33: Depois de Salvarem um Mundo - Capítulo 168
Dúvidas de Felipe
— Você ainda está escondendo informações. — Felipe sorriu e encarou Ferdinand — Por exemplo, na conta dos deuses, só deram 31. Quem é o trigésimo segundo? E mais importante, se foi o tal Guardião que deu os poderes a vocês, como conseguiram prender ele?
Felipe observava o homem à sua frente com toda atenção na esperança de tirar alguma informação extra. Qualquer movimento, uma demora no piscar de olho, ou o menor movimento nos cantos dos lábios podia ter algum significado oculto, e Felipe ansiava por isso.
Os deuses tinham segredos, e ele queria saber de todos.
Uma pena que aquela pessoa era extremamente difícil de ler. Seus movimentos eram precisos e rápidos demais, muitas vezes até impossíveis de serem vistos. Outras vezes ele fazia umas expressões sem sentido…
Ou será que tinham sentido, e Felipe era quem não conseguia descobrir o significado?
Como quando Ferdinand olhou para o lado, onde não tinha ninguém, e sorriu. Ele parecia estar vendo uma pessoa diante de si, como se pudesse se comunicar com lugares distantes.
E quem disse que não podia?
Ele era a porra de um deus! Claro que fazia sentido ver o que acontecia na porcaria de outro lugar, isso era a tão sonhada Onisciência. Por isso ele conseguia saber coisas que ninguém mais sabia.
— Ela vai ficar bem. — Ferdinand comentou enquanto se voltava em direção a Felipe.
— Ela? — Felipe questionou com apenas uma palavra.
— Minha filha. — Ferdinand deu de ombros — Eu resolvi dar uma olhada em como ela estava, encontrei ela dormindo.
— Então você estava mesmo usando a sua onisciência enquanto conversamos. — Felipe deu um risinho — Que falta de respeito com seus convidados.
— Desculpe, eu precisava atestar a segurança da minha filha no meio daquele caos.
— Aconteceu algo que deveríamos saber? — Shiduu perguntou.
— Não que deveriam saber, mas também não deveriam NÃO saber.
— Isso é confuso. — Shiduu resmungou.
— Em resumo, minha filha foi capturada pelas suas pessoas, mas ela vai ficar bem.
As palavras de Ferdinand foram seguidas por alguns segundos de silêncio.
— E isso não deveria ser ruim? — Shiduu estreitou os olhos — Digo, nas Pessoas Livres tem a Brogo, e ela é meio psicopata às vezes. E se a sua filha cair nas mãos dela ou da Rubi, que é guarda da Esmeralda, vai dar merda.
— Um pouquinho de tortura pode ser bom para o crescimento dela… — Ferdinand sorriu.
— Você não é lá o melhor pai do mundo, sabia? — Shiduu estava indignada.
— Estou mais interessado em como você consegue “ver” tão longe. — Felipe juntou as duas mãos na frente do rosto.
— É algo que você vai descobrir com o tempo.
— Ótimo. — Felipe se ajeitou na cadeira e cruzou os braços — Agora me responda à pergunta, porque está enrolando há uns minutos.
— Vamos começar do início de tudo. — Ferdinand arrumou sua postura e expressão — Acredito que não preciso explicar que existem infinitos mundos coexistindo, certo?
Cada um desses mundos surgiu de uma forma diferente, e suas evoluções se deram de forma espontânea. Então, para garantir a estabilidade de cada um desses mundos, a existência superior do universo escolheu um guardião. Uma espécie de deus original.
Sua existência era desconhecida no nosso mundo, então nosso povo vivia em guerra, por pura ignorância. O egoísmo é o maior motivo de todos os conflitos humanos, não importa o mundo.
O Reino de Prata, por ficar no centro do continente, era o mais seguro contra os ataques que vinham por mar. Por isso, durante o meu reinado conseguimos evoluir e nos tornar o reino mais rico.
Éramos os responsáveis por manter a produção de alimentos e fornecimento de armas para os demais reinos. Éramos o centro das atenções. Éramos o auge da estupidez humana…
Só que nunca vimos isso. Não era possível para pessoas que conheciam apenas a guerra, compreender assuntos que estavam além do seu tempo. E eu, o rei daquele povo, me considerava o mais sábio entre os homens. E talvez até eu fosse, considerando o nível médio de inteligência da época.
Quando o Lizanos, um povo já extinto, tentou invadir o Reino de Pedra, nos vizinhos, eu ofereci ajuda. Eu pedi metade do Reino de Pedra em troca de protegê-los, o que eles aceitaram a muito contragosto.
Então mandei meu guerreiro de maior confiança para cuidar do assunto, Jafah.
Ele conseguiu proteger aquelas terras ao custo de metade das vidas dos meus soldados, mesmo assim foi considerado um “herói”. Jafah, O Herói Guardião. Só depois de um ano foi revelado que ele havia sido abençoado com um poder.
Depois de Jafah, outras pessoas começaram a surgir com poderes.
Até que um dia ele apareceu pare mim. Um ser sem forma, sem voz, sem presença, mas eu sabia que ele estava ali. E ele me ofereceu a chance de ter mais conhecimento do que jamais sonhei.
Cego pela ambição, eu aceitei. Somente de posse de tanto conhecimento fui capaz de compreender o quanto errado estava aquela sociedade decadente em que vivíamos. Foi aí que comecei a perceber o quanto de podridão existia nas pessoas ao meu redor.
