Vigilante Eterno - Capítulo 17
O barco balançava violentamente de um lado para o outro, fazendo ser impossível para a tripulação se manter de pé por um segundo que fosse. Maycon conseguiu retornar a proa após ficar pendurado na amurada com apenas uma mão, não caindo no rio por pouco.
— Precisamos fazer alguma coisa — berrou Poti, forçando os motores do barco em uma tentativa inútil de se desprender daquilo que os atacava. — Se continuar assim, o barco vai virar.
“Merda, eu sou um inútil aqui.” pensou Vidal, frustrado com sua própria incapacidade naquela situação. Os seus poderes de manipulação da vegetação só funcionam caso ele ficasse o seu bastão no solo, penetrando as raízes das árvores. No barco, a única coisa que ele poderia fazer era transmutar o seu bastão, algo que não seria muito útil naquela situação.
Maycon arrastou-se pelo convés até uma bolsa que estava encostada ao lado da cabine do piloto. Após xeretar desesperadamente na mochila por alguns segundos, ele tirou de dentro dela algo que se assemelhava com uma granada.
— O que você vai fazer? — perguntou Aline a seu irmão, enquanto se apoiava na amurada.
Maycon ignorou a pergunta de sua irmã e tentou ficar de pé, o que falhou miseravelmente.
A embarcação estava balançando cada vez mais violentamente, sendo impossível para qualquer um se manter de pé. Jatos de água entravam no convés aos montes, encharcando a todos, menos a Poti, que ainda estava na cabine de piloto.
Maycon mordeu o pino e puxou a granada com tudo, a lançando logo em seguida em direção ao rio. Não houve necessidade de gritar para todos se abaixarem, já estavam assim mesmo.
— Puta merda! — gritou Vidal, olhando para a granada girando no ar. Essa foi a última coisa que a tripulação ouviu antes da explosão.
Um enorme jato de água, maior que todos os outros, se formou no local onde a granada explodiu. O som abafado da explosão propagou-se por toda a floresta.
Um silêncio se seguiu após a explosão. O barco tinha parado de balançar e o rio estava calmo.
— É isso aí! — gritou Vidal, sendo o primeiro a se levantar. — Mandou bem, Maycon.
O restante do grupo foi pondo-se de pé novamente. Não havia nenhum sinal da coisa que os atacou, nem mesmo um barulho sequer.
— Você explodiu o desgraçado — disse Poti, limpando o ferimento em sua testa. — Agiu bem.
— Obrigado — disse Maycon, surpreso pelo elogio de seu rival.
— O que mais você carrega nessa mochila? Um lança-foguetes, talvez? — indagou Aline, que não parecia tão satisfeita como os outros.
— Se coubesse na mochila, eu levaria sem problemas — respondeu Maycon, com um tom irônico.
— Quando o diretor disse para pegarmos o tanto de suprimentos necessários para a missão, ele não falou para levar o armamento bélico inteiro da marinha. — Aline aumentou o seu tom de voz para com o irmão. Sua expressão fechada e raivosa, transmitia a desaprovação que sentia em relação à ação de Maycon, a qual achava imprudente.
— Fica calma, Aline. Nós estamos aqui, vivos, não estamos? — disse Vidal, aproximando-se da jovem. — Não fomos nós que explodimos em pedaços.
— E se você errasse? — perguntou Aline, saindo de perto de Vidal e indo de frente a seu irmão, o encarando nos olhos. — Iria explodir o barco e nos junto.
— Maninha, — Maycon fez uma pausa antes de prosseguir, inalando o ar pesado e o soltando logo em seguida. — você alguma vez duvidou da minha mira.
Essa pergunta pegou Aline de surpresa. O seu irmão era um exímio atirador, não só com armas de fogo, mas com qualquer outra coisa que pudesse ser atirada, desde pedras a facas. Mas as esferas de metal eram suas armas favoritas, por permitirem ele usar toda sua força física nos disparos, algo que uma arma de fogo comum não deixaria.
Aline sabia disso, o seu irmão nunca errou um alvo, nunca. Mas o medo a impediu de levar isso em conta. Desde que entrou naquele lugar, ela sentia uma perturbação horrível, como se mil olhos a observassem ao mesmo tempo.
— Desculpa — disse a jovem em baixo tom, cabisbaixa. — Eu só fiquei assustada, só isso.
— Todos nós estamos, Aline, todos nós — falou Poti, em uma tentativa de animar a vigilante.
— Não todos, não todos… — Foram as últimas coisas que Aline disse antes de ir ao dormitório, onde passou o resto do dia.
Uma névoa cobre o céu como um véu, impedindo os raios de sol iluminarem as estruturas podres e decadentes da cidade fantasma.
A cidade era exatamente como Aline sonhara, sem tirar nem pôr. Isso porque aquilo não foi um sonho, e sim um fragmento das diversas memórias do escavador que impregnavam a mente da jovem vigilante.
