Guerra, o Legado no Sangue - Capítulo 7
— Estão vindo — disse Aren.
Rapidamente, o som das criaturas correndo pela mata alcançou os ouvidos de todos os guardas, porém a floresta não permitiu enxergá-las de imediato. Escutar a ameaça sem vê-la somente aumenta a tensão das pessoas que foram forçadas a lutarem por suas vidas.
Quando a primeira besta cinza se aproximou o bastante e se tornou visível sob a luz da lua, Aren gritou: — Fogo!!
Todos os guardas do quilombo dispararam ao mesmo tempo. As balas voaram em direção às feras e a fumaça da pólvora diminuiu ainda mais a, já baixa, visibilidade do campo de batalha.
Aren foi certeiro e cada disparo alcançava um dos inimigos, que tropeçavam e caíam sobre os quatro membros cada vez que eram atingidos.
Dezenas de disparos foram feitos pelos guardas contra as dezenas de criaturas que morreram no meio de suas investidas sanguinárias. Contudo, nem todas elas foram atingidas.
A vantagem de alcance e poder de parada dos guardas do quilombo era contraposta pela vantagem numérica dos monstros. Cada vez que alguém ficava sem munição ou parava para recarregar, mais as criaturas avançavam sobre eles. Pouco a pouco, a vantagem de distância foi perdida e eles foram obrigados a entrar em luta corporal.
Graças a troca feita mais cedo, existia pólvora o suficiente para disparar a munição que lhes restou. Porém, assim que uma pessoa era derrubada e cercada não restava outra alternativa além de usar a própria força.
O confronto se estendeu e chegou um momento onde todos, que ainda não tinham sido derrubados, ficaram sem balas. Para piorar a situação, aqueles que ainda tinham munição sobrando não podiam recarregar as armas, devido às feras que os atacavam.
Aren também ficou sem munição, porém as criaturas continuavam avançando em sua direção. Sem pensar duas vezes, ele girou a arma e agarrou o cano com as duas mãos. Com a coronha do rifle, acertou o crânio de um dos monstros, enquanto este saltava para pegar seu pescoço, e o arremessou por vários metros com o impacto.
Ao olhar para a criatura com o pescoço quebrado e o crânio amassado, Aren pensou: “Me sinto um homem das cavernas usando uma arma desse jeito… mas vai servir.”
Após diversos monstros terem sido abatidos, foi a vez dos guardas começarem a morrer. Parte das criaturas se ocupava em devorar os mortos, mesmo que o combate ainda não houvesse se encerrado, e a outra parte continuava os ataques naqueles que ainda não haviam cedido.
A luta se estendia e os moradores convertidos em soldados devido à necessidade, e em sua maioria sem treinamento adequado, iam caindo cada vez mais.
Após quase uma hora de confronto, mais da metade das pessoas do lado de fora já havia morrido ou fugido. Não que fosse um destino muito diferente, pois fugir sozinho para uma floresta infestada de monstros durante a noite não era a melhor das ideias. A fuga, contudo, parecia, aos olhos das pessoas desesperadas, mais seguro que o confronto direto.
Aren olhou ao redor e viu que as pessoas restantes estavam todas de pé ao redor dele, em uma formação circular. Agora que não tinham como disparar mais nenhum tiro e havia poucas pessoas restando, formações defensivas em linha eram inúteis contra os ataques dos pequenos e ferozes monstros.
Aren ficou bem no centro da formação e recebia o ataque de diversas criaturas de uma única vez, porém nem se mexia. Seu tamanho, peso e força acima da média ajudavam a manter o equilíbrio, então mesmo sendo atingido repetidamente ele era capaz de ser o pivô da defesa.
Vendo a resiliência do líder do quilombo, o restante dos sobreviventes não podia ficar parado. Copiando o que Aren fez anteriormente, os outros usaram suas armas como porretes, para acertar violentamente as criaturas que falharam em derrubar a muralha com dreadlocks no centro da formação.
Apesar do extremo cansaço e da ainda existente desvantagem numérica, ninguém mais foi derrubado após formação ao redor de Aren.
A sobrevivência parecia possível, porém repentinamente, gritos agudos foram ouvidos do centro do quilombo.
Diversas crianças estavam correndo, enquanto algumas criaturas as perseguiam.
— Esses filhos das putas deram a volta na gente e atacaram as crianças e os machucados que tavam dentro do prédio — disse uma das pessoas presente na formação.
— Vamô pra lá, rápido! — gritou Aren, que golpeava os monstros próximos para que o restante pudesse correr para perto do prédio e alcançar as crianças.
Ao se virar, Aren viu uma das crianças ser derrubada e cercada por três monstros, porém ela estava longe demais do círculo com o restante dos guardas.
Duas delas mordiam os braços da criança, que não deveria ter mais de seis anos de idade, e a terceira se preparava para abocanhar a cabeça do menino caído no chão.
— Tiooo — gritava o menino.
Aren congelou por um piscar de olhos, porém, mais rápido que sua pausa foi a velocidade com que correu em direção a criança no chão.
Os dentes da fera estavam a milímetros da cabeça da criança, quando Aren arremessou sua arma em direção ao crânio do monstro. Tonto pela arma que havia o acertado, a fera não conseguiu nem notar o que aconteceu sem seguida.
Aren se aproximou e em cada mão pegou um dos monstros que seguravam os braços da criança. Com uma força descomunal fez a cabeça dos três se chocarem. Sangue verde e pedaços de cérebro voaram em todas as direções.
