O Monarca do Céu - Capítulo 71
Mal Presságio.
Colin dormiu como um bebê na última noite. Brighid levantou mais cedo e foi preparar o café. Pegou dois ovos de galinha que estavam na dispensa e os fritou junto a uma massa que parecia bastante com tapioca.
A dispensa de Colin não era tão vasta quanto a dela, então ela se virou com o que encontrou. Não demorou muito para que Colin despertasse com o cheiro e fosse direto para cozinha se deparando com Brighid ainda de pijama.
— Acordou cedo. — disse ele coçando o cabelo bagunçado.
— Devia ter ficado na cama. — disse ela terminando de preparar o café da manhã — Eu ia levar para você.
— Não precisa disso, vou ficar mal-acostumado.
Colin recostou na bancada e prestou atenção em Brighid. Mesmo fritando um simples ovo, ela fazia com que aquela tarefa fosse algo belo de se ver. Seus gestos, suas caras e bocas, ela estava se empenhando muito para uma tarefa tão simples. Ele achou engraçado num primeiro momento, mas logo deu de ombros.
Terminando de fritar o ovo, ela misturou junto a massa que parecia tapioca e colocou em dois pratos, um para ela e outro para Colin.
— Olha se tá bom.
Ele não disse mais nada, pegou a massa dobrada em cima do ovo e deu a primeira mordida. O gosto foi como ele imaginava que seria. Tapioca com ovo de galinha, um gosto que ele jamais esqueceria.
— Tá ótimo! — disse de boca cheia.
Brighid abriu um sorriso e sentou-se de frente para Colin, comendo também. A noite passada para ela foi como um sonho. Sentiu um misto de sensações que ela não conseguiria colocar em palavras. Foi ao acordar e ver Colin dormindo sereno na cama que ela se tocou o quanto era sortuda de estar ao lado dele.
— Lembra do Anton? — Perguntou Colin de boca cheia.
Ela grunhiu em concordância e Colin continuou.
— Ele me chamou para um evento de confraternização que ocorrerá hoje e disse para eu levar alguém. Você quer ir?
— Tem certeza? Não precisa me chamar só porque a gente…
— Eu sei. Minhas melhores opções eram você ou Samantha, mas você é uma monarca de duas árvores, cotada para lecionar por ser uma enciclopédia viva. Samantha pertencia à guilda do Loafe, e não quero que ela se sinta intimidada ou algo do tipo.
— Se você acha assim… então acho que tudo bem. Não pensou em chamar Stedd?
Colin fez que não com a cabeça.
— Não dá, ele é mais encrenqueiro que eu. Quero construir boas relações com algumas guildas mesmo que a maioria odeie a gente. Você é gentil e muito bonita. As pessoas normalmente abaixam a guarda perto de gente assim. E eu soube que você é bem popular.
Brighid abriu um sorriso sem graça. Uma coisa era fato, de todos os integrantes da guilda de Colin, ela era a única que não tinha inimigos e pouquíssimas pessoas a odiavam. As notas dela eram as mais altas e ela sempre estava cercada de garotas que a achavam o máximo durante as atividades universitárias.
— Certo. — disse Brighid acabando de comer e batendo as mãos uma na outra, deixando o farelo cair no prato — Acho que posso conseguir algo com a princesa dos elfos da floresta.
— Aquela que tem ódio de Loafe?
— Essa mesma. Posso conseguir algo ali, eu acho.
Desde o confronto contra Anton, Colin o respeitava como oponente. Aquele embate contra Anton e o embate contra Morgana foram os únicos em que ele saiu derrotado. Sem contar que Anton parecia o tipo de pessoa que se daria bem com ele por ter uma personalidade excêntrica.
— O que acha do Anton? — ele perguntou.
Brighid pegou seu prato e foi até a pia para lavá-lo.
— Ele é forte. Minha maldição de não ferir humanos tornou a luta contra ele bastante difícil. E Safira deu tudo de si contra ele, e mesmo assim não o venceu. Isso, considerando que ela é um caído com a essência das chamas. Sem dúvidas, ele é habilidoso.
— Se importa se eu me aproximar dele?
— Por que eu me importaria? Você perguntou a mesma coisa quando resolveu chamar Wiben para guilda. Confio na sua decisão, então não precisa ficar pedindo minha aprovação a todo momento. Você é o líder, faça o que tem que fazer.
Colin cruzou os braços e fez que sim.
— Então está decidido. Fique linda para hoje a noite, faremos algumas alianças com os merdas dos nobres.
