Venante - Capítulo 8
Enquanto Leonardo cochilava e Elisa e Rafael terminavam suas negociações, uma mansão estava mais animada que de costume.
Era 16:30 atualmente e uma família pomposa estava reunida em seu chá da tarde.
— Então, minha princesinha — O homem de bigode extravagante começou o diálogo. Não fazia muito tempo que havia chegado em casa e foi direto comparecer ao chá da tarde com sua esposa e filha. —, como foi o teste? Espero que tenha se divertido.
— Até que sim, papai. Mas… teve algo muito irritante também! — Ela levantou o tom ao lembrar do que havia acontecido, imediatamente atacando um dos minicheesecakes na mesinha com o seu garfo. — Ele… me… paga… — Continuou a murmurar enquanto mastigava.
— Oh? Um garoto? — Quem havia perguntado foi a mãe dela, sentada ao lado do seu marido. Uma risadinha veio após a questão. — Quem foi o cavalheiro que aborreceu a minha donzelinha? — A pergunta foi de pura inocência. Como uma verdadeira dama, sabia muito bem como tratar sua preciosa filha.
— Cavalheiro? Ele?! Mamãe, papai… Ele é um sem-vergonha! Nem mesmo se vestiu apropriadamente para o teste. Além disso, me ofendeu, dizendo que sou arrogante, que fico me gabando da minha família e se pergunto para todos se conhecem a minha família… Ugh! Insuportável! — Outro minicheesecake sumiu do prato de sobremesa, conforme a indignação aumentava.
Os dois, pai e mãe, se olharam e deram um sorriso para o outro. Era adorável ver sua filha tão animada sobre um assunto, por mais que estivesse aborrecendo-a.
— Não se preocupe com essas coisas, querida… — O pai tentou consolar, mas não sabia que palavras usar para tal situação, além de querer ver mais expressões da sua garotinha.
— Docinho, esse menino tentou alguma coisa com você? Explique mais… — A mãe, mais preocupada sobre o que o garoto poderia ter feito para aborrecê-la tanto, começou a perguntar mais a fundo.
Não havia dúvidas, essa não era outra família senão a tão famosa família Veneditte.
Os chefes da família, o casal de gala, Matheus e Helena, pais de Charlotte, estavam aproveitando as férias para ficar com suas duas filhas até suas aulas começarem, para finalmente voltar a vida de Venantes. Em seus plenos 36 e 35 anos de idade, respectivamente, o casal exalava juventude e compostura, trajando-se como se estivessem vivendo na Belle Époque.
Uma característica comum de todos dessa família era seus loiros cabelos, que apenas variavam na intensidade da cor.
Após comer mais, Charlotte começou a explicar todos os ocorridos que teve com Leonardo.
Foi um choque para os dois pais ouvirem. O mais cômico era a expressão deles de alegria pela sua filha. Charlotte quase nunca saía de casa, exceto ir ao jardim, e, inesperadamente, sua primeira interação, depois de tanto tempo, foi com um garoto.
Ouvir que esse garoto falava o que pensava, que não se importava muito, mas não menosprezava o que os pais dela faziam, além de provocar Charlotte, os fez encantarem por tal jovem.
Não parecia por suas maneiras requintadas, mas suas duas filhas eram suas joias mais preciosas. Ver que uma delas estava desabrochando, os encheu de entusiasmo para a vida colegial dela, além de ser uma ótima maneira de suscitá-la.
— Então, docinho, sabe dizer se esse garoto vai participar do Colégio Marvente? — perguntou Helena a sua filha.
Nessa hora, Charlotte engasgou com o pedaço do bolo e derrubou o garfo, em susto.
Um mordomo apareceu de imediato, mas a garota apenas estendeu a mão, mostrando que a tosse pararia em breve.
Após se acalmar, ela olhou para a mãe e perguntou: — Mamãe… por que essa questão?
