Vida em um Mundo Mágico - Capítulo 5
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O vento gélido soprava constante, carregando consigo os murmúrios de Cirgo. A cidade, ainda coberta pela neve, parecia mais acolhedora agora que eu estava vestido apropriadamente. As ruas, movimentadas e cheias de vida, ofereciam um contraste vibrante ao frio implacável que nos cercava.
Thom me guiou pelo mercado, onde comerciantes anunciavam seus produtos com entusiasmo, tentando atrair a atenção dos passantes. As barracas estavam cheias de itens variados, desde alimentos frescos e especiarias exóticas até armas e armaduras.
— Aqui é onde as pessoas da cidade se reúnem diariamente para negociar e trocar histórias — explicou Thom, parando diante de uma barraca de frutas. — E também é um bom lugar para encontrar trabalho.
Enquanto ele conversava com o vendedor, observei a movimentação ao meu redor. Cada rosto parecia ter uma história e suas preocupações, correndo e se esforçando todos os dias para sobreviver no mercado, estranhamente, sinto uma conexão com essas pessoas.
Um homem grande com a barba grisalha, se aproximou, cumprimentando Thom com um aperto de mão firme. Thom o chamou de Gregor.
— Bom ver você de novo, Thom. E este deve ser o seu amigo? — disse ele, virando-se para mim com um sorriso amistoso.
— Sim, este é Victor. Ele está procurando trabalho e pensei que você pudesse ajudar — respondeu Thom.
Gregor me examinou de cima a baixo, seus olhos brilhando com curiosidade.
— Trabalho, hein? Bem, sempre há algo a ser feito por aqui. A guilda de aventureiros tem estado ocupada com os ataques de monstros, mas podemos começar com algo mais simples.
Eu assenti, grato pela oportunidade. Qualquer coisa que me permitisse ficar na cidade e começar a ter uma estabilidade melhor neste mundo seria bem-vinda.
— Venha me encontrar aqui amanhã de manhã. Tenho alguns contatos que podem precisar de ajuda extra — disse Gregor, antes de se despedir e voltar para sua barraca.
Enquanto continuávamos a explorar o mercado, notei uma figura que se destacava na multidão. Um jovem cavaleiro em uma armadura branca e azul, reluzente à luz do sol, com cabelos curtos e brancos que contrastavam com seus olhos azuis cristalinos. Ele era alto e possuía uma postura imponente, mas sua expressão séria e determinada revelava a carga pesada que carregava. Ele parecia estar em patrulha, os olhos atentos a qualquer sinal de problema.
— Aquele é Sentil, o príncipe e cavaleiro do reino — murmurou Thom ao notar meu olhar. — Ele tem sido uma grande ajuda contra os ataques de monstros, mas há muitos problemas para resolver.
Eu observei Sentil por mais alguns momentos, admirando sua postura e determinação. Parecia que ele carregava um fardo pesado, algo que eu entendia bem demais.
— Tenho alguns pedidos para entregar, você vai se virar bem sozinho? — perguntou Thom.
— Ah, sim. Vou ficar bem, obrigado por ter me trazido até aqui. — eu agradeci, com um sorriso simpático.
— Certo, você pode voltar para casa quando quiser, se não conseguir um dinheiro hoje.
Eu assenti e Thom se afastou, sumindo na multidão. Olhei em volta novamente e vi Sentil caminhando em direção a uma das cabanas. Decidi me afastar. Não quero ser descoberto, especialmente agora que descobri que estão tendo problemas com ataques de monstros.
Depois de me afastar um pouco da multidão, suspirei. De verdade, isso é mais difícil do que eu pensava. Aquele Sentil deve ser um cavaleiro forte, com certeza ele me descobriria…
— Ei, Merlin, tá aí? — eu disse baixo.
Merlin saiu da camuflagem e flutuou ao meu redor, aparentemente feliz de poder se mostrar.
— [Estou aqui. O que foi?]