A criança chorava enquanto falava, com muita dificuldade: — Tio… eu não quero morrer…
— Vai ficar tudo bem! Vai ficar tudo bem! — falava Aren, enquanto segurava a cabeça da criança com as mãos e olhava em seus olhos. Lágrimas de tristeza e ódio escorriam pelo seu rosto.
Mesmo que ele tivesse feito tudo o que conseguia, não foi o suficiente. As mordidas nos braços e os arranhões nas costas do menino não eram nada quando comparados a falta do corpo da cintura para baixo. A criança foi partida em duas e não havia mais como salvá-la.
E então, finalmente o menino parou de respirar. Aren fechou os olhos da criança com as mãos e se levantou novamente.
Com um grito de ódio, amaldiçoou todas as criaturas que destruíram sua casa e mataram sua família.
— Eu vou matar todos vocês… Nem que seja a última coisa que eu faça nessa merda de vida!!
Enquanto lamentava a morte da criança, diversas criaturas tinham se aproximado e estavam prontas para pular em Aren.
Quando voltou a si mesmo, notou os inimigos e que sua arma partiu quando foi arremessada. Agora restava apenas seu próprio corpo para se defender.
Ele adotou a postura típica de um capoeirista e esperou. Quando a primeira criatura saltou em sua direção, ele girou sobre seu próprio eixo e chutou o monstro a vários metros de distância. A criatura bateu com a cabeça na parede de uma das construções do quilombo e morreu instantaneamente.
Somente essa exibição de força já seria suficiente para exterminar o desejo de qualquer inimigo se aproximar, porém essas feras conheciam somente a violência e a fome. Assim que Aren se posicionou novamente, mais uma fera saltou. Elas vinham uma atrás da outra, apenas para terem o mesmo destino.
— Chefe, ta tudo bem ai? — perguntou uma das pessoas no círculo defensivo ao redor das crianças sobreviventes.
— Vai fica, assim que eu mata cada merdinha que passa pela minha frente!
Diversas criaturas saltaram em Aren, porém ele repeliu todas elas. O grupo que protegia as crianças também se mantinha firme.
As feras cinzentas repentinamente pararam de se mover e olharam fixamente para o mesmo local, em direção a luz avermelhada que manchava o véu negro da noite.
Instintivamente, as pessoas olharam para o mesmo lugar. Procurando entender o que estava acontecendo.
Aren aproveitou para descansar um pouco, porém logo em seguida tomou a ofensiva e, com golpes rápidos e devastadores, acertou as criaturas que estavam distraídas. A brecha permitiu a Aren matar mais uma dezena de criaturas.
— Se elas continuarem assim, a gente consegue sair sem mais nenhuma morte — disse Aren.
De repente, as crianças começaram mais do que antes.
— Che… chefe… olha ali! — disse um dos guardas.
Na direção da luz, para onde as criaturas olhavam fixamente, um ser idêntico às outras saía da floresta, exceto pelo fato de ser muito maior e ter um grande cristal vermelho brilhando no peito.. Enquanto a maioria dos invasores tinha metade do tamanho de um ser humano normal, aquela coisa tinha a largura de três homens adultos e mais de três metros de altura.
Repentinamente, um rugido animalesco, incomparável com o som de qualquer coisa que Lucas conhecia, ecoou pela floresta. As paredes tremeram e seu coração parou por um instante.
O enorme monstro parou por um instante e depois gritou. Seu grito parecia com um rugido, porém incomparável com qualquer coisa que as pessoas ali conhecessem. Todas as estruturas tremeram com a vibração e todas as pessoas abandonaram a esperança de sobreviver àquela noite.
— Cabô… a gente não tem uma mísera bala sobrando — disse a última mulher quilombola que sobreviveu até o momento.
Ou quase todas. Quando a moral estava pior do que nunca, Aren gritou: — Vocês vão desistir? Justo agora? Faz tempo que nenhuma daquelas coisas sai da floresta! São os últimos!
As pessoas se entreolharam, afinal Aren falou algo que fazia sentido, mas o tamanho da nova criatura e a falta de recursos impediu o restante de acreditar que era possível.
O líder do quilombo olhou para o grupo dos outros sobreviventes e notou que estavam todos preparados para desistir e fugir.
Não importa quanto ele tenha matado até então, pois sozinho não seria capaz de sobreviver até o dia seguinte. Como último recurso, Aren se ofereceu como isca.
— Eu cuido do grandão e vocês matam os outros. Quando sobrar só um, vai ficar bem mais fácil.
Não importava a força que esse homem mostrou até o momento. O novo elemento era muito maior que os outros monstros e sem dúvida nenhuma mais forte que qualquer ser humano.
“Eu disse que cuido daquilo ali, mas como eu faço isso sem morrer?”
Enquanto pensava, Aren olhou para a lança, repleta de algemas, que ficava exposta no quilombo como lembrança da época da escravidão.
— Tá aí a resposta.
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Do lado de dentro do prédio, Lucas via somente vultos na parte de fora, mas era suficiente para saber que a situação não estava boa.
— Parece que morreu a maioria, Ana.
— Morreu quem?? — perguntou Sophia, falando desesperada enquanto segurava a porta.
— Os guardas do quilombo. Acho que só tem uns 15 vivos, e, pelo tamanho, parece que tem algumas crianças com eles também.
— Aí não! Mas assim… morto bem morto ou só um cadin morto?
— E tem como morrer só um pouco? — perguntou Anahí.
— E… eu não sei!? Sei lá! Só tô querendo ficar viva aqui, tá bom?
Lucas permaneceu olhando pela janela e viu a mesma coisa que Aren e os outros. Após notar o tamanho da criatura que apareceu, disse: — Sinto muito interromper a conversa de vocês, mas parece que temos um problema bem grande lá fora…