Brighid abriu um sorriso.
— Você parece empolgado.
— Acho que me sinto um pouco ansioso. Estaremos com os filhos dos parlamentares mais importantes do continente, além de outros príncipes e princesas de terras distantes. E o melhor, estarão poucas pessoas lá, bem diferente da festa de recepção. Dará para ver quem é quem.
Eles continuaram conversando de forma descontraída, se arrumaram e foram para a universidade juntos, andando de mãos dada e conversando sobre coisas da guilda. Após adentrarem, se despediram com um beijo e cada um foi para um lado. Os amigos de Colin se resumiam ao pessoal da guilda. Os de Brighid também, mas ela era bem mais sociável. Assim que Colin se afastou, algumas garotas se aproximaram feito abutre para saber de tudo que estava rolando entre eles, deixando Brighid sem jeito.
Alguns rapazes sentiam inveja de Colin, outros apenas ficaram zangados por uma aluna tão exemplar quanto Brighid ter escolhido alguém como ele para se relacionar. Acostumado com olhares de julgamento desde que chegou naquele mundo, ele apenas deu de ombros e foi em direção a seu lugar preferido desde que voltou da missão, a biblioteca.
Passou pelo bibliotecário de feição enraivecida e adentrou a biblioteca que estava quase sempre vazia. Andou pela seção de história e olhou os títulos sensacionalistas dos livros, mas um lhe chamou a atenção.
— A masmorra do infinito… — Ele esticou a mão e pegou o livro de capa escura com um sol desenhado em detalhes a ouro.
Foi até uma mesa vazia, sentou-se e abriu o livro.
Leu por cerca de uma hora. O livro dizia que a masmorra não era uma lenda, mas sim, real. Dizia que, há alguns séculos, três grandes magos do oriente se juntaram para criar um sistema de treinamento que superasse qualquer um que já existiu. A esse sistema foi dado o nome de Masmorra do infinito. O livro dizia que a masmorra funcionava em uma dimensão a parte com perigos inimagináveis.
Havia certos níveis na masmorra que possibilitava os guerreiros a evoluírem sempre gradualmente. Todos começavam no mesmo nível, e subiam conforme fossem passando pelas dificuldades.
Ele virou a página vendo a imagem de uma cidade mágica muito bela, como uma arquitetura que Colin nunca viu em outro lugar deste mundo. A masmorra era praticamente um mundo à parte, onde guerreiros que adentravam nela resolviam esquecer o mundo real de vez.
Ao virar a página mais uma vez, Colin arregalou os olhos. Naquela página dizia que a masmorra poderia ser terminada, mas para isso, teriam que vencer um dragão que o livro dizia ser do tamanho de uma montanha. O temido Tiamat, o dragão imperador. Havia outras histórias sobre Tiamat e seus feitos fascinantes.
Lendas diziam que ele lançou uma onda de terror no mundo antes de desaparecer sem deixar rastros. Nem o próprio autor do livro sabia como os três magos conseguiram aprisionar Tiamat na masmorra, muito menos porque ou como ele coexistia com a masmorra sem tentar destruí-la.
O único empecilho, era que a masmorra ficava no continente oriental. Não havia uma localização exata. Tudo que estava no livro era relato de pessoas que diziam ter ido para a masmorra e vivido lá. O autor tentou investigar a localização através destas mesmas pessoas, mas todas disseram ser impossível encontrá-la, é a masmorra que encontra você.
— Não devia estar na aula?
Colin abaixou o livro e viu Alunys segurando alguns livros.
— Estou estudando. — Cochichou Colin.
— Matando aula para estudar? Essa é nova para mim.
Ela se sentou na mesa de frente para Colin, colocou os livros que segurava de lado e ajeitou os óculos lendo a capa do livro que Colin segurava.
— Masmorra do infinito? — ela perguntou — Um ótimo livro para quem gosta de fantasia.
— Fantasia? Você não acredita que isso seja real?
— Não. Um dragão do tamanho de uma montanha? Uma masmorra que funciona como mundo paralelo? E o pior, o dragão desse livro é tão forte que é impossível três magos terem o capturado e ele ficar quieto na masmorra. Esse livro é bem famoso, e é bem antigo. Muita gente já foi atrás da masmorra em expedições que gastaram milhares de moedas, e nunca a encontraram. Então sinto muito lhe dizer, senhor Colin, mas isso é só lenda.
Diferente do ceticismo de Alunys, Colin acreditava sim que poderia ser real, afinal, nos últimos meses ele viu e viveu tanta coisa que antes seria consideraria absurda.
