33: Depois de Salvarem um Mundo - Capítulo 166
Ataque Surpresa
Uma vitória e uma derrota em poucos minutos.
Alice havia conseguido realizar seu sonho de vencer um herói quando esquematizou e pôs em prática o assassinato de Elizabeth. Bem que ela gostaria de ter feito pessoalmente, ainda bem que desistiu no último segundo.
Aqueles bravos soldados tiveram um fim rápido.
Em contrapartida, ela havia perdido a arma de alto calibre que teve tanto trabalho para conseguir. Aquelas balas também foram complicadas de fabricar, dada a densidade da liga metálica do projétil e o combustível usado na explosão.
Perder a arma foi um prejuízo desgraçado. Ritter ia ficar chateado e reclamar por pelo menos um dia inteiro, sem contar aquele outro Cavaleiro de Prata, o original, o cara tinha insistido tanto para não lutarem contra os heróis.
“Vocês são apenas a distração. Mantenham eles ocupados, mas evitem o confronto”.
Mesmo que ele tivesse repetido isso tantas vezes, Alice precisava provar para si mesma que era capaz de vencer. Uma pena que o tiro que era para ter acertado aquele tal André errou, ou sua noite estaria completa.
Depois de tudo, ela merecia uma boa noite de descanso. Não havia com o que se preocupar, os heróis estavam encurralados em um acampamento primitivo mal iluminado por tochas e fogueiras, enquanto os soldados da Aliança tinham os melhores equipamentos tecnológicos de segurança.
Se fossem atacados à noite, os soldados de Alice teriam toda a vantagem.
Por isso mesmo ela estava indo dormir em sua tenda particular. Uma pena que, mesmo com todo o conforto possível, não dava para tomar um banho relaxante. Alice apenas tirou sua armadura, apreciando o movimento das escamas metálicas se agrupando como se tivessem vida.
Uma maravilha da tecnologia moderna. Cada uma daquelas pequenas escamas era na verdade uma partícula nanotecnológica que interagia em coletivo através de uma prótese neural instalada no crânio de Alice.
Em resumo, apenas ela poderia usar aquela armadura.
Aproveitando a privacidade da solidão fornecida por sua tenda pessoal, Alice tirou quase toda a roupa, permanecendo apenas de calcinha. Por mais que o Sul do continente fosse mais frio do que o acampamento anterior, ela não se importava. Sua terra natal também era fria.
Por estar acostumada a dormir em sacos de acampamento desde a infância, graças às mais bizarras viagens ao lado de seu pai, ela nunca estranhou o item. Depois do misterioso desaparecimento de Ferdinand, aquela era uma forma de lembrar dele.
Em seus sonhos ela sempre encontrava com o velhote. Aquele homem que parecia saber todas as respostas para todas as perguntas. E naquela noite não foi diferente, ela o viu mais uma vez. Um sonho tão real que ela podia sentir seu cheiro.
Ferdinand estava sentado em uma cadeira dourada, que mais parecia um trono, e haviam quatro pessoas ao seu redor. Alice não era capaz de discernir quem era as pessoas ao redor de Ferdinand, mas tinha a sensação de que as conhecia.
Ferdinand parecia contar algo às pessoas ali, algo muito importante pela sua expressão. Por mais que ela se esforçasse, as palavras dele não alcançavam Alice. De repente ele virou para ela e sorriu.
Sons de tiros a tiraram daquele sonho estranhamente bom. Gritos, disparos e explosões ecoavam por todos os lados no acampamento. Eles estavam sob ataque, não restava dúvidas.
Saindo do saco de dormir em apenas um segundo, Alice abriu a mão direita em direção a onde a armadura desmontada estava, no mesmo instante as peças de metal foram em sua direção e cobriram seu corpo.
Centenas de escamas se juntaram a partir do pulso e formaram uma lâmina curta, entretanto, suficiente para abrir passagem pela lona da tenda. Ela não estava com paciência para abrir aquele zíper chato, e nem tinha tempo.
