Passos Arcanos - Capítulo 101
— O que está dizendo é que existem diversos tipos de guerreiros? — Cristina sentava em um cavalo pequeno comparado aos outros três, tendo um pequeno Quadro Arcano ao seu lado, flutuando. — E quais são, mestre?
— Os guerreiros comuns, como Wallace, que usam espada e armadura. — Orion apontou para seu amigo mais afastado na estrada. — O Tito é um Arqueiro. Conheço poucos Lanceiros. E tem Ladinos, Espadachins, os Monkes, que se especializam em artes marciais. No final, eles são apenas base.
Tito se aproximou um pouco dos dois, em um trote leve.
— E tem o Orion, que faz tudo isso facilmente.
Cristina lançou um olhar incrédulo para ele.
— Consegue mesmo? Existe algum jeito de ser forte assim?
— Eu nasci com um dom diferente dos outros, Cristina. — Orion manteve-se segurando a rédea. — Conhecer os limites do seu corpo exige muito tempo, e você tem afinidade com a mana, lutar com armas brancas pode te atrasar bastante.
Ela fez beicinho, virando o rosto.
— Mas, você também luta com armas, mestre.
— Existe um nome para quem faz as duas coisas — mencionou Wallace de onde estava. — Se chama Cavaleiro Mágico.
Tito assentiu com pressa.
— É verdade, eu tinha me esquecido disso. Agora que você tem como usar magia, pode tentar se especializar nisso, Orion.
— E o que é um Cavaleiro Mágico? — perguntou Cristina. — É forte.
Orion balançou a cabeça em concordância. É o mais forte entre as muitas aptidões.
— Algumas pessoas nascem com dons físicos, como Wallace. Outros com dons espaciais, como Tito. Outros no Arcanismo, como você, Cristina. — Era até estranho mencionar sem parecer arrogante. Porém, Orion tocou o próprio peito. — E algumas pessoas nascem com peculiaridades completas, esse é o meu caso. Mas, eu tive muita ajuda.
Ela segurou a rédea fervorosamente. O pônei deu uma relinchada com o puxão.
— Isso é incrível. Você pode usar todas as armas, todas as habilidades. Por isso que é tão forte.
Força, Orion não gostava da palavra ser usada de forma tão genérica, mas Cristina era uma jovem com uma mente ainda crua. Quebrar essa expectativa sem mais ou menos levaria o brilho dos seus olhos a desaparecer mais cedo do que deveria.
Crianças não deveriam ter seus sonhos destruídos tão cedo, como os de Orion tinha sido.
— E mesmo assim, ele nunca lutou a sério — ouviram de Wallace, ainda virado para a estrada. — Sempre tem uma carta que nunca mostrou. Deve ser triste não ser levado ao limite quando luta.
Tito também concordou com esse fato.
Ele tinha razão nisso também, Orion sabia. Mas, ser forte não era ser invencível.
— Posso aprendera a usar uma arma? Eu sempre quis usar um arco, senhor Tito.
Orion sorriu e continuou a cavalgar silenciosamente. Cedero ainda estava bem longe.
I
Aos dias passados, Wallace e Tito sempre ensinavam o básico de postura de ataque e defesa. Como ambos eram Cavaleiros formados, também tinha permissões para ensinar outras pessoas a seu critério.
E Cristina se demonstrou uma ótima aluna. Orion se surpreendeu. Ela também tinha talento para lutas e manejo de espada. Tito demonstrou como segurar uma flecha, e atirar em um ângulo direto, ela praticou dois dias antes de não errar o alvo em vinte metros.
Wallace deu a ela uma espada curta no qual tinha um balanço bem leve e dinâmico, e se sentou numa pedra enquanto a deixava atacar. E por longos três dias, ela se saiu bem.
No quarto dia, enquanto descansavam perto das árvores ao Norte, os dois se reuniram com Orion. Tinham mandado a garota recolher gravetos para a fogueira.
— Suas suposições estavam corretas — Tito jogou-se de costas em seu saco de dormir. — Ela tem facilidade aprendizado, talvez seja parecida com a sua.
— Não. — Wallace negou com a cabeça, mantendo os braços cruzados. — Copiar e assimilar são diferentes. Orion copia, ela entende e fraciona. Existe uma diferença absurda, mas comparado a pessoas comuns, ela tem um talento muito acima da média.
— Foi como eu pensei— disse Orion. — Desde que encontrei ela em Drax, tive um pouco de receio porque vi como ela lia e entendia as situações melhores do que os outros da sua idade.
Tito puxou um cantil de água de dentro de sua sacola, abriu e bebeu um pouco.
— Bom, ela tem potencial para seguir qualquer profissão. — Passou o cantil para Wallace. — O que está pensando em fazer?
— Ela ainda precisa de treinamento teórico e prático, e como estamos indo para Cedero. Vou deixá-la estudando na Academia de Magnus, é a coisa mais correta a se fazer.
— Tem certeza? — Wallace limpou os resquícios de água na boca. — Rob disse que lá é um covil de cobras. Ela pode não se adaptar.
— Algo me diz que ela pode. E vamos ter que pagar também. — Ele puxou os bolsos de sua calça, sem nada dentro. — Todo o ouro ficou em São Burgo. Vamos ter que recomeçar, de novo.
