33: Depois de Salvarem um Mundo - Capítulo 160
O Último Selo
Mais uma vez André e Lee-Sen-Park romperam o espaço usando o poder da chave do teletransporte. Foi tão ruim quanto da primeira vez, mas agora não restava nada no estômago do coreano, ele apenas ficou alguns instantes caído esperando a tontura passar.
Para a felicidade de Lee-Sen-Park, ele sentiu um vento frio indicar que estava em um local aberto. Mesmo que a escuridão fosse máxima, ele sabia que estava em um local aberto e arejado, bem diferente do vulcão de segundos antes.
Respirar ar puro e não estar à beira de um vulcão era reconfortante.
Mesmo que tivesse acabado de ver Zita ser jogada em lava incandescente, Lee-Sen-Park não estava triste. Talvez fosse por André não o ter matado, ou por ele ter visto que o corpo da sacerdotisa não queimou em contato com o calor extremo do vulcão.
Seus pensamentos foram interrompidos pelo surgimento de uma luz ao seu lado. André havia acendido uma tocha e caminhava para algum lugar no meio da escuridão.
— Onde você arranjou essa tocha? — Lee-Sen-Park perguntou, confuso.
— Enquanto você cambaleava igual a um peru bêbado, eu voltei na caverna e peguei uma.
Lee-Sen-Park tinha muitas perguntas, mas lembrou da ameaça de André sobre ele perguntar demais e resolveu seguir em silêncio. Os dois caminharam um pouco, com o coreano mantendo alguns passos de distância atrás de André, até que chegassem à beirada de um precipício.
Mais um passo e André não teria onde firmar os pés. Ele havia parado na beirada, como se fosse se jogar a qualquer momento. Lee-Sen-Park mantinha uma certa distância, só por precaução.
A luz provida pela tocha não era suficiente para iluminar a área toda, então não dava para ter uma noção total do tamanho do penhasco à frente deles, e como haviam chegado ali por meio de teletransporte, não dava sequer para saber onde estavam.
— Um abismo… — Lee-Sen-Park comentou baixinho.
— Se chama “Grande Falha”. — André disse.
Uma falha geológica, foi o que ele concluiu. Era comum em muitas partes do mundo, mas para levar o “grande” no nome, deveria ser algo incrível. Ele adoraria ver a paisagem durante o dia.
André mexia em algo no bolso, parecia ter retirado alguma coisa de lá. A curiosidade fez Lee-Sen-Park dar um passo à frente. Foi o suficiente para ele conseguir ver do que se tratava.
André levantou os objetos para olhar mais de perto na luz da tocha. Eram pequenas esferas, pouco maiores do que bolinhas de gude. A primeira era branca, parecia ser feita de osso puro, a segunda era transparente igual vidro, e a terceira era preta igual carvão.
Lee-Sen-Park não fazia ideia do que eram aquelas esferas. Pelo senso comum daquele mundo poderia ser qualquer coisa, desde apenas bolinhas de gude até objetos sagrados capazes de invocar um dragão ancião vermelho cuspidor de fogo.
Se bem que nos relatórios os heróis haviam mencionado que não haviam dragões ou qualquer outra criatura fantástica ou mitológica. Uma pena, ele adoraria ter a oportunidade de conhecer um garota-dragão ou uma neko.
Mas tudo que conseguiu foi ficar preso a um cara psicopata com uma chave que fazia eles ficarem se teletransportando de um lado para outro. E agora André parecia estar fazendo uma espécie de ritual.
— O primeiro selo era a magia perdida, um tabu. O segundo selo era o tecido da realidade, uma ação suicida. O terceiro selo era a morte de um herói, um sacrifício. — André murmurou para si mesmo — Isso liberta os 32 deuses, mas ainda resta um selo…
Após alguns segundos de silêncio, ele continuou seu ritual.
— Malditos sejamos nós nesse dia em que trazemos o caos sobre essa terra. — André disse e jogou as três esferas na enorme fenda à sua frente.
— Você acabou de amaldiçoar nós dois? — Lee-Sen-Park se exaltou.
— Cala a boca e assiste. — André reclamou — Vai ser bonito de se ver.
Um brilho forte se formou dentro da fenda e lentamente subiu até o nível do solo. Vozes começaram a surgir de diversas direções, como se estivessem entoando um cântico de clamor.
Um vento forte soprou de fora para dentro da cratera, apagando a tocha que eles tinham. Choros de adultos e crianças, gritos de desespero, pedidos de perdão e socorro, e outros sons incompreensíveis ecoaram pelo vale inteiro. Espectros de forma humanoide vinham de todas as direções, passando por Lee-Sen-Park e inda à fenda.
Na frente de André estava uma fonte luminosa tão poderosa que fazia parecer que era dia de tão claro que estava. Os espectros iam em direção a luz, que parecia os receber com carinho.
André, que por sua vez parecia ignorar a luz à sua frente, estendeu as duas mãos abertas com as palmas voltadas para o penhasco e disse algo. Não foi possível entender o que ele tinha dito, Lee-Sen-Pak apenas o viu mover os lábios.