— Mas e então, como foi com Senhorita Brighid ontem? Se divertiram?
Colin deu-lhe uma olhada de canto de olho e viu um rosto empolgado esperando uma resposta extremamente detalhada.
— Sim. — Respondeu sucintamente.
— Só isso? Levou ela para comer aonde? O que fizeram depois?
Percebendo que ela não o deixaria em paz tão cedo, Colin fechou o livro e focou em Alunys na sua frente sorrindo feito uma idiota.
— Comemos um doce esquisito que estava em um espeto e depois vimos os fogos que um mago fazia na praça. Depois fomos para casa onde estão as crianças do ducado, e depois…
— Depois…
Ele coçou a cabeça sem jeito.
— A gente foi pro meu apartamento…
— E fizeram o quê?
— Você sabe…
Alunys abria um sorriso bobo e olhava para os lados frequentemente.
— Suspeitei disso quando senhorita Brighid não voltou para casa ontem à noite.
Colin se levantou.
— Vou para aula, te vejo depois.
— Até mais, senhor Colin. Já que o senhor não quer me contar, perguntarei cada detalhe a senhorita Brighid quando eu estiver em casa.
— Para de ser estranha.
Colin abanou as mãos em um tchau e se retirou com o livro ainda em mãos. Ele deixaria para ler aquele título mais tarde. Seguiu para a aula onde aprendeu um pouco sobre alquimia. Ele já havia estudado muito sobre o assunto anteriormente.
Não era um assunto que lhe agradava, mas era um assunto de extrema importância. Com a alquimia era possível encantar armas e armaduras, além de pedras rúnicas e poções que poderiam lhe auxiliar em algumas batalhas.
Logo depois foi a vez de ver aulas sobre análise mágica. Colin tinha sérios problemas com matemática, mesmo trabalhando com planilhas o dia todo no seu emprego antes de ser demitido. Mas ele estava se esforçando, calculando bem a composição e entendendo a descrição de cada magia básica que estava em seu livro.
Ele de fato estava se esforçando. Vez ou outra desenhava em um caderno em branco simulando combates que ele poderia ter contra oponentes e a melhor forma de derrotar um oponente que use atributos mágicos elementais como fogo ou terra.
Colin ficou curioso com um fato, Brighid era uma monarca de duas árvores, porém, seu estilo de luta era passivo agressivo. Morgana também era uma monarca de duas árvores, mas ela já era totalmente agressiva.
Mesmo que sem querer, ele começou a se interessar em ver um duelo entre as duas. Morgana não era humana, então Brighid poderia ir com tudo, e era isso que Colin queria ver. Uma luta entre duas monarcas de duas árvores seria algo que nem mesmo ele conseguiria imaginar. Até mesmo o confronto de personalidades seria algo interessante de se observar.
Depois da aula ele ficou de bobeira no refeitório, ouvindo fofocas sobre ele e sentindo aqueles mesmos olhares de repulsa de sempre o açoitarem de cima a baixo. Seguiu para seu apartamento que ainda continuava vazio e se trocou. Seu guarda-roupa não era tão versátil, então ele se vestiu da mesma forma que se vestiu ao ir ao encontro com Brighid. Mas em vez de um gibão, ele escolheu uma jaqueta de pano com botões dourados de gola alta.
Refez seu caminho até o apartamento de Brighid e bateu três vezes na porta, vendo Alunys a abrir novamente com um sorriso no rosto.
— Oi, de novo, senhor Colin, hihi!
Colin coçou a nuca e suspirou.
— Só você atende a porta?
Ela fez que sim.
— Safira sempre fica treinando até tarde da noite e senhorita Brighid passa bastante tempo na cozinha. Então fico aqui na sala de frente para porta lendo. Vão para qual tipo de encontro hoje?
— Não é um encontro, será para negócios. Tentarei conseguir alguma aliança para guilda e tentar limpar um pouco nossa imagem.
Brighid despontou no corredor, ainda mais linda e arrumada que na noite anterior. Usava uma blusa branca de manga longa com um pequeno lenço bordado um pouco abaixo do pescoço e, em meio a gola da blusa, estava o pingente que Colin a havia dado na noite anterior.
Bem abaixo dos seios estava um espartilho de abotoar que também funcionava como vestido e ia até os pés dela. Seu cabelo estava preso em um coque com algumas mechas soltas. O rosto dela continuava belo como sempre, destacando seus olhos esverdeados e seus lábios vermelhos.
