Whitefall: Um invasor gelado em nosso mundo - Capítulo 2
— Mas meu pai?! Me mandar pra outro planeta? Nesse momento?
— Rei, não foram ordens minhas. Se controle.
— Óbvio que não foram ordens suas! Mas…
— Já chega! – O homem batia em sua mesa, com força.
Rei sente um turbilhão de sentimentos ruins em seu coração atrofiado. Raiva, medo, tristeza… Ele sabia o que teria que fazer, e como isso seria horrível.
— Isso é…
— Extermínio? Genocídio? Sim, mas o que podemos fazer? São ordens.
Na cultura Terrafryana, e principalmente nas heranças morais da família Azure, não havia a opção de desobedecer uma ordem do Respeitável. E Azure Rai, o patriarca dos grandes Demônios da Neve, sabia muito bem disso.
Porém, o que mais irritava o jovem Azure, não era o fato de que ele teria que matar seres inocentes. Sendo um soldado com muita experiência em guerras, Rei já não sentia tanto por matar outras pessoas. Mas sim, a sua raiva estava em ser mandado para uma missão suja.
Ele? O herdeiro da segunda maior família, só atrás dos Londore, sendo mandado pra conquistar um planeta fraco, enquanto toda a sua raça luta pra se libertar? Além disso, uma missão furtiva? É quase como apunhalar os pobres humanos pelas costas.
Ser enviado para uma missão dessas era uma afronta à toda sua história desde que se alistou. Isso feria seu orgulho.
— O que ele pensa que somos?! Cachorros Executores?! Não foi pra isso que me tornei um soldado pai, não pra obedecer o maldito-
— REI! – A sala gelada quase que tremia, ao som da voz de Rai – Por mais que eu concorde com você, não ouse insultar o nome do Respeitável! Ele ainda é nosso líder supremo.
O homem se levantava de sua poltrona antiga de madeira, com seus quase 1,90m de altura. Cabelos iguais aos de seu filho balançavam na frente de seu rosto, se diferenciando apenas por uma barba preta. Músculos largos preenchiam seu corpo, e sua expressão e modo de agir mostravam ser a de um senhor já com bastante vivência.
Com as mãos atrás das costas, ele caminhava levemente até a janela. Olhando para fora, era possível ver a linda paisagem natural de seu planeta… ou o que sobrou dela.
— Antes que você nascesse… Não, até mesmo antes de eu nascer, esse lugar era lindo, meu filho. Mas no meio dessa maldita guerra, acabamos destruindo o local que nos a deu vida.
— Meu pai…
— Esse é o motivo pelo qual concordei com isso. Se pararmos as extrações agora, Terrafrya pode se recuperar em algumas décadas. Assim, pagaremos a dívida que temos com nosso mundo…
— E você acha que pra salvar nosso planeta, devemos explorar outro no processo?! Que sentido isso faz?! Ainda mais quando “explorar” significa um genocídio.
Não era o único caminho. Terrafryanos não precisavam comer nem beber, então não haviam hectares destruídos para agropecuária, por exemplo. Eles tinham tantos recursos valiosos, tantos animais e plantas mesmo num ambiente gelado, que poderiam muito bem negociar recursos com aquele planeta.
Poderiam oferecer tecnologia, conhecimento, proteção, tudo isso em troca do valioso recurso que buscam… Mas obviamente, o maldito Londore não se importa com a paz, muito menos com a honra.
— Ele só quer o caminho mais fácil… esmagá-los como baratas… e eu sou obrigado a obedecer isso?! – Rei aperta seus punhos com tanta força, que suas unhas acabam furando a palma de suas mãos. Sangue prateado escorre, e pinga pelo chão de madeira do escritório de seu pai. – O que será da nossa raça, se nos tornarmos aquilo que tantos morreram para nos libertar?
Milênios de escravidão.
Milênios de guerra.
Milhões de mortos.
Esse é o maldito caminho da evolução?
— Filho, me escute. Somos uma raça militar, no fundo sempre soubemos o que teríamos que fazer. Eu sei que é uma decisão podre, mas nós temos de obedecer. Pelo nosso planeta…
— Deveria ter sido você! Por que não assumiu o posto?! Por que nunca me conta nada?!
— Filho…
— Dane-se! Eu estou saindo
Batendo os pés no chão com ódio, Rei se retira empurrando as gigantes portas de madeira do escritório de seu pai. Por consequência, acaba derrubando os empregados que guardavam as portas, mas ele não dava a mínima.
Vendo aquela cena, uma garota rapidamente se apressava para ajudar os pobres funcionários, com uma expressão triste por ver a atitude de Rei. Era uma bela mulher, de cabelos também pretos e azuis, amarrados em tranças, e pele parda.
Depois que ela os ajuda a se levantar, ela aperta o passo para alcançá-lo nos corredores.
— Senhor, aquilo foi rude.
— Dá o fora daqui, Lyu – Ele diz, ignorando-a completamente.
Ele caminha diretamente para a saída, em direção à área externa da mansão. Rei faria o que ele sempre faz: treinar. Isso ocuparia sua mente e talvez aliviaria sua raiva acumulada. Lyu o segue, afinal é isso que uma noiva faz.