Éramos ao todo vinte e oito escolhidos, até que o Guardião criou a partir da sua própria alma três outros, estes eram chamados de Filhos do Vazio. Eram humanos, mas não haviam “nascido”. A estes foram dados poderes sobre o fogo, o vento e o raio.
E um trigésimo segundo foi escolhido sem que percebêssemos. Um dia éramos trinta e um, e do nada nos tornamos trinta e dois. E antes que fôssemos capazes de descobrir o que havia acontecido, o Guardião nos pediu que devolvêssemos os poderes.
Nenhum de nós concordou, nem mesmo aqueles que foram criados por ele. Então no rebelamos, lutamos, destruímos, eliminamos povos e obliteramos continentes inteiros. Até que chegou a mim o conhecimento de que havia uma forma de roubar o lugar do Guardião.
Cada um dos mundos possui uma centelha única cujo poder é puramente “energia da criação”, a mesma energia que pode se converter em massa para gerar um universo inteiro. E de posse dessa forma de poder, poderíamos selar o Guardião.
Não foi fácil acessar a energia da criação, e precisamos da união de todos os trinta e dois. Durante a missão que durou alguns bons anos, ficamos velhos, brigamos entre nós mesmos, criamos inimizades eternas e tentamos matar uns aos outros por mais de vinte vezes.
Foi incrível ver que que conseguimos acessar a fonte de energia desse mundo e prender o Guardião sem nos matar. E nesse meio tempo conseguimos roubar a imortalidade, que era o maior dos tabus para humanos.
Foi quando nos tornamos deuses.
Ficamos satisfeitos, afinal nos tornamos o ápice da humanidade. Mas não demorou muito até começar a surgir os problemas. E o resto da história vocês já conhecem.
— Então podemos afirmar que o “poder” do André é energia da criação? — Felipe disse, esfregando o queixo.
— Energia da criação na sua forma mais pura. — Ferdinand assentiu.
— E isso é algo muito perigoso.
— Tanto para o usuário quanto para quem tentar algo contra ele.
— Defina “perigoso para o usuário”. — Felipe estreitou os olhos.
— A energia vai se alimentar do corpo dele na mesma intensidade que ele usa ela.
— Então se ele usar o poder, o poder tenta matar ele? — Valmir perguntou.
— Na teoria, o único motivo para o amigo de vocês ainda estar vivo é porque o Guardião deu a ele uma maldição que o impedia de morrer. Mas agora que o Guardião está livre, a criação vai tentar devorá-lo.
— Isso é horrível! — Shiduu estava chocada.
— Calma, ele é mais forte do que parece. — Maria Julia disse, com uma expressão calma.
— Você é quem deveria estar mais preocupada! — Shiduu reclamou com a garota — Esqueceu que você é irmã mais velha e mãe adotiva dele?
— Por isso mesmo eu acredito que o André vai conseguir terminar a missão.
— Missão? Que missão? — Felipe voltou-se para Maria Julia.
— Você passou muito tempo fora desse mundo, não deveria estranhar que haja coisas as quais desconheça.
Felipe estava insatisfeito com a resposta, mas não tinha interesse nenhum em discutir. El apenas soltou um “humpf” e se virou mais uma vez na direção de Ferdinand, perguntando:
— E quem é o trigésimo segundo?
— Não sei. — Ferdinand deu de ombros — Toda vez que tento pensar nisso eu esqueço o que estava fazendo, acredito que haja algo…
Ferdinand não terminou a frase, apenas olhou para os lados como se procurasse alguma coisa.
— Do que a gente estava falando mesmo?
— Tá de sacanagem! — Felipe ficou surpreso.
— Eu tenho uma pergunta. — Valmir levantou a mão — Como saímos daqui?
— Pela porta. — Ferdinand apontou para o lado de Valmir e lá havia uma porta. Não estava ali segundos antes, mas ninguém estava a fim de perguntar como aquilo era possível.
— Mais alguma pergunta? — Ferdinand suspirou.
— Só uma, — disse Felipe — o que vai fazer agora?
Ferdinand levantou-se, caminhou até a porta e girou a maçaneta.
— Eu vou visitar a minha filha, tenho muitas coisas para explicara a ela.
— É bom mesmo. — Valmir se levantou espreguiçou — A garota é traumatizada, se puder contratar um psicólogo…
— Valmir! — Felipe reclamou.
— Tá bom, chefe. Parei.
Quando Ferdinand abriu a porta, um brilho forte obrigou todos a fecharem os olhos. Quando eles abriram novamente, se viram no meio do acampamento das Pessoas Livres do Leste.
Não apenas haviam voltado ao continente, como também voltaram às suas formas reais. Shiduu era a que perecia mais aliviava com isso.
— Esse é o meio de transporte mais prático que já vi! — Valmir disse, animado — Vou dar cinco estrelas e deixar um comentário positivo no APP.
— O que isso significa? — Shiduu perguntou para Maria Julia, que havia voltado à sua forma de Miraa.
— Sei lá. — Maria Julia respondeu — Passei muito tempo fora do meu mundo, posso estar desatualizada das expressões populares. Por falar nisso, vou dar um abraço na minha mãe. Espero que ela não me ache estranha…