Assim que colocou metade de seu corpo para fora, um corpo passou voando e girando, não a acertou por pouco e caiu muitos metros longe. Não deu tempo de ver se era um aliado ou um inimigo, a escuridão noturna não ajudava muito, e não importava, aquele ali estava morto.
Em vez de se preocupar com o que não tinha mais jeito, Alice preferia achar de onde vinha o ataque, o que não demorou muito. Vinha de todos os lados ao mesmo tempo, o que era péssimo dadas as circunstâncias.
Alice começou a correr pelo acampamento tentando encontrar uma forma de agir. Os inimigos pareciam ser invisíveis, ela conseguia identificar os ataques, mas não as pessoas que atacavam. E onde estava a vantagem noturna da sua equipe?
Os holofotes que sustentavam a iluminação do acampamento haviam sido destruídos, a formação defensiva parecia não existir mais, e as tendas estavam, em sua maioria, reviradas. Parecia que um trator dos grandes tinha passado por ali.
Era esse o efeito de subestimar a magia?
Um raio atingiu um soldado poucos metros à frente de Alice. Morte instantânea, sem tempo sequer para reagir. Espinhos de terra surgiam de todos os lados destruindo tudo.
De vez em quando, corpos de soldados eram arremessados em diversas direções. Uma lança de gelo passou por trás dela e acertou a antena que serviria para comunicação quando estivesse pronta. Por fim, um som agudo chegou aos seus ouvidos deixando Alice sem equilíbrio.
Quando ela finalmente se recompôs, viu uma criança de pé à sua frente. Era apenas uma menina com idade em torno de seis anos, de vestido, com um chapéu pontudo e segurando um cajado, uma espécie de fantasia de bruxa. A criança apontou o cajado para Alice e um brilho iluminou tudo.
Quando ela abriu os olhos novamente, seu corpo estava muito longe da criança. Se não fosse por sua armadura, Alice estaria morta. Com certa dificuldade ela se levantou, mas antes que se colocasse em postura adequada, seu peso aumentou ao ponto de seus joelhos não suportarem.
Diante dela estava Hugo. O herói que controlava a gravidade, um dos poderes mais perigosos, e ao mesmo tempo um dos mais lentos. Ele nunca era de tomar a dianteira, então outra pessoa devia estar no comando ali. Isso era um problema, se fosse qualquer outro, tentaria matar Alice, ando a ela a oportunidade de reagir, mas Hugo seria capaz de apenas mantê-la presa.
O que Hugo não podia contar era que a garota tinha uma carta na manga, a armadura aumentava a força de Alice, se ela forçasse ao máximo poderia sair do controle da área de gravidade de Hugo e mata-lo com a lâmina no pulso da armadura.
Matar um herói com as próprias mãos.
Usando o comando mental ela mandou toda a energia para as pernas e se levantou eu um impulso. Seu alvo estava a poucos metros, dois passos e ele estava morto. Então ela deu o primeiro passo…
O que aconteceu a seguir foi totalmente diferente do que Alice havia imaginado.
Os céus pareceram se misturar com a terra. O mundo ficou transparente, e depois ela sentiu como se as cores estivessem tão vivas que parecia ser dia. Seu peso que estava multiplicado pela gravidade de Hugo pareceu deixar de existir.
Uma sensação de epifania. Uma espécie de orgasmo da alma, foi a única coisa que Alice conseguiu pensar.
Então tudo voltou ao normal e ela se viu caída no chão, usando apenas uma calcinha branca. A armadura estava parada poucos metros à frente, e sobre Alice, uma figura translúcida pairava. Quando a forma física foi se revelando, Alice reconheceu quem era.
— Jaiane!
Antes mesmo que terminasse de dizer o nome da heroína, sentiu algo estranho em seu peito. Não em seu seio, que estava exposto ao frio da noite, mas dentro de sua caixa torácica.
Jaiane estava com metade da perna direita invisível e atravessada no tórax de Alice.