— Oh? Docinho, você não notou quão animada estava enquanto comentava sobre ele? Nem seu Auct pareceu tão incrível quando voltava a falar dele… — Ela apoiou o queixo sobre suas mãos abertas, quase como estivesse romantizada. — Achei que soubesse se ele estudaria contigo, já que fizeram amizade.
— Amizade?! — O rosto de Charlotte mostrou diversas reações. Principalmente por não notar que estava feliz por falar de Leonardo. — Não… Não é isso… — Ela, por fim, ficou com o rosto vermelho de vergonha.
— Amor, não a provoque dessa forma. — Matheus disse baixinho para sua esposa. — Querida, você disse que ele se chamava Leonardo… Recorda-se do sobrenome dele? — Terminou por perguntar para sua filha.
Charlotte parou um segundo para pensar.
— Quebic? Melvic? Blevic? — Ela começou a falar palavras esquisitas, terminando com um som semelhante. — Eu não lembro…
Matheus refletiu, pensando em sobrenomes que lembravam essas palavras.
Helena pareceu ter uma resolução, mas também surpresa, e perguntou: — Poderia ser… Klevic?
Nessa mesma hora, Matheus olhou surpreso.
— Isso! Esse mesmo. Como você conhece, mãe?
Dessa forma, Helena olhou para Matheus, para ver se comentavam algo para a sua menina, mas seus olhares pareciam ter decidido algo especifico.
Matheus respondeu por cima: — A família Klevic… Bem… É de certa forma famosa… Acredito que tenha boas chances de encontrá-lo no colégio.
Um brilho rápido cruzou os olhos da jovem, mas logo foi ofuscado quando fechou eles, virando seu rosto.
— E quem disse que eu gostaria de revê-lo?
Os pais dela sorriram sinceramente. Sua filha era muito fofa quando tentava esconder seus sentimentos.
Com o assunto sobre Leonardo acabado, Charlotte foi retomando a compostura.
— Não era para Emma comparecer hoje? — perguntou para seus pais.
Charlotte tinha um laço firme com sua irmã mais velha, Emma, então, esperava que ela estivesse presente no dia do teste.
— Meu docinho, Emma está muito ocupada com este ano. Pelo que soubemos, ela está participando de uma raide há um dia. Aposto que quando a ver, ela vai pedir desculpas por não ter comparecido hoje.
Charlotte suspirou. Sabia que a função de Emma exigia muito, mesmo assim, após essa resposta, colocou um sorriso no rosto e continuou a conversar.
— Vocês viram que apareceu o primeiro Venante Grau S no Peru essa semana? — Era um dos tópicos que mais gostava de falar; o surgimento de Venantes fortes.
— Não só no Peru, filha — Matheus contribuiu com as novidades. —, mas o Chile teve o seu segundo Grau S. Parece que a América do Sul está se mostrando mais esses tempos.
Em seguida, teorizaram sobre os Aucts que esses poderosos teriam, discutiram sobre assuntos envolvendo Venantes profissionais pelo globo e acabaram por voltar ao assunto do teste de hoje.
— Ainda assim, fico feliz que você não se machucou na explosão do prédio de testes… — falou Matheus a respeito do acidente que sua filha contou. — Deve ter sido um choque, por estar em uma das salas próximas.
— Uhum… — comentou enquanto comia. — Por sorte o Sr. Felipe estava lá… Quando notei, já estava fora do prédio, vendo a explosão do lado de fora.
Charlotte estava comentando do agente designado a ela naquele momento.
Helena, mais sentimental, comentou: — Mesmo assim, o colégio deveria estar mais preparado para aguentar Aucts poderosos assim. — Suas bochechas brancas tingiram um vermelho mais vivo. — Como podem quase machucar minha bebê… Hmph. — Terminara por ficar emburrada.
Helena era uma mãe muito emotiva e protetora com sua filha mais nova, por mais provocativa e sonhadora que fosse, ainda mantinha uma aura animada quando se tratava de seu tesouro.
Matheus pareceu focado em outra coisa e começou a analisar.
