33: Depois de Salvarem um Mundo - Capítulo 198
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- Capítulo 198 - Quadragésima Página do Diário - parte 1
Quadragésima Página do Diário – parte 1
Lembrei.
Tudo que havia se tornado um borrão, voltou à minha mente.
Todas as lembranças que eu havia perdido, tudo sobre mim e que eu era. Lembrei de minha família, meu passado e tudo que aconteceu antes de eu chegar àquele mundo.
Minha mãe, meu pai, minha irmã, nossa casa, meus colegas de escola, até mesmo a vizinha fofoqueira. Lembrei de como eu sofri bullying na escola devido ser o menor da turma e minha irmã me protegeu…
Lembrei que foi Anne, ela parecia querer chamar a atenção toda para ela, então me usava como saco de pancadas. Por isso ela parecia me odiar mais do que os outros, ela lembrava de mim e de como ela falhou em me destruir na infância.
Mas a memória mais importante foi a do dia que tudo deu errado. O dia em que a minha família e toda a minha vida foi destruída. E essa era a memória mais vívida de todas.
Lembro que eu estava animado para conhecer o trabalho da minha mãe, mesmo não entendendo o que ela fazia, achava muito legal todos aqueles equipamentos cheios de fios e luzes piscantes.
Estávamos todos lá. Minha mãe mexia em um monte de botão, me pai mexia em uma chave estranha que estava bem no meio da sala, e um homem que trabalhava com ele o ajudava, enquanto eu, minha irmã e a filha do amigo do meu pai assistíamos da sala ao lado, que era separada por um vidro grosso.
Como aquilo tudo parecia chato demais, principalmente por eu não fazer ideia do que se tratava, peguei meu game pocket de 1001 jogos e escolhi “Super Luigi World” para jogar. Era meu joguinho favorito.
Enquanto eu me entretia fugindo de fantasmas e peixes assassinos em busca de salvar uma princesa em um mundo digital, os adultos continuavam a mexer em seja lá o que fosse que faziam. Até que a energia acabou, a escuridão tomou de conta das salas, e a única fonte de luz era a tela do meu mini game.
Não.
Havia uma outra fonte de luz. Era fraca, mas estava lá. No meio da outra sala, onde meus pais estavam, a chave que meu pai havia trazido de uma escavação onde participou, estava brilhando.
E mais ainda, seu brilho aumentava a cada segundo, pulsando como se fosse viva, até se tornar insuportável de continuar olhando. Eu nem havia percebido que deixei o mini game cair e estava encarando aquela luz cegante pelo vidro blindado.
Aquela luz parecia me chamar.
Então acordei em meio a escombros cheios de fios elétricos faiscando, fumaça e poeira cobriam praticamente tudo, e a as poucas luzes de emergência que sobraram estavam tão distantes, que a única coisa que eu conseguia ver com exatidão eram as silhuetas e a chave brilhante que flutuava no meio da segunda sala.
Senti um gosto estranho na boca, o que imaginei que fosse sangue. Além disso, estava me sentindo muito tonto e minha noção de equilíbrio estava afetada. Minha respiração também estava ruim, doía a cada vez que eu tentava inalar o ar.
— André…
Ouvi a voz do meu pai. Uma voz fraca em meio à escuridão e a poeira. Os passos indicavam que ele vinha em minha direção, mas o que eu vi foi uma figura translúcida. Parecia estar bem na minha frente, mas ao mesmo tempo parecia não estar.
—… você está bem? — A voz quase inaudível do meu pai parecia ainda estar falando comigo.
— Ah… E-eu… — não consegui dar uma resposta exata.
E ele não estava mais lá. Seu corpo, sua voz, seus passos… tudo sumiu. Por alguns segundos ficou apenas um silêncio, que de vez em quando era quebrado por faíscas elétricas. Até que outra pessoa falou:
— Alice? — Era a voz do amigo do meu pai — Onde você está? Está tudo bem?
Ele entrou no que sobrou da segunda sala, e mesmo havendo pouca luz, consegui ver que ele estava muito destruído. Faltava um braço e uma parte do seu rosto, mesmo assim o homem andava como se estivesse tudo bem.
Se agachando o lado da sua filha desacordada, ele fez um carinho na cabeça da garota, em seguida começou a sumir e aparecer, como se ficasse invisível por meio segundo. Então ele olhou para a minha direção e disse:
— Acho que a sua irmã também foi atingida, mas você, sua mãe e a minha garotinha ficarão bem…
Após ouvir essas palavras, olhei para o canto da sala, onde estava minha irmã, desacordada.
— Julia! — Corri até ela — Acorda… o papai… ele…
O corpo de Maria Julia também estava sumindo e aparecendo como aconteceu com meu pai e o amigo dele. Tentei tocar nela, mas seu corpo não voltou, ela havia sumido de vez.
— Mas que merd… — Era a voz do amigo do meu pai, essa foi a última coisa que ele disse antes de sumir de vez.
Eu já estava desesperado, mas ver as pessoas desaparecerem no ar, bem diante dos meus olhos, me deixou atônito. Cada vez arfando mais em busca de respirar, enquanto aquele ar denso de poeira castigava meus pulmões, corri para o que sobrou da outra sala, em busca da minha mãe.
Aquele homem que eu não lembrava o nome dissera que ela ficaria bem, então me agarrei a essa esperança. Depois de ver meu pai e minha irmã desaparecerem, não sei o que poderia acontecer se perdesse a minha mãe.
Mas ela estava bem, quem não estava era eu.
Devido à quantidade de poeira que respirei, desenvolvi uma inflamação pulmonar, que foi se agravando cada vez mais, até que três meses após o incidente, entrei em coma.
Nos três anos seguintes a minha vida se resumiu a poucos momentos de consciência, seguidos por cada vez mais longos períodos de coma. A cada vez que eu acordava, via minha mãe mais abatida, mais magra, e com olheiras enormes.
Até que cheguei no meu limite, era meu aniversário de 12 anos, eu estava gastando todas as minhas forças para me manter acordado, queria passar aquele dia com ela, sabia que não havia condições para continuar vivendo por muito mais tempo.
Minha mãe chegou cedo no hospital onde eu estava. Passamos o dia jogando videogame e comemos bolo de macaxeira. Minha mãe cantou minhas músicas favoritas, que a gente poderia ter ouvido na internet, mas eu preferia na voz dela. Até anoitecer.
Ela ficou comigo naquela noite, deve ter conseguido alguma permissão especial do hospital. Eu pedi uma música a mais para dormir, já estava tarde, e ela cantou. Era a música favorita dela, uma canção de amor, que falava sobre um novo mundo, e como a distância e o tempo não são capazes de destruir um amor verdadeiro…
Então, começou a ficar frio, os sons que eu podia ouvir estavam longe, sentia meu corpo como se estivesse flutuando, cada vez mais ficava silencioso, até que quase não podia ouvir nem mesmo meus pensamentos.
Eu morri.