— Se tentar qualquer gracinha eu esmago seu coração com meu pé! — Jaiane disse em um tom tão leve que parecia estar sussurrando.
Não foi o medo de ter seu coração esmagado, nem o sentimento de impotência por ter sido retirada da armadura tão facilmente, mas Alice sentia que sua vida estava por um fio. Era aquela expressão fria de Jaiane que a fazia tremer? Como poderia um ser humano passar tamanha sensação de medo?
Os únicos movimentos que o corpo de Alice realizava eram involuntários. Até mesmo sua respiração estava difícil de manter. Ao mesmo tempo os tremores das pernas eram incontroláveis.
— Jay! — Hugo chamou — Calma, precisamos dela com vida.
— Eu sei, mas ela matou a Zita!
— Deixa que eu seguro ela até o Lucas chegar, leva a armadura para o subsolo…
— Eu sei o plano!
Jaiane deu um passo para trás e passou a mão por dentro da armadura, que mergulhou no solo. Alice recebeu um sinal em sua prótese neural indicando que a armadura estava fora de funcionamento.
Realmente uma merda.
No momento em que Jaiane desapareceu, a gravidade de Hugo mais uma vez prendeu Alice. Só então ela se deu conta de que os sons de batalha haviam cessado. Acabou? Quando? Tão rápido?
Alice nem teve participação na batalha. Na verdade, ela apenas levou uma surra sem precedentes. Isso só aumentava sua frustração, todo seu treinamento fora para nada.
Agora ela estava indefesa, praticamente nua e sob uma pressão gravimétrica que impedia seu corpo de se manter de pé. Hugo a encarava com uma expressão pacífica, o que a deixava ainda mais incomodada.
— Tá apreciando a vista? — Alice provocou — Mesmo nesse mundo, acredito que estuprar uma prisioneira de guerra é crime.
— Amorzinho, olha bem pra mim. — Hugo fez uma careta de nojo — Acha mesmo que esse seu corpinho magrelo e sem graça vai me atrair? Me respeita.
— Mas o q…?
— Não entendeu? Eu desenho. — Hugo revirou os olhos — Eu sou gay.
Tá bom. Essa foi uma surpresa para Alice.
— Então os boatos sobre você e o Lucas…
— Caso antigo, gata. Aquele é meu há anos!
Eram muitas reviravoltas em uma única noite. Ainda bem que estava acabando. Talvez ela morresse em breve, e se tivesse direito a um último desejo, Alice pediria para pôr uma muda de roupas.
Duas mulheres se aproximaram lado a lado.
— Essa é Adênia, — Hugo informou — a comandante das Pessoas Livres do Leste, e também responsável pelo plano de acabar com seu acampamento. A outra se chama Brogo, ela é uma das pessoas mais perigosas que conheço.
— Tem que me ver na TPM. — Brogo comentou.
Brogo era um nome bastante esquisito que contrastava demais com sua beleza. Aquela pele clara contrastando com os cabelos negros esvoaçantes e os olhos de uma escuridão profunda… Droga. Ela estava se sentindo atraída por outra mulher?
Mas quem não se apaixonaria por alguém tão linda?
— Matamos todos os seus soldados, mas os heróis pediram para te deixar viva. — Adênia falou — Aparentemente, eles acham que você pode ser mais útil como refém do que morta.
— Mataram todos? — Alice não conseguiu evitar a expressão de surpresa.
A mulher no comando ignorou a pergunta redundante de Alice e falou para a outra garota, que devia ser a tal Brogo:
— Su, arranje algumas roupas para a prisioneira. Não queremos que os garotos olhem demais para ela.
Era bom saber que, mesmo prisioneira, ela teria o mínimo de dignidade garantida. Mas a outra garota não se chamava Brogo? Por que Adênia chamou de Su? Poderia ser um apelido ou um sobrenome?
— E depois leve ela para o setor de torturas. A Rubi vai amar o presente.
— Finalmente um passatempo divertido nesse fim de mundo… — Brogo sorriu de forma maliciosa.
Tortura? Essa era uma má notícia.