33: Depois de Salvarem um Mundo - Capítulo 159
Desastre
Jonas estava com uma péssima sensação.
Primeiro foi como se algo faltasse próximo a si, depois a coluna de escuridão que emergiu na direção do acampamento, e por último a noite que caiu repentinamente e cobriu tudo com uma escuridão fria e densa.
Até sua alma estava tremendo naquele momento.
Se não fosse pelos leves cintilos que as armaduras dos oponentes emitiam, Jonas nem seria capaz de saber onde estavam. E pensar que segundos antes tudo era claramente visível.
— Wagner, vou tentar fazer alguma coisa para podermos ver… — Jonas falou baixo para seus inimigos não ouvirem.
— Por acaso você consegue criar uma barreira luminosa? — Wagner respondeu, também em tom baixo.
— Não, mas posso criar uma barreira espelhada, assim a luz não pode sair. — Jonas explicou — Qualquer fonte de luz aqui dentro será refletida pelas paredes…
— E teremos um local com luz o suficiente para vermos os dois enlatados?
— Não eram essas as palavras que eu ia dizer, mas o significado é o mesmo.
Então ele se concentrou e lançou uma barreira que envolveu toda a área. Ela permitia a entrada e saída de qualquer substância sólida, líquida ou gasosa, impedindo apenas que a luz deixasse o seu espaço interno.
Foi a primeira vez que Jonas fez uma barreira desse tipo, mas usou como base uma que havia criado anos antes, que permitia a saída de luz, mas não entrada. Tudo que precisou foi inverter as paredes.
Então foi a vez de Wagner criar luz.
Jonas conseguiu fazer a barreira sem chamar a atenção dos dois inimigos, mas Wagner não tinha como fazer sua parte com tamanha discrição. Como a intenção não era enfrentar os dois, mas criar luz, Wagner transformou a Arma das Armas em um lança-chamas e mirou para cima.
As chamas subiram iluminando tudo, e com a barreira refletindo a luz de volta, o lugar se iluminou mais uma vez. Isso não passou em branco, como eles já previam os dois homens de armadura perceberam e voltaram a atenção a eles.
— Foi um pouco mais chamativo do que eu pensei… — Jonas resmungou.
— Se achar que está muito claro é só desmanchar sua barreira. — Wagner respondeu, enquanto mudava a forma do artefato sagrado para uma bazuca — Eu vou aproveitar que estou podendo ver e testar a resistência daquelas armaduras.
Obviamente, Wagner não acreditava que poderia vencer com um “simples” tiro de bazuca. A explosão foi contida por uma barreira invisível, obra de Jafah, mas deu tempo para Jonas e Wagner se afastarem.
— Por que não atacou eles com o lança-chamas? — Jonas reclamou.
— Eles pararam um tiro de bazuca! Acha mesmo que um lança-chamas faria ao menos cócegas? — Wagner respondeu enquanto preparava o segundo tiro.
Jonas sabia que ele tinha razão. Agora que havia luz, também haveria uma decisão na batalha.
Então algo estranho começou a acontecer. Jafah que se mantinha em uma postura mais defensiva desde o começo da luta, de repente avançou em direção a Jonas.
Seus movimentos antes calculados, agora eram rápidos e desconexos. Parecia que cada parte de seu corpo se movia independente das demais, o que atrapalhava qualquer tentativa de Jonas de capturá-lo.
Mesmo com a armadura, que antes parecia reduzir sua velocidade, agora se movia como se pudesse flutuar. Mas o que chamou a atenção de Jonas foi que Jafah não usou seus poderes.
Só havia uma explicação possível: Ele estava desesperado.
Wagner ficou surpreso com a sequência de reviravoltas. E agora que ele via o Cavaleiro de Prata lutando como um ninja contra um Jonas determinado, não tinha como se conter. Wagner liberou toda a sua sede de sangue em direção a Ritter.
Como herdeiro do Deus da Guerra, Wagner ansiava pela batalha. Vitória ou derrota não eram importantes quando a diversão de apostar a própria vida estava em primeiro lugar.
É claro que perder significaria morrer, ele sabia. Mas o ato de morrer em batalha era um desejo que os mais bravos humanos cultivaram por séculos, milênios, eras… E Wagner era um dos herdeiros desse desejo.
A única pessoa que parecia entender esse desejo era André. Apesar dos dois não se darem bem, ambos pareciam se divertir com a guerra. E agora tinha Ritter, o descendente de nórdicos que carregava o poder que um dia foi de Wagner.
Wagner abandonou todos os seus medos e abraçou a batalha.
Armas de fogo eram legais, mas ele preferiu uma espada curta. Pouco eficaz contra um homem de armadura que usava uma espada longa e pesada. Mas suficiente para se defender enquanto usava a vantagem da sua agilidade para tentar encontrar alguma aberturam
Ele não esperava que fosse fácil, e não esperava estar tão certo. Não importava o quanto tentasse, não havia nenhuma abertura na armadura, e para piorar, Ritter não demonstrava nenhum sinal de cansaço.
