33: Depois de Salvarem um Mundo - Capítulo 202
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- Capítulo 202 - Quadragésima Segunda Página do Diário
Quadragésima Segunda Página do Diário
Caminhei por três dias em direção ao sul, só parando para descansar à noite. Meu corpo estava tão bem que quatro horas de sono eram suficientes, o que eu achava estranho, já que as outras pessoas necessitavam de pelo menos seis.
Miraa sempre dizia que o ideal eram oito horas de descanso por noite, apesar de que muitos nobres dormiam mais de dez horas — mas isso é vagabundagem deles — e mesmo assim, quatro horas sempre foi o suficiente para mim.
Inicialmente era por causa dos pesadelos e vozes das pessoas mortas que eu ouvia constantemente, no entanto, desde que eu havia chegado nas ruínas do antigo Reino de Pedra, minhas perturbações mentais foram lentamente se extinguindo. Agora eu podia dormir e acordar sem ter um pesadelo sequer.
Nem mesmo as vozes das pessoas que matei pareciam me perturbar mais. Isso era uma coisa boa, principalmente se eu considerasse o meu primeiro destino. Se minha mente estivesse o mesmo turbilhão de antes, eu poderia sucumbir à loucura no primeiro momento que pisasse naquela cidade.
Aquela cidade…
Calçamento em pedras retangulares, casas com mais de um andar dispostas ao redor de uma praça central circular, várias hospedarias e tavernas nos quarteirões mais afastados do centro. Uma infinidade de carroças do tipo utilizada em transporte de grãos transitava em vários sentidos, e pessoas pareciam negociar qualquer coisa no meio da rua.
Tremi ao lembrar que já estive ali. A cidade mais ao norte do Reino do Leste. Encravada entre a Grande Falha e a Cordilheira Escaldante. Uma das três rotas que ligavam o Leste ao resto do continente, e a antiga rota de tráfico de pessoas escravizadas.
Dois anos antes eu estive ali mesmo, de pé naquelas ruas, procurando salvar vidas e libertar escravos. E mesmo tendo toda aquela carga de memória ruim da minha primeira passagem pelo local, apenas guardei um nome: Finii!
Não lembrava o nome da cidade, ou do magistrado que matei, ou de qualquer outra pessoa que tenha perdido a vida por minhas mãos. Percebi o quanto havia deixado me levar pelos meus sentimentos ruins naquela vez, isso era uma prova de que eu estava aos poucos me entendendo melhor.
Controlar minha raiva é controlar meu poder.
Deixei um pouco da névoa escura sair e envolver minha mão apenas para confirmar que mesmo com meus sentimentos tranquilizados o meu poder ainda seria útil. Uma manopla se formou em torno de meus dedos, o que provara que eu estava ainda mais forte que dois anos antes.
O tempo passou tão rápido para mim, mas aquela cidadezinha continuava exatamente igual. Até mesmo a taverna onde Shiduu me levou ainda estava igualmente acabado e nojento.
Foi ali que eu vi um anão ser arremessado pela janela, uma cena inesquecível.
Aquela memória me fez sorrir, era a única coisa boa que eu lembrava daquela aventura. E talvez a nostalgia tenha me movido por conta própria, pois, quando me vi estava entrando no local. Claro que eu não tinha dinheiro, muito menos gostava de cerveja, mesmo assim não resisti ao impulso.
Assim como da primeira vez, o cheiro forte de álcool, suor e comida podre me atacou assim que entrei. A falta de iluminação, a quantidade de pessoas, e o barulho alto que sufocava a tentativa de ter uma música no local me deixaram meio tonto. Exatamente a mesma sensação que tive na primeira vez.
Atravessei o ambiente, desta vez observando as pessoas que estavam ali. Por mais que ainda fosse dia, estava bem cheio. Em parte, graças ao fato de que aquela cidade era um dos mais importantes pontos de apoio nas rotas comerciais, então nunca faltavam pessoas negociando.