— Você acha que vou conseguir manter essa farsa por tempo suficiente para conseguir dinheiro? Pois eu realmente estou querendo muito dar o fora daqui.
Eu comecei a perceber que é perigoso demais. Qualquer coisa errada e a cidade inteira vai ficar contra mim. Não quero arriscar algo assim.
— [Eu não acho que vão perceber, não por agora. Todos aqui parecem estar com os olhos em outra coisa. Você deve ficar bem. Além disso, você conseguiu um trabalho para amanhã.]
*Acho que não tenho escolha… Não posso simplesmente sair e caminhar até outra cidade, pois não tenho garantia de que seria melhor do que aqui. Além de que não sei a distância desta para uma outra. Preciso ter paciência…*
Voltei minha visão para a água que corria no riacho à minha frente. Cirgo tinha bastante disso, mesmo com a água parecendo prestes a congelar.
Aproximei-me e olhei meu reflexo. Francamente, quando acabei assim? Joguei meu cabelo para trás e me coloquei de volta na realidade.
— Certo… Vamos procurar algum bico para fazer.
— [Sim! Vou ficar dormindo flutuando perto de você.] — concordou Merlin, desaparecendo novamente.
Eu tinha me esquecido, ela precisa descansar também. Comecei a caminhar de volta para a multidão, tentando pensar em onde poderia encontrar um trabalho temporário.
Enquanto me movia pelo mercado, observava as barracas e os comerciantes, tentando encontrar algo que pudesse fazer. A cidade estava cheia de vida, com crianças correndo e brincando, vendedores gritando suas ofertas e pessoas comprando suprimentos.
Decidi começar perguntando nas barracas maiores, onde havia mais movimento. Talvez alguém precisasse de ajuda para carregar mercadorias ou organizar os produtos. Aproximando-me de uma barraca de especiarias, perguntei ao dono se ele precisava de ajuda.
— Precisa de um ajudante por aqui? Estou procurando algum trabalho temporário — disse, tentando soar confiante.
O dono, um homem robusto com uma barba espessa, me olhou de cima a baixo antes de responder.
— Pode ser que eu precise de alguém para ajudar a descarregar uma nova remessa que está chegando. Se você estiver disposto a trabalhar, posso te pagar algumas moedas pelo dia — disse ele, voltando sua atenção para seus produtos.
Assenti, grato pela oportunidade. Cada pequeno passo me ajudaria a ganhar tempo e descobrir mais sobre a cidade e seus segredos.
Enquanto esperava pela remessa, observei a movimentação ao meu redor. As pessoas de Cirgo viviam suas vidas cotidianas, mas o medo e a tensão estavam presentes em seus rostos. O que será que estão pensando?
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Depois de fazer alguns trabalhos, eu estava voltando para a casa de Thom, sentindo exaustão psicológica. Consegui alguns trocados, mas não entendo como funciona a moeda desse mundo, isso não deve ser tanta coisa. Olhando para as 120 moedas de prata na minha mão, realmente, não sei dizer.
A noite caía rapidamente sobre Cirgo, e a cidade antes vibrante agora estava envolta em silêncio. As ruas estavam praticamente desertas, os poucos humanos que ainda estavam fora apressavam-se para chegar em casa, fugindo do frio crescente. Meus sentidos aprimorados percebiam a ausência de sons habituais – risos, conversas, passos – tudo estava assustadoramente quieto.
*Parece que a cidade dorme cedo por causa do frio hein…* pensei enquanto avançava pelas ruas estreitas e escuras.
Enquanto passava por um beco, meus ouvidos captaram um som diferente. Parando por um momento, ouvi o som abafado de alguém sendo espancado. Curioso e cauteloso, me aproximei silenciosamente, mantendo-me nas sombras.