Wagner, por outro lado, estava praticamente esgotado. O suor começava a descer pelo seu rosto e ensopar a sua camisa. Ele nem tinha tempo para verificar a situação de Jonas.
Mesmo com a clara desvantagem e o cansaço o consumindo ele ainda sorria. A fia sensação do espectro da morte já havia alcançado seus ombros, ele sentia. Mas a sombra se estendia além de seu corpo.
— Não morrerei sozinho… — ele murmurou.
Outra investida cega, ele tentou, os cortes em seu corpo doíam, mas ele não ligava. Os primeiros ferimentos foram superficiais, mas agora estavam ficando cada vez mais profundos. O sangue escorria por seus braços e pernas, se misturando com o suor e pingando no chão.
Muitos hematomas eram visíveis em seu corpo. Ele tirou a camisa e jogou fora. Aquilo estava passado e atrapalhava seus movimentos. Se Ritter permitisse, ele tiraria as botas também, mas não havia tempo.
Tempo? Isso era tudo que ele precisava ganhar.
Os portões dos céus dos grandes guerreiros o esperavam abertos. Wagner sonhou acordado. A maior glória de um guerreiro era morrer em batalha, ele desejava isso. Seu coração não conseguia ansiar por mais nada.
Sem finta. Sem truques. Sem honra. Sem glória.
Um ataque frontal contra um oponente mais forte, com uma armadura impenetrável e uma espada longa. O que muitos poderia considerar um ato de loucura, Wagner considerou o seu melhor movimento em todos os anos como guerreiro.
A espada de Ritter atravessou o abdômen de Wagner, deixando um buraco ensanguentado no lado esquerdo. A batalha parecia definida, até Jonas e Jafah pararam e ficaram assistindo à reação de Wagner.
Por acaso aqueles idiotas covardes achavam que ele ia gritar e pedir ajuda?
Não.
Wagner olhou para o corte em sua barriga e gargalhou alto. A hemorragia e a dor eram inimagináveis. Fazia tempo que ele não se sentia daquele jeito. Ele respirou fundo, sentindo o ar encher seus pulmões.
André tinha razão quando disse que somente à beira da morte o ser humano se sente vivo.
— Pronto. Acabou… — Wagner abaixou sua arma — Foi incrível, mas essa batalha chegou ao fim.
— O que está dizendo? — Ritter perguntou — Por acaso resolveu se render?
— Não mesmo. Achou mesmo que essa era a Arma das Armas? — Wagner limpou o sangue no canto da boca e sorriu — Já esqueceu que eu recuperei uma pequena fração do meu poder? A espada curta foi tudo que consegui criar depois de esconder a Arma das Armas que está chegando à sua forma desejada…
Ao final da frase, a espada de Wagner desapareceu, revelando que havia sido criada com o poder do herói e não da Arma das Armas. Ritter reagiu à provocação dando um passo largo para trás.
— É bom ter medo mesmo! — Wagner continuou falando, ele ainda se mantinha comum joelho apoiado no chão — Minha investida louca era apenas para ganhar tempo enquanto a mais poderosa arma que eu conheço fica pronta.
— E qual seria essa arma? — Ritter estava visivelmente agitado.
— O que você acha que seria poderoso o suficiente para destruir essa sua armadurazinha de bosta e ainda levar as barreiras do deus anêmico ali junto? — Wagner se levantou e abriu os braços — Tem algum palpite?
Ritter permanecia no mesmo lugar, mas sua postura parecia a de alguém que se preparava para fugir.
— Você é um louco… — O homem de armadura disse.
— Mas foram vocês que começaram quando me roubaram o poder que ganhei deu um deus! Vocês mexeram no equilíbrio natural das coisas…
— Não existe nada de equilíbrio natural!
— Agora não existe mais, e se depender de mim nunca mais vai existir. — Wagner gargalhou alto — Eu fiz uma bomba atômica!
As últimas palavras de Wagner fizeram Ritter perder as forças nas pernas e cair sentado no chão. Mas Wagner continuou o seu discurso:
— Ela já está pronta para explodir, e nem mesmo eu posso impedir. — Ele deu as costas a Ritter e começou a andar em direção a Jonas — Aê, gordinho! Foi um prazer te conhecer…
Quando Wagner terminou de falar, Jonas arregalou os olhos e juntou as duas mãos, ignorando totalmente Jafah que tentava matá-lo, e criou uma sequência de barreiras sobre si.
A última coisa que Wagner viu foi uma luz cegante. Sem dor, sem barulho, sem tempo para perceber que estava morrendo. Sua alma se uniu à criação e foi acolhida pelo deus da guerra em pessoa.
Wagner havia finalmente morrido, e assim como esperava, em uma batalha. Ele se foi sem arrependimentos.