— Hm… Talvez um Explosão de Grau A+… — Estava refletindo sobre o Auct da pessoa. — Para ser capaz de destruir a metade de dentro de um prédio revestido contra impactos… Muito perigoso. — Ele esfregou um pouco o queixo e terminou advertindo: — Filha, tome cuidado para não procurar problemas com essa pessoa.
— Papai, desde quando eu busco ou causo problemas? — Charlotte sorriu com pura inocência.
Os dois pais se olharam, meio incomodados.
— Docinho… — Helena até ia comentar do motivo dela não ter ainda amigos, mas era impossível para ela falar algo tão “cruel” para sua filha.
Era óbvio que Charlotte nunca se viu como errada em sua vida. Não tinha amigos por apenas questão natural das coisas, mas nunca ela seria o problema.
— É só para evitar essa pessoa, querida. — Matheus finalizou, lembrando-a.
Ela assentiu, mesmo não entendendo o motivo de tanta preocupação, já que jamais faria algo que incomodasse outras pessoas.
Essa era a maior curiosidade dessa esperta moça. Talvez, na visão dos outros, fosse muito boba, inocente e animada. Porém não era sua honestidade em suas expressões e diálogos, muito menos seu mau hábito de analisar as pessoas que havia dialogado antes que se destacava nela.
Charlotte Veneditte era um prodígio em autocrítica e crescimento próprio.
Seu coração estava repleto de bondade vindo de seus pais, com seus atos generosos ao país. Mas, havia um espaço especial dentro desse coração ardente que sempre a fazia ir além.
Sua irmã, Emma, era sua maior inspiração. Sempre a superando em tudo e lembrando de suas falhas e como as corrigir.
Com esse tipo de pessoa, Charlotte sempre teve um caminho para traçar e progredir. Notas mentais de onde pode e como deve melhorar.
Nesse momento, ela se levantou, espreguiçou-se de leve e falou: — Papai, mamãe, peço desculpa, mas me ausentarei por ora.
Os dois pais já sabiam o que ela faria, afinal, era quase um vício de linguagem único dela. Sempre que era muito singela em sua frase, era porque queria fazer algo.
Desde o amistoso com Leonardo, o coração dela estava palpitando para melhorar. Um amor pelo crescimento, de saber que está mais perto daquela sombra que esteve correndo atrás.
Sabia de cada falha que mostrou e era por isso que queria corrigir nesse pouco tempo até as aulas começarem.
Essa garota não tinha nada de bobo. Sua honestidade não era um problema. Sentia-se correta por lembrar das bondades que sua família fazia, era seu orgulho. Sua vontade de crescer não era para ser menosprezada. Uma vez que errava, não cometeria o mesmo.
Charlotte Veneditte não se importava que os outros notassem que nunca parou de estudar, afiar seus conhecimentos, de treinar seu corpo, ao ponto de ser uma atleta verdadeira e de analisar a si e a todos, para saber como vencer.
Ela se via como um diamante bruto e era por isso que jamais deixaria uma falha passar sem ser corrigida.
Assim que estava deixando a sala de chá, Charlotte resmungou baixo, como uma certeza: — Da próxima vez… não vou perder.
Lembrou daquele garoto que a venceu, que estava certa que tinha tudo para derrotá-lo de uma só vez. Contudo foi ela quem perdeu e ainda o viu desistir pelo seu bem.
A porta se fechou, deixando apenas os pais tomando seus chás.
— Amor, a nossa florzinha está florescendo — Helena disse com muita felicidade.
— Sim, amor. Mas o filho daquela Elisa é muito intrigante… Sequer imagino que Auct possa ser. — Matheus estava pensando sobre o garoto que desistiu do amistoso apenas porque não queria machucar sua preciosa filha. — Ao menos, não temos que se preocupar com a amizade desses dois.
Os dois sorriram um para o outro, felizes de que sua filha estava fazendo seu primeiro amigo depois de tanto tempo.