— Senhor, eu entendo sua raiva mas-
— Pro inferno com essa droga de “senhor”! – Ele parou por um momento, apenas para extravasar sua raiva num grito, e voltar a bater os pés no chão enquanto anda, bufando.
— Sei que não gosta de honoríficos, mas essas são as regras dos Azure. Desrespeitar o senhor é desrespeitar à mim mesma e-
— Pro inferno com as regras dos Azure tamb-
Um som de tapa podia ser ouvido ecoando pelos corredores frios da mansão.
— Rei, olha como fala! Nada te dá o direito de sujar sua linhagem com palavras assim! – Os olhos azuis-claros de Lyu também se enchiam de raiva naquele momento.
Sendo Lyu da família Nazune, afiliada e serva aos Azure por gerações, ela não suportaria ouvir uma ofensa dessas. Então ela o bateu, mesmo isso significando desrespeitar o homem à qual ela servia.
— Certo… – Ela respira um pouco, refletindo sobre o que fez. – Vou te deixar em paz. Venha me ver antes de sair, certo?
A fúria de Rei se acalma um pouco ao ouvir essas palavras, junto ao choque do tapa que tomou. Ele amava Lyu, mesmo que não demonstrasse devido a…
— Certo. Até, Centenária Lyu.
— Pode me tratar sem a patente, pelo menos uma vez? Nós vamos nos casar e…
— Eu disse até, Centenária Lyu
Ele caminha reto em direção aos campos de treinamento da mansão, abandonando a garota naqueles corredores congelantes.
— Até, Milenar Rei…
×××
Em sua Frostbite, o jovem Azure estava novamente em sua metaforma, ou seja, a criatura horrível que matou tantos soldados. Se parecia com uma armadura, mas era mais como uma transformação, uma metamorfose, por assim dizer.
— República das Cidades Gêmeas… que nome estranho. Não é, Nix?
— Sim meu senhor. Os humanos tem um gosto estranho.
Rei havia conseguido acessar facilmente o sistema de computadores internacional da Terra. Com sua tecnologia Terrafryana avançada, isso era mais fácil do que tirar gelo de criança.
— O que pode me dizer sobre esse lugar?
— Meu senhor, são dois distritos independentes. Parece que esse planeta está dividido em muitos governos diferentes.
— Quão ineficiente é isso?… enfim, potencial bélico?
— Baixo, senhor. Não vejo sequer uma defesa instalada na cidade.
Para padrões Terrafryanos, se sua cidade não tinha, no mínimo, um canhão do tamanho de um arranha-céu, ela estava mal protegida. Ah, e a “pessoa” que estava fornecendo essas informações era Nix, uma IA Terrafryana.
— Aqui diz que são influentes em escala global, apenas com sua economia? O quão estranho isso é? – O demônio de neve passava as garras por seu queixo, pensando. – Rui provavelmente adoraria estudar a história deste local.
— Caso queira senhor, posso enviar informações para a senhorita.
— Dispenso. Ela deve estar ocupada com outros assuntos.
Sinceramente, Rei não se importava muito com aquele local. Apenas convinha a ele ser próximo, bem habitado e mal protegido. Perfeito para seu plano.
— Vou atacá-los com tudo que temos. No cenário mais otimista, eles ficarão desesperados e se renderão.
— Me parece o mais provável. Qual seria o cenário pessimista em sua visão, meu senhor? – A voz robótica perguntava, curiosa
— Se eles tiverem o mínimo senso de orgulho, até mesmo seus camponeses pegarão em armas para resistir.
— E então, aconteceria outra guerra
— Não uma guerra… Um massacre.
Ele refletia um pouco, enquanto olhava para algumas fotos da cidade, disponíveis na rede internacional. Humanos e Terrafryanos acabam tendo formas humanóides parecidas, o que permitia ver as expressões de felicidade naquelas imagens.
Uma delas chama sua atenção: Em uma espécie de parque vegetal no centro, uma mãe andava com seu filho no colo.
Ele aproximava a foto… olhava bem… Algo naquilo mexia com seu coração.
— Vou mandar uma mensagem.
— Como? Meu senhor, pretende avisar o inimigo que vai atacá-los?
— Nix, olhe para eles. As informações do Líder dizem que esses seres não têm nem mesmo Metaformas, como nós e os Lunarianos.
— Mesmo assim senhor! Que tipo de militar revela seus ataques, tendo uma oportunidade como essa? Está com pena dos nossos inimigos?
— Considere isso uma declaração de guerra oficial. Talvez com o aviso, muitos não-combatentes evacuem a cidade, e quanto menos sangue inocente em minhas mãos, melhor.
Enquanto usa sua avançada tecnologia para invadir todos os sistemas inteligentes de monitores do planeta, no fundo de sua alma, ele suspirava aliviado com sua decisão. Em sua mente, aquela era realmente a melhor forma de resolver seu conflito.
Mal sabia ele, o problema que subestimar esse povo iria lhe causar…