Ao me aproximar, vi um homem grande, trajando uma armadura de inverno robusta. Ele estava de pé sobre dois homens caídos, humilhando-os enquanto vasculhava seus pertences. Os sons dos golpes ressoavam pelo beco, cada soco e chute ecoando com brutalidade. Os dois homens estavam no chão, gemendo de dor e tentando se proteger inutilmente, enquanto sangravam muito. Esse som… Ossos sendo fraturados…
— Isso é tudo que vocês têm? — o homem grande rosnou, inspecionando as moedas que tinha tirado dos dois. — Miseráveis! Isso não é suficiente nem para um drinque!
Com um movimento brusco, ele acertou outro soco no rosto de um dos homens, que gritava de dor. A cena era revoltante, e senti minha raiva crescer enquanto observava aquele ato de crueldade gratuita. Eu queria intervir, acabar com aquele cara de uma vez por todas, mas me contive. Sabia que, sendo quem sou, uma luta poderia causar mais problemas do que resolver.
O homem, percebendo minha presença, se virou. Seus olhos tortos me analisaram rapidamente, parece que ele está bêbado, meu nariz não me engana.
— Ei, você aí! — ele gritou, avançando em minha direção. — Tem alguma coisa de valor?
Eu o encarei, sentindo a fúria borbulhar dentro de mim. Queria destruí-lo, mas sabia que não era a hora certa.
— Tenho algumas moedas — disse calmamente, puxando o pouco dinheiro que havia ganhado. — Não é muito, mas é tudo que tenho.
Ele avançou e arrancou as moedas da minha mão, um sorriso cruel surgindo em seus lábios.
— Não vale o esforço — ele murmurou, empurrando-me de lado. — Vá embora antes que eu mude de ideia.
Enquanto ele voltava sua atenção para os dois outros homens no chão, vi eles tentando se levantar com dificuldade. Queria ajudá-los, mas sabia que qualquer movimento brusco poderia atrair mais problemas.
*Paciência, Victor. Você é forte demais para resolver isso com violência. Tem que pensar no longo prazo…* pensei, tentando me acalmar.
Voltei a caminhar em direção à casa de Thom, minhas mãos agora vazias e minha mente cheia de dúvidas. Cada passo parecia mais pesado, o frio penetrava na minha pele, mas já não era aquele frio tão intenso. Parece que estou me acostumando aos poucos, talvez seja por causa dessa roupa que Eliza me deu, preciso achar uma forma de agradecê-la.
Ao chegar à casa de Thom, bati levemente na porta e fui recebido por um olhar curioso de Eliza.
— Conseguiu alguma coisa hoje? — ela perguntou, tentando esconder a preocupação em sua voz.
— Infelizmente, não muito — respondi, forçando um sorriso. — Mas estou bem, ainda tenho energia para continuar tentando.
Lilia assentiu, mas seu olhar melancólico se fixou no chão, denunciando que havia percebido algo de errado. Não queria preocupá-la ainda mais, então mantive o silêncio.
— Venha aqui, coma um pouco. Amanhã vai ser melhor, você vai ver. — disse ela, guiando-me para a mesa com um sorriso gentil, uma tentativa palpável de me confortar.
Subi para o quarto que me cederam após o jantar. O ambiente era simples, mas acolhedor: uma cama afastada da janela, um guarda-roupa e uma escrivaninha. Sentei-me na cama e me escorei na parede, olhando pela janela para o castelo majestoso que dominava o horizonte. A luz da lua entrava suavemente, sendo a única iluminação no quarto, já que eu não acendi o lampião.
— [Você fez o certo, Victor. Não valeria a pena usar sua força contra aquele cara, você sabe.] — disse Merlin, aparecendo na minha frente como uma figura etérea.
— … Passei o dia inteiro descarregando mercadorias, fazendo algumas entregas, só para perder o que ganhei para um qualquer… Merlin, eu realmente queria ter acabado com ele ali… — murmurei, abraçando minhas pernas.
Ouvi passos se aproximando. Pelo som, era alguém menor que Thom e Eliza. *Lilia deve estar indo dormir… Pelo menos estou ficando bom com meus sentidos.*
Para minha surpresa, ela bateu na porta. Levantei a cabeça e a convidei para entrar. Merlin rapidamente se camuflou.