Contrastando com a luz flutuante, uma coluna de escuridão se ergueu da Grande Falha e abraçou André como se tentasse devora-lo. Ele parecia estar sofrendo com aquilo, seus braços e pernas tremiam sem controle, mas seu olhar permanecia fixo e seu silêncio era impressionante.
Se ele estava sentindo dor, por que não gritar?
Assim permaneceu por segundos, minutos, tempo demais para um ser humano aguentar sendo torturado. Mas lá estava ele, de pé, braços abertos e rosto firme.
Ao mesmo tempo houve um tremor. O chão parecia estar se movendo, o equilíbrio foi perdido e Lee-Sen-Park foi ao chão. Quando passou, foi como se nunca tivesse ocorrido, André continuava na mesma posição.
Mas o abismo havia desaparecido.
— Seja lá qual for sua convicção, ela é inabalável, garoto. — Uma voz grave ecoou.
Lee-Sen-Park viu quando a luz começou a tomar uma forma humana. O brilho cessou lentamente, mas o lugar ainda parecia estar de dia, dando origem a um homem de cerca de quarenta anos, na mesma altura que André, e vestindo algo que parecia ser uma túnica comum em civilizações antigas.
Havia uma certa semelhança entre os dois, inclusive, a cor dos cabelos e olhos. Apesar de ter os cabelos mais lisos e penteados, além de aparentar ser bem mais velho, o homem parecia uma versão do futuro de André.
Ou talvez seu pai.
— Você resistiu bem. — O homem disse a André.
— …
André tentou dizer algo, mas sua voz falhou.
Pelo olhar que André deu ao homem era possível imaginar que ele não estava feliz com algo.
— Incomodado com a forma que escolhi? — O homem perguntou — O dono dela parece não se importar muito.
André apenas olhava para o homem como se quisesse devora-lo.
— Estou livre, os deuses estão livres, a imortalidade foi rompida… — O homem disse com bastante calma — Você fez a sua parte, está pronto para a recompensa?
— Ainda não. — André respondeu com a voz baixa.
— Se pedir, posso trazê-la de volta. — O homem sorriu — É só pedir… Eu sei o que você mais deseja nesse exato momento, posso ler sua mente, mas não vou te conceder se não pedir. Esse foi o nosso trato.
— Se tenho direito a um desejo apenas, e pode ser qualquer coisa, uma única alma não vale tanto. — André levantou o rosto e sob a iluminação estranha do local, uma lágrima reluzente descia pela sua face.
— Não me importo. — O homem deu de ombros — Mas não posso realizar o desejo se você estiver morto. Lembre-se que te dei um corpo resistente, uma mente forte e um poder amaldiçoado, mas você não é imortal.
— Eu sei o que estou fazendo… — A voz de André revelava um tom de dúvida — Eu confio em quem me ajudou até aqui.
— E aquele ali, quem é? — O homem apontou para Lee-Sen-Park — Sua alma não está sincronizada com esse mundo…
O homem deu dois passos em direção ao coreano, mas André segurou sua túnica.
— Preciso dele… vivo.
Diante das palavras de André, o homem deu um sorriso maníaco e olhou para cima. Então seu sorriso se desfez, sendo substituído por uma expressão de curiosidade.
— Um, dois, três… — Ele começou a contar — trinta, trinta e um…
Ele parou em trinta e um. Ainda procurando nos céus, ele movia seus olhos em várias direções. O que estaria procurando?
— Falta um! — Ele disse — Ele não veio…
— Surpreso? — André perguntou.
— Sim. Vocês humanos são criaturas muito interessantes!
— Você não faz ideia.
— Acho que por hoje tivemos muitas emoções. — O homem disse — Descanse, vai precisar.
Após dizer isso, o homem estranho desapareceu, levanto junto com ele a luz do lugar. Lee-Sen-Park sentiu tudo ficar escuro mais uma vez. Então ouviu passos em sua direção.
— Quem era aquele? — O coreano perguntou.
— Deus. — André respondeu e suspirou.
— Por que prec…
— Para de perguntar tanto.
Ah sim. Perguntar muito não era seguro, Lee-Sen-Park lembrou a si mesmo. Ficar em silêncio no escuro era muito entediante, mas era melhor que arriscar fazer qualquer coisa que o pusesse e risco.
Fugir também não era uma opção, a não ser que ele fosse capaz de ver no escuro e se teletransportar. Se conseguisse pegar a chave de André, ele poderia ir para qualquer lugar.
Qualquer lugar? Qual lugar ele queria ir? Voltar ao acampamento da Aliança não era uma boa opção. E ele nem conhecia nenhum lugar naquele mundo estranho. E como a chave funcionava.
Um baque de queda foi ouvido, depois, apenas o silêncio. Lee-Sen-Park sentou-se no chão e esperou, ele sabia que André estava cansado, portanto, resolveu descansar também.
Se pelo menos ele encontrasse a tocha…