De pé, bem ao lado do bueiro semiaberto, uma monstruosa encara o horizonte como se estivesse esperando algo. A coisa tem 3 metros de altura, corpo coberto de pelugem alaranjada com poucas partes tingidas de preto.
Suas costas são curvadas, pés e mãos desproporcionalmente longos, e uma cauda comprida que balançava lentamente de um lado para o outro. No seu rosto destacava-se o logo focinho, com enormes presas que escapavam pelas laterais.
— Tsc! — A criatura cuspiu no chão, virou-se em direção ao bueiro, o abrindo por completo.
O bueiro dava acesso a um sistema de túneis de esgoto, que percorriam por toda cidade até desaguarem no rio.
A criatura que se assemelhava a um lobo-guará, só que bestial, caminhou pelos túneis mal iluminados e fétidos do esgoto.
— Algum sinal dele, Fang? — pergunta uma voz abafada, vindo em direção à água suja que fluia ao lado do lobo.
— Nada, absolutamente nada — responde Fang, o lobo.
— Isso é um mau sinal — disse a voz misteriosa mais uma vez. Bolhas estouravam sobre a superfície da água suja toda vez que a voz dizia alguma coisa. — Você vai contar ao chefe?
— Ele já sabe que o escavador está sumido.
— Não estou falando disso. Estou dizendo que seria melhor nos precavermos e enviar uma patrulha para a beira da cerca — sugeriu a voz misteriosa, que teve seu dono revelado quando uma ser tão grande quanto Fang, saiu de dentro da água do esgoto.
— Irei fazer isso, Açu, não se preocupe — disse Fang ao seu parceiro, um ser humanoide gigantesco que se possuía características semelhantes a de um jacaré.
Fang seguiu até o seu destino, adentrando ainda mais nos túneis, que ficavam cada vez mais estreitos. Para um humano normal, seria impossível enxergar qualquer mísera coisa na sua frente, mas Fang não era humano, ele era melhor.
Depois de uma longa caminhada, ele parou de frente a uma porta presa na parede do túnel, que dava acesso a um longo sistema de escadas que parecia não ter fim.
Saindo dos últimos degraus, Fang deu de cara com uma porta de metal, que se abriu após ele digitar uma sequência de números em um painel logo ao lado.
Era estonteante. Fang viveu naquele local desde que renasceu como um híbrido, conhecia todos os cantos e passagens, mas ele ainda de impressionava ao ver aquela enorme estrutura.
O ninho, como era chamado pelos híbridos, era uma antiga fábrica de químicos. Após os terríveis acontecimentos de 19 anos atrás, aquele local tinha sido abandonado pela população e sendo apossado pelos híbridos logo depois.
Fang passou por diversos outros seres tão grotescos quanto ele. A única coisa que todos eles tinham em comum eram as características humanas.
— Preciso falar com o chefe — disse Fang a um sujeito com aparência semelhante a um caranguejo.
— Ele deve estar na sua sala, como sempre — respondeu o híbrido. Todos os soldados da legião tinham um enorme respeito a Fang por ser general do exército, tendo a autoridade superada apenas pelo mestre.
Fang dirigiu-se até a sala referida pelo caranguejo. Ao chegar lá, encontrou o cômodo em breu total, com a única fonte de luz sendo algumas velas postas na entrada.
— Mestre — Fang ajoelha-se diante a figura sombria, mostrando grande respeito e servidão.
— É você, Fang? Meu súdito mais fiel — disse uma voz relaxada e melosa, como se estivesse tentando seduzir o híbrido.
— Eu mesmo, meu senhor — respondeu Fang, nervoso como todas as outras vezes que falava com o seu mestre.
— O que aconteceu? — O mestre não gostava de ser interrompido sem um bom motivo, e Fang sabia disso.
— O escavador está sumido há dias e isso me preocupa. Receio que ele tenha sido capturado pelos humanos.
— E então? — O tom de voz não demonstrava um pingo de compaixão ou preocupação, quase como se não se se importar.
— É q-que… — Fang gaguejou, estava nervoso, mais que o normal.
— Diga, meu súdito, não tenha medo. — A voz ficou mais forte, como se estivesse se aproximando.
— Eu receio que ele possa contar aos humanos a localização do ninho. — Fang viu com o canto de olho uma figura esguia aproximar-se dele, o rodeando.
— Ele preferiria morrer a contar algo — respondeu à figura esguia, que pôs uma das mãos nos ombros gigantes de Fang. — Você sabe muito bem disso.
— É, eu s-sei. Só queria enviar alguns batedores até a floresta apenas por precaução, nada mais.
A figura negra parou por alguns instantes, pondo ambas as mãos nos ombros de Fang, como se estivesse o massageando. Fang podia sentir as unhas longas e pontudas da figura arranharem o seu pelo. Após alguns segundos de silêncio mórbido, o mestre quebrou o silêncio.
— Por que não? Se é apenas isso, não há problema algum — disse a figura, tirando as mãos esguias das costas de Fang. — Pode enviar os batedores.