Lilia entrou e hesitou por um momento, confusa ao me ver encolhido no canto da cama. Tentei sorrir para ela, mas sabia que não foi convincente.
Ela se aproximou, agora sem a roupa de frio, apenas com um gorro que deixava à mostra seus cabelos castanhos. Carregava um caderno e se sentou ao meu lado na cama.
— O que é isso? — perguntei, apontando para o caderno.
Lilia ainda era tímida comigo, compreensível, já que nos conhecemos apenas hoje. Mas havia uma curiosidade em seus olhos, talvez pela falta de contato com outras pessoas.
— São… meus sonhos… — ela disse baixinho, arrancando um sorriso involuntário de mim.
— Sério? Posso ver? — perguntei, movendo a cabeça lentamente em sinal de interesse.
Ela entregou o caderno e observou enquanto eu o abria e folheava suas páginas. Havia desenhos e escritos, a letra dela era desajeitada, mas compreensível.
“Quero ir para a praia com minha mãe e meu pai”, ou então, “Quero ser forte um dia, para que as pessoas gostem de mim.”… “Quero que as outras crianças me aceitem”…
*Por que uma garotinha de 10 anos está escrevendo coisas assim…?*
— Sabe, eu também queria ir para a praia, deve ser legal, não acha? — perguntei, tentando puxar conversa.
— Uhum! Me disseram que é quentinho! — ela respondeu, com um tom mais animado.
— Com certeza! Mas Lilia, o que você quis dizer com isso? — apontei para a parte sobre ser forte e ser aceita.
— Me disseram que é assim que o mundo funciona. Se você não for forte, não tem valor nenhum para o mundo… — disse ela, com a voz enfraquecida, olhando para suas mãos.
— Quem foi que te disse isso?
— Meu avaliador… Quando ele veio medir meu Mna…
*Um avaliador… Isso deve ser um processo comum para os humanos. Mas o que seria “Mna”? Algo como mana, talvez?*
— E então… Você acredita que não vai ser aceita se não atingir essas expectativas?
Ela assentiu, e meu coração apertou. Como alguém pode impor algo assim a uma criança? Isso é revoltante.
— Ele disse que meu valor era igual a lixo…
Naquele momento, apertei meus punhos com força. Por fora, tentei parecer calmo, mas por dentro, estava furioso.
— Bom, ele está muito errado.
Lembrei das vezes em que ouvi o mesmo de pessoas ao meu redor. Para eles, eu era um lixo que não contribuía com nada, mesmo dando o meu melhor. Odeio ver que isso existe até mesmo em outro mundo. Queria poder confrontar o homem que disse tais palavras a Lilia.
— Mas… Eu sou da classe mais baixa para a minha idade…
Eu não podia deixá-la acreditar nessa bobagem. Isso poderia marcá-la para a vida toda.
— Isso não é importante agora. Não deixe ninguém dizer o quanto você vale, nem o quanto você é capaz. Eles não passam de ignorantes, não se doa por pessoas assim.
Talvez eu mesmo não siga meus próprios conselhos. Talvez seja tarde demais para mim, pelo menos queria oferecer uma perspectiva diferente para Lilia.
— Eu… — Lilia começou, mas foi interrompida pela porta se abrindo. Era Eliza.
— Aí está você, está na hora de dormir, mocinha. Sei que você gosta muito do seu novo herói, mas ele também precisa descansar! — disse Eliza, pegando Lilia no colo e a levando para fora. Antes de fechar a porta, ela se virou para mim. — Durma bem.
Lilia esqueceu o caderno… Deitei-me na cama, segurando-o contra o peito, enquanto Merlin voltava a se tornar visível.
— Ei, Merlin. Acho que estou bem irritado agora…
— [Eu percebi… O que pretende fazer?] — perguntou ela, preocupada.
— Sendo sincero… Eu não sei…
— [Bom, que tal, fazer aquilo que você acha certo?]