Pela primeira vez Colin a viu usando brincos prateados com algumas pedras brancas dentro.
— Brincos? — ele perguntou — É a primeira vez que vejo você usando.
— É, algumas garotas usam e eu acho bonito, então pensei em comprar alguns para mim. Não gostou?
— Gostei, você tá mais bonita, mas e então, vamos?
— Claro, Alunys a-
— Já sei! — disse Alunys — Tem comida na dispensa, né?
Brighid fez que sim com a cabeça e deixou o apartamento de mãos dadas com Colin.
Deixaram o dormitório feminino e caminharam pela universidade atraindo todo tipo de olhar possível.
— Como foi na aula hoje? — Perguntou Colin.
— Foi legal, só foi complicado com as meninas perguntando sobre a gente. Algumas delas ficaram bem assustadas com o fato de que eu estava com você. É um pouco engraçado que a maioria te descreve como um monstro.
Colin abriu um sorriso de canto.
— Engraçado que de você pensam justamente o oposto. — disse ele.
— Você devia sorrir mais, pode te ajudar.
— Nem pensar. Stedd está sempre rindo e você já viu como aquilo é bizarro?
— Tá se comparando com Stedd? Vocês dois são muito diferentes, em praticamente tudo. Ele é do tipo que gosta de causar, já você é mais quieto, apesar de que em questão de provocação, vocês estão empatados.
— Isso não é verdade.
— É sim! Vocês dois morreriam só para deixar o imperador zangado. E você sabe ser cruel com as palavras quando quer, então se comparta hoje.
Colin sorriu e fez que sim.
— Vou tentar.
Após caminharem mais um pouco, chegaram, em fim, ao grande salão principal no qual estava mais arrumado que na festa de recepção. Havia soldados na porta, que fizeram uma reverência para o casal assim que os viu.
— Senhor Colin, Senhorita Brighid, sejam bem vindos!
Colin e Brighid cruzaram olhares sem entender absolutamente nada.
— Ah… certo… obrigado soldado…
Eles passaram pelo soldado e se depararam com bem mais gente que eles pensaram que haveria. Não havia somente os estudantes de mais elevado nível naquele salão. Havia também alguns membros de guilda e Colin reconheceu duas pessoas importantes que havia encontrado na sua jornada passada. Lina e Eilika estavam bebendo vinho em um canto muito bem trajadas. Era a primeira vez que ele as via de vestido.
— Colin! — berrou Eilika sacudindo o braço — Por aqui!
— Você a conhece? — perguntou Brighid o encarando.
Colin coçou a nuca sem jeito.
— Ela me ajudou a salvar as crianças… e aquela do lado dela é a irmã mais velha dos gêmeos…
Indo até elas, Colin cumprimentou com aperto de mãos e Eilika com um abraço. Ele também apresentou Brighid. Ambas ficaram surpresas por ela ser tão bonita e, ainda por cima, ser a tão famosa monarca de duas árvores da universidade.
— Quem diria que alguém conseguiria fisgá-lo, em! — Eilika deu um tapa forte no ombro de Colin e gargalhou.
Aquele foi um tapa intencional que continha uma pequena dose de raiva. Mas Colin não se importou, ele continuou mascarando seu sorriso.
— Pensei que essa confraternização era pros alunos. O que vocês duas estão fazendo aqui? — perguntou Colin.
— É uma longa história…
— Olha se não é o homem que fez meu pai retirar uma sentença de morte! — disse Lumur se aproximando junto a Briana.
Lumur ergueu a mão e Colin a apertou educadamente.
— Eu soube dos seus feitos, senhor Colin, na verdade, todo mundo soube.
Colin se lembrava dele, foi ele quem sugeriu de os gêmeos serem tutelados por Colin. Os gêmeos sempre falaram bem de Lumur, então ele não o considerou uma ameaça em primeiro momento.
— Uma bela senhorita que está o acompanhando, hein!
Lumur pegou a mão de Brighid e beijou as costas de sua mão. Brighid deu um sorriso sem graça, mas logo tentou se esforçar para parecer mais convincente. Ela ainda não havia se acostumado a ser frequentemente cortejada por homens e até mesmo por algumas mulheres.
Colin cruzou olhares com Briana e de alguma forma estranha, ele se sentiu conectado a ela, como se já a conhecesse há anos. Ela sorriu para ele e ele engoliu o seco.
— Não deve ter sido nada fácil acompanhar minha irmã na jornada. — disse Lumur — Peço desculpas por ela.
