e foi adiante.
– Dentro das montanhas, o ferro nasce pela pressão. – Sua mana pulsou violentamente para os braços e pernas. Muitos ao seu redor se distanciaram velozmente. – Dentro das conchas, as pérolas nascem por pressão. Dentro de um guerreiro, sua força nasce por pressão.
Martin golpeava três quando a aura assassina surgiu em suas costas. Ele ergueu a cabeça, sorrido.
– Finalmente. Finalmente. – Ao girar no próprio eixo, ergueu o braço instintivamente. – ‘Lyn: Armadura do Criador’.
O raio se fundiu a mão em formato quadricular, subindo para o pulso, antebraço e depois ombro. O céu estava limpo, azul e cristalino ao meio-dia, e mesmo assim o som de uma trovoada ecoava no meio do oceano.
Thorin socou reto. Os dois se encontraram. O choque gerou um balanço no navio que levou muitos a se segurarem no mastro ou nas bordas. Outros caíram sentados. Sem fumaça, sem nada para bagunçar a visão, observavam os punhos colididos. Raios se libertavam, rajadas poderosas de vento vagavam para a vela que parecia perdida entre qual direção tomar.
E havia um sorriso no rosto de Martin que ninguém verdadeiramente entendia. E Thorin queria, mais do que qualquer coisa, compreender o porquê daquele rapaz ter uma força tão diferente e singular.
– Ainda está se segurando – ouviu Martin falar – Como alguém como força igual a sua se prende tanto? Lutar não é divertido para você?
– Divertido? – A palavra não lhe descia a garganta. Thorin desvincilhou seu punho e colocou mais força. – Uma luta não deve ser divertida. Ela deve ser mortal.
Martin também recuou o braço, os raios azulados se amontoaram mais e mais, fortalecendo apenas aquele membro.
– Se eu posso morrer, então por que não me divertir? – Sua gargalhada aumentou e a trovoada também. – Uma vida mal vivida é pior do que uma morte honrosa, é o que acredito.
Thorin não contrariou. Por que deveria se segurar então? Se ele fosse morrer agora, nesse exato momento, o arrependimento viria no após vida. Eu deveria ter lutado com tudo, seria essas a frase que carregaria para a eternidade.
– Não existe nada além do agora – ouviu a voz de Martin aumentar e sua mana ganhar proporções completamente anormais. – Uma última luta, o último suspiro, o último ataque.
Sua mana bombardeava o navio e Future teve que recuar. Assim que olhou Thorin, se assustou. Havia um sorriso no canto de sua boca.
– Merda. – Rapidamente saiu de perto. – Recuem, recuem o máximo que puderem. Agora, não façam perguntas.
– Um mercenário deve viver uma vida digna. – Thorin de Carvalho mostrou seus olhos centrados para Martin. – Independente quem ganhar aqui, Martin Crons. Respeito sua filosofia de vida. Não pedirei que poupe ninguém, mas respeite-os como se fossem um rival odioso.
– Eu respeito os fortes. – A armadura de raios começou a escurecer para um tom roxeado. – Um Rei só pode ter aliados poderosos e inimigos difíceis.
Thorin deu um passo adiante e apareceu diante Martin Crons com toda a mana de seu convertida em uma explosão constante. Ainda restava uma parcela armazenada. A palma do Mago se abriu e segurou seu punho mesmo com todo aquele poder.
Nem mesmo seu pé recuou. Aquela risada não era um blefe.
Tudo o que tenho, tenho que puxar tudo o que tenho agora.
Seu núcleo libertou as últimas remessas de mana e um imenso vendaval se formou as suas costas, impulsionando mais ainda. Labaredas vermelhas e verdes pulsavam para fora de sua pele, aumentando ainda mais sua impulsão. Completamente, o poder destrutivo de seus músculos chegara ao máximo.
O que existia dentro de seu corpo convertido ao extremo. Sentia dores na coluna, no pescoço, na sola dos pés, mas sorria. Aquele momento único fazia valer a pena. E seu inimigo, com aqueles dentes a mostra, se assemelhava a uma criança se divertindo. Sem responsabilidade, sem pressão, sem problemas mundanos nublando sua mente. Era um sorriso que Thorin invejou desde o momento que o viu.
E foi esse mesmo sorrido que decidiu a batalha.