— Hmm… Não sou bom em julgar essas coisas… Acho que o certo e descansar para amanhã.
— [Então vamos descansar para amanhã!]
Com isso, virei-me para a parede e fechei os olhos.
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No dia seguinte, após um café da manhã simples mas reconfortante, me preparei para encarar mais um dia de trabalho, que por sinal, me daria uma boa quantidade de dinheiro por dia. Queria encontrar uma maneira de compensar Eliza e Thom por toda a ajuda que me deram, pelo menos conseguindo pagar o dinheiro que gastaram me alimentando. Com isso em mente, saí para a guilda, determinado a fazer o meu melhor.
Gregor, o comerciante, havia conseguido um trabalho na guilda principal da cidade pra mim, chamada Aurora. Ele mencionou que antigamente havia duas guildas em Cirgo, mas muitos aventureiros abandonaram a cidade em busca de oportunidades em outros reinos, forçando a fusão das guildas restantes. O tempo aqui não está fácil pra ninguém.
A fachada da guilda estava coberta de neve, um testemunho do clima implacável. O prédio de três andares era impressionante e bem mantido. Ao entrar, fui recebido por um ambiente acolhedor: o chão de madeira bem cuidada e o brilho quente dos lampiões criavam uma atmosfera confortável. Vários aventureiros se reuniam em grupos, conversando animadamente enquanto desfrutavam do serviço de comida da guilda.
Logo na entrada, fui recebido por Elara, a atendente. Seus cabelos pretos estavam presos em um coque elegante, e seu uniforme da guilda, adornado com um símbolo de pássaro, parecia bem reforçado contra o frio. Ela tinha um ar profissional, mas seus olhos mostravam cansaço extremo. Minha análise diz que ela tem 26 anos, acho que ela não está contente de estar aqui.
— Bem-vindo à guilda Aurora. Como posso ajudá-lo hoje? — ela perguntou, com um sorriso ensaiado.
— Eu sou Victor. Gregor me mandou aqui para começar a trabalhar hoje — respondi, tentando soar confiante.
— Ah, claro, o Gregor mencionou sobre você. Siga-me, vou mostrar onde você pode começar — disse Elara, me guiando pelo saguão.
Enquanto me mostrava os arredores, notei que a guilda abrigava vários aventureiros de boa aparência, mas um grupo em particular se destacava. Eles eram ruidosos e intimidadores, claramente se consideravam os melhores. Elara também parecia desconfortável na presença deles, o que ficou evidente quando um dos membros do grupo fez um comentário desrespeitoso enquanto passávamos.
— Ei, Elara, que tal um sorrisinho para animar o ambiente? — disse um deles, com um tom sarcástico.
Ela ignorou, mas eu pude ver o desconforto presente, quando ela olhou para baixo e apertou os punhos. Continuamos andando até chegar a uma área de armazenamento.
— Aqui é onde você pode começar. Precisamos organizar essas mercadorias e limpar a área. Se precisar de algo, estarei no balcão — disse Elara, antes de se afastar rapidamente.
Comecei a trabalhar, mas a tranquilidade durou pouco. O líder daquele grupo barulhento, o mesmo homem que me roubou ontem, estava sentado em uma mesa próxima. Ele falava alto, bebia como um alcoólatra e constantemente batia na mesa, fazendo questão de sujar o chão propositalmente.
— Ei, moleque! — ele gritou, me chamando. — Você perdeu alguma coisa ontem, não foi? — perguntou, com um sorriso malicioso.
Tentei manter a calma, mas era difícil ignorar a provocação. Continuei limpando, tentando não dar importância. O armazém ficava junto do saguão, sendo apenas uma porta no canto, alguns metros de mim, estava aquele homem e seu grupo.
— Não se faça de surdo! Estou falando com você! — ele insistiu, batendo na mesa com mais força.
Elara, percebendo a tensão, veio rapidamente em minha direção.
— Por favor, deixe-o trabalhar em paz — disse ela, tentando intervir.