— Porque você só não sai daqui? — perguntou Lina grosseiramente.
— E aí, pessoal! — disse Melin abraçando Lumur e Lina pelo pescoço — Olha só quem tá aqui, o grande Colin, o cara que reverteu uma sentença de morte proferida pelo próprio imperador hehehe, esse cara é uma lenda! — Ele desencostou dos irmãos e foi até Brighid, beijando as costas de sua mão — E quem é essa senhorita maravilhosa?
Lina pegou na gola do terno de Melin e o puxou para trás.
— Não viu que ela tá acompanhada, imbecil?
Melin olhou direito e viu Colin e ela de mãos dadas.
— Oh… me desculpa, Colin hehe, eu não sabia.
— Devia parar de avançar assim em toda mulher bonita que vê — Alertou Lina — Vai acabar se metendo em problema por causa disso, sabia?
— Está tão brava porque ninguém é assim com você? — perguntou Lumur.
Lina cruzou os braços e virou o rosto fazendo beicinho.
— Não se preocupa, irmã, um dia você acha um cara legal.
— Eu não estou atrás de homem! — respondeu irritada.
— Por isso você é tão amargurada. — Zombou Melin — Não concorda, Colin?
Colin coçou a nuca e olhou pro lado sem jeito.
— Bem… eu não sei o que dizer…
— Há há, olha só, Lumur, olha como ele tá nervoso, adoro esse cara!
Ao longe, Loafe estava sentado na cadeira bebendo seu vinho e observando Colin interagir com aquelas pessoas. Seu semblante estava bem sério, quase dava para sentir aquela raiva toda.
— Você tem que admitir. — disse Remora degustando seu vinho — O cara tem presença. Ele tá mais famoso que você. — Ela encarou Loafe com seu olhar provocante — O que vai fazer?
Loafe acabou seu vinho e apoiou a taça na mesa.
— Por que eu me preocuparia com uma barata?
— Pode até ser uma barata, mas essa barata está causando. Olha só para ele, um elfo que veio do nada interagindo de forma descontraída com dois membros do Lótus e com a imperatriz das sombras. Seu brilho está se apagando, sabia? O irmão de Anton fazia o mesmo antes de te derrotar no torneio de guildas do ano passado. Acho que a história está se caminhando para se repetir…
Loafe a encarou com ódio.
— Mais uma palavra e seus dentes vão voar pelo chão.
Remora abriu um sorriso e passou o dedo pelos lábios como se fechasse um zíper, e ficou ali, encarando o rosto de ódio de Loafe com um sorriso no rosto.
Mais ao longe, Millie, a secretária, conversava a sós com o diretor Hodrixey, que esteve fora resolvendo assuntos de extrema importância.
— Sua aposta parece estar funcionando. — disse Millie encarando Colin ao longe — Vai mesmo arrastar o garoto para isso? Não só o garoto, mas… todos esses alunos?
Hodrixey fez que sim com a cabeça e se ergueu.
— Isso é sobre o futuro, não só o futuro da capital ou de Ultan, mas da magia. Essas crianças são fortes e precisamos da força delas pro que está por vir.
Enquanto um grande festival acontecia entre a elite bélica da capital, algo acontecia um pouco longe dali, bem longe, mais precisamente no ducado que Colin e seus amigos estiveram anteriormente.
A viúva Mary havia se tornado duquesa através do voto popular, já que os moradores estavam descontentes com a administração do duque. Ela terminava de assinar alguns papéis enquanto bocejava. Aquela rotina de cuidar de toda burocracia do ducado era entediante, mas ela não se importava muito.
Quando estava quase caindo no sono, ela ouviu três batidas na porta.
Toc! Toc! Toc!
— Entre!
O duque entrou batendo a bengala no chão.
Mary nem sequer o encarou.
Investigando com os olhos, o duque se sentou na cadeira em frente a Mary.
— Soube que os principais comandantes dos dragões carmesins já se foram, só restaram os meros soldados.
Mary parou de assinar os papéis e encarou o duque.
— E daí?
— Acho que a gente pode parar de fingir, não acha? Você parece estar zangada desde que os pirralhos ferraram o seu plano de merda.
Mary abriu um sorriso de canto. Seu olhar era enigmático, diria que quase místico.
Seu rosto era simples, bastante atraente, mas simples, porém, se o encarassem por tempo demais, perceberiam que ali em meio a beleza, havia algo diabólico.