Após cruzar totalmente o lugar, parei perto de uma mesa onde apenas um homem estava sentado. Ele vestia um sobretudo surrado, e tinha os cabelos escuros bem desgastados. Sobre a mesa de madeira desgastada havia uma caneca de cerveja e um prato com castanhas assadas.
Outra cena que parecia estar se repetindo na minha memória.
Por um segundo duvidei da minha sanidade, parecia estar preso em uma memória do passado. Só não acreditei nas minhas suspeitas porque o homem estava mais velho e com a barba levemente grisalha.
— Chefe! — Ele exclamou ao me ver.
Chefe? Ah sim. Lembrei. Ele era um rato, e como toda a rede de informações dos ratos estava sob o comando de Adênia, alguns deles tinham a mania irritante de me chamar de chefe.
— Ah… Oi Gruder! — Cumprimentei o informante oficial — Como está a vida?
— Está bem, casei com uma das meninas que vocês libertaram da mansão naquela vez, tivemos um filho… — Ele parecia bastante animado por me ver, já que falava bem rápido e com bastante entusiasmo, mas parou e voltou ao estilo sóbrio de diálogo — E você, Chefe? Por onde andou? Todo mundo está morto de preocupado com o seu sumiço repentino, ainda mais com a situação no Leste…
— Que situação? — Me inclinei sobre a mesa em direção a ele.
Normalmente, informantes costumavam cobrar por informações, mas aquela era uma má notícia, e pelo que parecia, todo o continente já sabia. Apenas eu, em minhas férias românticas com Zita, fiquei desatualizado dos problemas que estavam ocorrendo no Leste.
— É o Yobaa! — Gruder explicou — Na verdade, começa com você, mas agora é o Yobaa…
— Mas o que tem eu? — Faziam meses que eu não via Yobaa, não entendi o que eu e ele tínhamos em comum além do fato de ambos terem sido adotados por Miraa.
Se considerar que Yobaa era o menos favorito dos meus irmãos adotivos, qualquer merda que ele fizesse, eu adoraria saber para poder esfregar na cara dele na primeira oportunidade. Não achem que eu esqueci da vez que ele me derrubou e pisou na minha cabeça!
— Depois que você deu aquele showzinho no Reino de Prata, o último deles, quando o rei foi assassinado e tudo mais, meio que iniciou uma guerra entre os dois reinos… — Gruder começou a explicar do começo.
— Os dois reinos já estavam em guerra, apenas não haviam começado as batalhas. — Tentei me defender — Mas onde entra o Yobaa na situação?
— Yobaa acha que a culpa é sua e se rebelou contra Miraa por te defender…
— Aaaah… — Tentei juntar as peças dentro da minha cabeça — Mas iniciar a guerra é plano dela, não meu. Eu nem entendo como essas coisas complicadas funcionam, me mandaram roubar uma semente que parecia um ovo, depois me mandaram resgatar escravos, e nem fui eu que matou o rei Guts!
— O problema é que agora o Leste está com duas batalhas ao mesmo tempo. — Gruder suspirou — O Reino de prata está pressionando na fronteira, e Yobaa e muitos seguidores estão tentando um golpe de estado na Montanha Solitária.
Não disse nada, apenas tentei juntar tudo aquilo na minha mente e entender. Chegar a uma conclusão racional nunca era meu forte, eu teria que confiar nas pessoas mais inteligentes.
— Preciso ir para a Montanha Solitária! — Murmurei.
— Não se preocupe com isso, Adênia já repassou pela rede de informantes que que te encontrasse primeiro deveria conseguir uma forma de enviar você para a capital do reino o mais rápido possível e depois seremos recompensados…
Percebi um toque de ganância no olhar dele, não que eu esteja julgando, aposto que ele percebeu que eu estava com meu olhar maníaco de quem aguarda uma boa porradaria em breve.