33: Depois de Salvarem um Mundo - Capítulo 203
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Quadragésima Terceira Página do Diário
Após matar a saudade que eu nem sentia por Gruder, participar de uma briga de taverna, arremessar um anão pela janela, beber uma cerveja que tinha sabor de vômito, comer carne com gosto de terra, e dormir na calçada, finalmente rumei para a Montanha Solitária.
Não me pergunte como foi dormir na calçada, mas garanto que anões do Leste são ótimos travesseiros, apesar do cheiro não ser o melhor do mundo. Estar com alguns litros de cerveja barata no organismo ajuda a tolerar o cheiro ruim e o frio da noite.
Eu já havia bebido, mas não naquele tanto. Foi minha primeira ressaca, e pude entender por que pessoas que bebem com frequência são tão mal-humoradas.
Devido à minha condição, não consegui absorver muitos detalhes do que aconteceu. Parece que a minha memória captou apenas alguns momentos aleatórios para guardar e deletou todo o resto. Então consigo me lembrar apenas de vomitar atrás de uma carroça, levar um soco de alguém que não lembro quem era nem porque apanhei, e depois de ser jogado em uma carroça por Gruder.
Quando recuperei minha consciência por completo, já estava sob o sol quente, em uma carroça que balançava em alta velocidade enquanto era puxada por cavalos em meio às planícies cobertas de plantações típicas do Reino do Leste.
Eu estava indo para casa.
Conduzindo a carroça ia um homem de meia idade que usava uma roupa surrada e desbotada, com algumas partes cobertas por peças de couro batido, e uma espada curta na cintura.
O outro era mais jovem, cabelos claros e esvoaçantes, usando uma aljava com pelo menos duas dúzias de flechas e um arco curto. Suas roupas eram mais novas do que as do condutor. Era uma mistura de roupa de combate com terno verde. Melhor não tentar entender.
Meu cérebro ainda estava balançando, e a vontade de vomitar era horrível. Convenci meu estômago a ficar calmo, algo que aprendi nas aulas de meditação do Leste. Uma pena que nunca achei que seria útil, agora entendia que nem tudo era lutar, as vezes estar concentrado poderia ser mais útil.
Normalmente eu conseguia manter um foco quase perfeito durante as lutas, mas quando estava relaxado, acabava esquecendo dos meus arredores. Concentração significava estar alerta e ao mesmo tempo relaxado. Miraa dizia que guerreiros que atingem o auge da concentração conseguem se mover antes de pensar.
Eu precisava aprender isso.
Durante as lutas em que entrei, meu corpo parecia, por muitas vezes, se mover sozinho, agora eu tinha que fazer com que essa habilidade permanecesse mesmo enquanto eu não estava em uma situação de vida ou morte. Conseguindo, eu teria mais chances contra um ataque furtivo, por exemplo.
Agilidade, tempo de resposta, habilidade de esquiva e velocidade da liberação do Rancor; essas eram as minhas vantagens. Apesar de achar que, nos últimos anos, a minha agilidade diminuiu um pouco em relação à força.
Eu desenvolvi uma agilidade relativamente boa enquanto vivia nos subúrbios da Cidade de Prata, uma habilidade que me permitiu sobreviver nas ruas e conseguir alimento para mim e as outras crianças. Era algo necessário para roubos e fugas, mas agora eu lutava mais à curta distância, precisava mais de força para bater do que agilidade para fugir.
Pensando bem, meus inimigos que acabavam fugindo, na maioria das vezes. Na minoria, eu os exterminava antes que conseguissem pensar na fuga.
Esses eram meus pontos fortes, no entanto, ainda havia uma dúzia de pontos fracos que eu teria que corrigir para continuar sobrevivendo: o primeiro era minha mania de pensar com os punhos, minhas estratégias eram aleatórias e geralmente davam errado.
Atrelado a isso, tinha minha falta de paciência. Uma capacidade mínima de manter a cabeça fria frente a provocações. Esse seria, talvez, o primeiro ponto que eu tinha que melhorar.
O terceiro ponto era minha postura. Não postura física, apesar de eu andar com os ombros meio encolhidos, mas postura como um dos Filhos do Leste. Eu precisava melhorar a minha atitude para ser condizente com a minha posição social.
Mesmo depois de três anos que fui adotado por Miraa, eu ainda me comportava como um órfão sem-teto, falava como um bandido de rua e me vestia como um suburbano.
Lembrei de como todos respeitavam Miraa. Ela sempre estava bem-vestida, não importando a ocasião. Mesmo que seu corpo estivesse coberto por sangue de seus inimigos, ela ainda transparecia elegância.
Decidi que esse seria o segundo ponto a melhorar. Me tornar estrategista poderia esperar mais um pouco, já que era o mais difícil
Acho que foi a primeira vez que parei para pensar nas minhas próprias habilidades e limitações. De certa forma, senti que estava melhorando, agora eu sabia quem era e lembrava do meu passado. Faltava entender o motivo pelo qual fui trazido a esse mundo e como eu me relacionava à tal profecia dos heróis que estavam destinados a salvar esse mundo.
Salvar…
De quê? Ou, de quem?
Deixei meus pensamentos vagarem um pouco. Senti meu cérebro normal, o efeito da noite anterior me deixarem por completo. O sol já estava baixo, o que indicava que já passava das quatro da tarde.
Mais dois dias até chegar ao centro do reino, onde ficava a Montanha Solitária. E sabe se lá que merda Yobaa estava aprontando. Um golpe de estado? Ele estava ficando louco? É certo que ele é o menos favorito dos meus irmãos adotivos, mas não precisava chegar a esse nível.
Ele achava que eu havia começado a guerra por conta própria, mas minhas ações sempre estiveram de acordo com os planos de Miraa. Se bem que os heróis, ou pelo menos a maioria deles, achava que eu era um risco iminente.
A não ser que essa fosse a minha função no universo.
Eu deveria ter sido trazido a esse mundo para começar a guerra? O ser misterioso que conheci na Grande Falha e me deu poderes estaria por detrás dos bastidores, manipulando tudo para que os heróis se matassem e eu fosse o centro de tudo?
Até que fazia sentido.
E eu estava mais uma vez sendo usado. Era assim que todos pareciam me ver: Uma ferramenta para executar seus planos de… seja lá o que estivessem planejando.
Foi assim que eu decidi agir como pilar central dessa tal guerra profetizada. Mas não faria como os outros esperavam, eu tomaria o controle e faria do meu jeito. E o primeiro passo seria colocar Yobaa em seu devido lugar.
Depois eu usaria minhas conexões em todos os reinos, através das Pessoas Livres, meus olhos e ouvidos, para espalhar as notícias da guerra. Faria os sete reinos entrarem em uma batalha simultânea.
E por fim, encontraria uma forma de voltar para casa, levando meu pai e Zita. Um final feliz perfeito para mim. Quanto aos outros heróis, que se matem, não me importo.