Havia uma alma tão fria quanto uma madrugada de inverno. Seus cabelos pretos que escorriam por seus ombros tinham um brilho incomparável, e sua pele era bem pálida, parecia que nunca havia sentido o sol sobre ela.
A postura dela naquele momento era a de uma rainha, uma mulher acostumada a ter tudo e todos a seus pés. Aquela mulher, sem dúvidas, estava longe de ser normal.
— Você sabe que eu estava só matando o tédio. — Disse ela dando de ombros — E, não deveríamos estar falando disso aqui, alguém pode nos ouvir.
O duque largou a bengala encostada a mesa e ficou de pé. Seu corpo pareceu queimar da cabeça aos pés, revelando um homem alto, cabelo escuro longo vestindo trajes de um aristocrata. Seu rosto era destacado com fortes maçãs, seu nariz era fino e empinado. Sua fisionomia lembrava um pouco Safira.
Ele apanhou uma folha na mesa de Mary. A leu, e a devolveu de volta a mesa.
— Assinar papéis, não acredito que está matando o tédio com isso.
Largando a caneta, Mary recostou cadeira e se espreguiçou.
— É tudo que posso fazer até as coisas ficarem prontas.
— Elas estão ficando, temos que partir amanhã caso a gente queira chegar na grande reunião a tempo. — Ele se sentou de volta na cadeira. — Por que não matou aqueles garotos? Seu plano de usar os vampiros para cutucar o império teria sido um sucesso.
Mary coçou a bochecha e deu de ombros.
— Chamaríamos atenção desnecessária.
— E desde quando chamar atenção foi um problema para você? A senhora amoleceu com o tempo, até está administrando um ducado, fazendo acordo com guildas e principalmente, fazendo acordos com o império que tanto detesta.
Mary franziu o sobrolho e encarou o suposto duque com a carranca sisuda. Não era uma encarada normal. Ali estava o semblante de alguém que odiava ser questionada.
— Você é o meu braço direito, mas ainda continua sendo meu subordinado, cuidado com a língua.
Ele engoliu o seco.
— Desculpe, senhorita Bledha.
Ela abanou as mãos.
— Não me chame por esse nome, agora sou Mary. E diga aos soldados da guilda que sobraram que partiremos em uma viagem amanhã bem cedo. Leve dois soldados para nos acompanhar. Não quero levantar suspeitas.
— Os Nortenhos confirmaram sua presença na reunião, assim como o filho mais velho de Jack Ubiytsy e o primogênito do imperador de Ultan. Sem falar, claro, na terceira geração dos vampiros. Tudo está ocorrendo conforme o planejado. Ainda acho uma má ideia chamar a terceira geração de vampiros. Aquele Graff é ardiloso.
— Não precisa se preocupar. A terceira geração sabe que se acabassem enfrentando a gente, os dois lados sairiam bastante prejudicados e Graff não quer colocar sua querida família em extinção.
O duque suspirou.
— Eu preferia que Ehocne usasse os portais… odeio andar a cavalo.
— Onde está seu espírito de aventureiro? Você nasceu naquele vale encantando rodeado de Asmurgs. Pensei que fosse comum vocês amarem a natureza.
— Eu odiava aquele lugar.
— Por isso fugiu?
— Sim, e me arrependo por isso.
— Ownt, vai chorar pela mamãe e papai de novo? Eles estão mortos, supera.
— Aquele errante filho da puta está com ela.
— Quem? Sua irmã que você jura estar viva?
Ele fez que sim com a cabeça.
— Foi Ehocne que disse. Uma Asmurg com as mesmas descrições de Safira estava no julgamento daquele errante. Parece que eles são bem próximos. — O duque cerrou os punhos de ódio — Eu podia simplesmente ir lá e buscá-la. Se eu tivesse a informação que aquele merda do Colin era o errante que estava com Safira, eu mesmo teria acabado com ele aqui.
— Ficou maluco? O errante de quem você fala é o bichinho de estimação da terceira geração. E você estaria arrumando briga diretamente com Ehocne por isso. Não quero começar uma guerra com eles por seus caprichos. Quero que fique quieto e se mantenha focado. Você pode ter sua irmã assim que tudo estiver resolvido.
Bledha se ergueu lentamente indo até à porta.
— Vou descansar e preparar um banho. Retorne a sua forma de velho ranzinza e vá fazer o que faz de melhor, reclamar.
O duque pegou a bengala na mesa e retornou a sua forma velha, colocando a cartola preta na cabeça.
— Então realmente vai começar, minha senhora?
— É, pode ter certeza que sim.