— Isso é bem fácil.
Os passos de Cristina se tornaram audíveis e eles se viraram juntos para ela. Ela carregava vários gravetos secos debaixo do braço e jogou todos no meio, sentando entre Orion e Tito. Olhou para eles, sorrindo.
— Eu achei um monte deles juntos. Foi bem fácil.
— Está ótimo. — Orion passou a mão no ombro dela. — Obrigado.
Passaram a noite com as chamas da fogueira acessas e saíram logo quando o sol nasceu. Os cavalos foram alimentados com cenouras e milho, e Cristina fazia carinho no pescoço do seu sempre que ele relinchava.
No Meio da tarde, avistaram movimentação a frente.
Carruagens, cavalos e pessoas a pé, uma aglomeração tinha se reunido na mesma direção.
— Por que essa gente tá parada lá na frente? — A mão de Cristina tapava os olhos do sol, tentando enxergar melhor. — Tem tanta gente lá.
— Estamos perto da Ponte que liga a Padraria Neutra a primeira parte de Cedero— respondeu Orion também parado em cima do seu cavalo. — Vamos chegar mais perto para saber.
E quanto mais próximo ficavam da aglomeração, mais vozes aumentavam, e mais rostos desamparados dava para observar. Essas pessoas tinham um medo estampado tão grande que nem mesmo ligaram quando eles passaram.
Porém, a imensa ponte de madeira que sustentava o Rio Angunos, uma das ligações diretas entre terrenos neutros não era marrom como nos livros. E o cheiro de carne, assim como os gritos dos corvos que rondavam o céu, tudo indicava que o vermelho que inundava o caminho era sangue.
— Eles ainda estão ali — um dos homens disse afastado, tremendo. — Eles mataram todos os que tentaram ultrapassar. Todos.
— Meu sobrinho também foi — uma senhorinha disse. Ela era tão velha que se sustentava em uma bengala. — Ele disse que eram os Caçadores de Órgãos. Só o nome já é terrível.
Orion sorriu. A sorte estava bem ao seu lado.
Um grito veio da ponte. Um rapaz corria de volta para as carruagens, tinha o rosto cheio de sangue e chorava. Seus berros eram de dor. Um dos seus braços tinha sido decepado e os dedos da sua outra mão foram retorcidos ao ponto dos ossos estarem expostos para fora da palma.
— Está fugindo, rapazinho? — a segunda voz surgiu por trás. A máscara enegrecida e pontuda no nariz, e um caminhar torto. — Hihihi. É tão gostoso ver a determinação se tornar medo. É como esquentar a comida e se deliciar com uma carne nova. Suculenta. Mas, fica ainda mais divertido, correr de mim. Corra, corra— cantarolou para si. — Corra, corra, rapazinho.
Cerca de cinco flechas flamejantes foram criadas ao redor de sua cabeça, cada uma com cerca de um metro de comprimento. Ao parar de andar, a primeira foi atirada.
— Acabou, rapazinho.
— “Hidro: Corrida dos Peixes”.
A água do Rio Angunos se libertou da correnteza natural e caiu para cima da ponte. A pressão da água sugou o sangue e continuou descendo na outra ponta. A flecha de fogo evaporou ao encontrar com ela.
A cabeça do homem inclinou-se para o lado, bem surpreso.
— Eu não esperava um Mago esse horário. Achei que eles viriam de Cedero. Ainda é tão cedo para lutar sério. Eu não quero lutar agora. — Outras cinco flechas foram atiradas velozmente. — Então, não se meta, Mago.
Esses disparos curvaram-se no Meio do ar, subindo por cima da barreira e direcionando a Orion. Antes de encontrá-lo, ele suspirou.
— Se fosse antes, eu teria apenas feito seus ataques sumirem. — A água subiu mais ainda, engolindo o restante das flechas e as fazendo desaparecer. Orion caminhou até a ponte. — Mas, hoje tenho que mostrar a minha aprendiz o motivo da minha família ser considerada uma das mais perigosas do mundo.
Wallace e Tito também saíram do cavalo.
— Fique ai e observe a gente, tá? — Tito acariciou o pônei de Cristina. — Vê se aprende alguma coisa interessante.
— Isso vai ser entendiante — comentou Wallace já retirando o machado de guerra das costas. — Ele parece ser fraco. Orion, tem certeza que precisa lutar? Pode deixar isso com a gente.
O garoto conseguiu se aproximar, mas caiu de peito ao tocar a terra. Ele suspirava com dificuldade e seu corpo tinha sido todo retorcido. O estado dele era crítico.
— Bom, vou deixar com os dois então. — Ele deu as costas e tocou o ombro dos dois. Ambos o encararam juntos, e sorriram. — O quê? Isso é um presente. Eu posso usar magia agora, então, dar suporte também é minha função.
O homem na ponta soltou um grito.
— Ei, venham os três. Dois é muito pouco. Quero os três.
O arco de Tito foi puxado e ele abriu e fechou a outra mão.
— Está subestimando os Baker? — Encarou Wallace. — Ele realmente fez isso.
O machado já tinha sua lâmina sendo brandida levemente de um lado para o outro, e o foco do grandalhão em perfeita constância ao seu alvo.
— E vai pagar.