— Ah, qual é, Elara! Só estamos nos divertindo um pouco — disse um dos outros membros do grupo, rindo.
— Isso não é diversão, é assédio — retrucou Elara, firme.
— Cuidado com o que você diz — murmurou Dragan, olhando-a de cima a baixo com um olhar ameaçador.
A situação estava ficando insustentável. Eu queria confrontá-lo, mas não adiantaria nada. Só causaria destruição desnecessária e mais problemas para os outros funcionários.
— Elara, está tudo bem. Eu consigo lidar com isso — disse, tentando tranquilizá-la.
Se ele só está implicando comigo, está tudo bem. Só tenho que aguentar até o meu trabalho terminar. Já passei por isso muitas vezes, afinal.
Ela assentiu, relutante, e voltou para o balcão. Continuei trabalhando, limpando o chão sujo pelas constantes ações do grupo de Dragan, tentando não deixar a raiva transparecer.
O dia parecia não ter fim. Uma hora passou, depois duas… Nesse meio tempo, eu tive que aturar muitas coisas. Comentários sobre minha aparência, ofensas, humilhações e até mesmo agressões. Enquanto eu limpava o chão com um pano, Dragan chutou meu ombro. Eu nem me movi, na verdade, nem senti, apenas continuei trabalhando… Mas ele levou isso a um nível ainda mais baixo.
— Ei, seu inútil! — gritou Dragan, derramando cerveja no chão de propósito. — Olha pra você, mal consegue manter o equilíbrio. Aposto que sua mãe tem vergonha de ter um fracasso como filho.
Ele estava de pé, do meu lado, enquanto eu limpava, tentando ignorar o máximo que conseguia.
Ignorei, ignorei… concentrado em minha tarefa, mas ele não parou.
— Deve ter sido um acidente, não é? Uma criança indesejada, um peso morto para sua família. Aposto que sua mãe te odeia, e não posso culpá-la por isso.
Minha mão tremia de raiva, mas eu continuei limpando. Não podia perder a cabeça.
*Calma… Calma… Calma…* Eu repetia isso na minha cabeça muitas vezes, dezenas.
— Aposto que ela era uma… — ele começou, mas a próxima palavra nunca saiu de sua boca.
Foi naquele momento que algo dentro de mim estalou. Sem pensar, chutei a perna de Dragan com tanta força que ouvi o osso se quebrar instantaneamente. Ele gritou, mas antes que pudesse reagir, meu punho encontrou seu rosto, quebrando sua mandíbula com um estalo seco. O sangue respingou no meu rosto enquanto eu o via cair em câmera lenta, o chão se rachando sob o impacto.
Tudo parecia surreal, o som abafado, o ambiente envolto em um silêncio profundo. Apenas fiquei parado, olhando Dragan caído em uma poça de sangue. Não estava pensando em nada, nem mesmo o condenando em minha mente. Apenas ouvi o silêncio que não ouvia há horas.
— Ei… Dragan… Levanta aí, cara? — um dos companheiros dele falou, suando e em choque em seu assento.
— Não pode ser…
— Eu nem consegui ver o que aconteceu…
— Um golpe…?
*Não, foram dois… Mas acho que poderia ter sido só um…* pensei, enquanto o sangue chegava aos meus pés. Eu apenas olhava, sem demonstrar qualquer mudança na expressão.
Elara e outros funcionários vieram rapidamente até ele, preocupados. A guilda inteira estava em silêncio, todos olhando com espanto. Elara me olhou com uma mistura de surpresa e preocupação.
— Victor, o que você fez…? — sussurrou ela, incrédula.
Eu não sentia culpa, apenas um estranho alívio. Meu corpo havia se movido sozinho, uma resposta instintiva à injustiça e à humilhação. Agora, finalmente, havia silêncio.
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“Nas asas do tempo, voe para além do céu, onde os sorrisos te esperam, doces como mel… Meu pequeno tesouro… Boa noite…”
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