Venante - Capítulo 32
— Dois clubes? — Surpresa passou no olhar da loira. — E por que com nós duas?
— Achei que era uma ideia interessante fazer parte de um clube com…
— Uhn… — Um resmungo soou baixo, atraindo atenção dos dois que estavam conversando.
Quando se viraram para a gótica de olhos fechados, perceberam os lábios dela se movendo, como se estivesse falando algo muito baixo.
— Hã? Agatha — Charlotte a chamou baixinho conforme esticava a cabeça para trás —, disse algo?
— Acho que ela só está dormindo. — Para ele, tudo indicava que a garota estava em sua soneca.
No entanto, o olho não-tapado se abriu e, com aquela pupila azul brilhante, encarou justamente o jovem de olheiras. — Eu disse que quero é distância de vocês dois.
— Ela tem esse hábito de falar sozinha, Leo. Não sabia?
— Não…
— Of course. Se o Weirdo notasse algo debaixo do nariz dele, eu já ficaria surpresa.
— Ei! — Leonardo se manifestou em voz alta.
O professor Estavan sabia que alguns alunos estavam papeando baixinho, mas não iria repreender desde que ficasse por isso, no entanto, ao ouvir o esbravejo, parou de lecionar e soltou uma tossicada alta de advertência.
Algumas pessoas balançaram a cabeça em direção de Leonardo, que só pôde se corrigir na cadeira e aquietar.
Agatha aproveitou o silêncio, reclinou para frente, debruçando sobre a mesa e falou em voz baixa: — We can talk later. Ainda não pensei sobre isso.
Os dois da frente se entreolharam e concordaram com a cabeça. O intervalo seria o melhor momento para conversar.
A aula de Estevan continuou com mais “animação”, falando com mais propriedade o que foi abordado na última aula. E Agatha aproveitou que o professor estava tão concentrado com o tópico para fechar os olhos.
Três aulas depois, o sinal do intervalo tocou na sala de aula. Enfim, depois da surra diária com Estevan e Jéssica, a professora de português e literatura, os jovens poderiam ver a luz do sol fora daquele local que consideravam uma prisão da sabedoria.
Charlotte se levantou, seguida de Leonardo e a gótica.
O trio sempre chamou a atenção da maioria dos alunos.
Agatha, apesar de vir de uma família “comum” para a maioria, era misteriosa e quieta, além dos comentários ácidos que soltava para qualquer um que viesse enchê-la o saco. Tanto que algumas garotas a definiram como “perigosa” em suas mentes.
Charlotte era como uma joia no meio de todos; acompanhada do renome dos Veneditte, inteligência em diversas áreas e a beleza de uma princesa europeia, não faltava atributos que não fizessem alguém a olhar duas vezes.
No entanto, todos pareciam a evitar… Até corria o rumor que ela era orgulhosa e não falava com gente de classe menor. Isso tudo porque um garoto tentou cortejá-la e foi ignorado, deixado sem resposta.
E tinha o Leonardo. Que ninguém entendia porque estava ali. Mesmo na questão de sabedoria, não estando abaixo da Veneditte, ainda não o consideravam grandes coisas.
Depois da briga com Gustavo, que resultou em suspensão, mais e mais jovens foram atrás das informações dos dois. Para a surpresa deles, apenas coisas superficiais foram encontradas sobre o pálido: um falecido pai e uma mãe ainda atuante como Venante. Nada de relevante.
Quando Leonardo estava prestes a sair da sala, alguém esbarrou contra o seu braço com força.
Nessa hora, era como se o prédio ficasse em silêncio. O jovem de olheiras teve que olhar um pouco para cima, apenas para encarar o rapaz que voltou o seu rosto para trás.
— Marcos…
O loiro apertou as sobrancelhas ao ver o rosto do outro. — Eu mesmo. Tem algo para falar?
A respiração de Leonardo ficou mais pesada e errática. Não era medo do colega, mas o olhar dos outros em suas costas como se fosse estourar uma briga a qualquer momento.
— Só cuida por onde anda — falou com calma.
— É isso? Certo então. — Marcos apertou os olhos e seguiu em frente.
Leonardo achava que ele reagiria de outra forma, mas ao olhar o garoto à distância, notou alguns curativos em seus braços e rosto.
“Ele andou se metendo em briga?”
— Tá tudo bem, Leo? — Charlotte foi a primeira a perguntar. — Ele só pode ser um mal educado mesmo… — Com indignação, balançou a cabeça.
— Relax, Stalker. Se esse marmanjo quisesse problema, já teria feito antes.
Leonardo esfregou o braço que foi acertado e perguntou: — O que ele tem feito desde que o Gustavo foi suspenso?
As duas se viraram para o de olheiras e levantaram a sobrancelha, mostrando que não faziam ideia.
— Entendi. — Assentiu de leve e se virou para a loira. — Então… Eu vou com a Agatha encontrar a Luca hoje.
— Então não vamos ao refeitório? — Charlotte piscou algumas vezes, estática. Ao notar que não ficaria com ele no intervalo, pareceu perder um pouco o brilho de seu olhar. — Tudo bem…
Agatha não aguentou esse drama e, com um suspiro profundo, disse: — Okay. Pode vir.
O mundo cinzento da jovem Veneditte se coloriu a uma velocidade impressionante, quase que soltou um salto de alegria.
No caminho para onde Luca costumava ficar, a conversa do trio se iniciou.
— Sabe… Agatha, por que você usa essa lente? — Charlotte foi para um assunto mais comum com a colega, visto que Leonardo estava pensativo.
Agatha abriu o olho de leve e perguntou com curiosidade: — Não ficou legal?
— É que… — Os passos da loira diminuíram. Estava insegura de dizer aquilo tão na cara. — Você não parece gostar de coisas chamativas assim.
Leonardo visou o olho à mostra da menina de franja colorida. Todos sabiam que era uma lente, afinal, não existia uma pupila que brilhasse naturalmente, a menos que fosse como o Auct dele. Mas nunca parou para pensar que combinava ou não com a colega dele.
Agatha parou de andar. — É que tem algo que vocês não sabem… — A sua mão se moveu em direção a sua cabeça, para baixo da franja, onde seu outro olho ficava escondido.
Para os dois que a encaravam, era como se o tempo parasse e o ar ficasse pesado. Seria como a apresentação de um poder oculto? Um olho de forma diferente com poderes místicos, como em muitos animes?
Quando ela ergueu a franja de cor azul, seu olho escondido pôde enfim ser visto. Diferente do seu direito que era azul, o esquerdo tinha uma cor roxa.
— Eu acho foda heterocromia. Só isso.
— Só isso? — Os dois falaram em conjunto.
Ao abaixar a mão, tocou seu Nelink e apareceu um holograma de um aplicativo com paletas de cores de cada lado. — É aqui onde controlo as cores de cada lente. — Começou a trocar as cores de cada olho, verde e laranja, vermelho e roxo. — Já o brilho não é minha escolha. É a versão free do aplicativo.
Ela não costumava perder tempo explicando coisas banais, a menos que fosse do seu interesse, pois falaria com prazer sobre o assunto.
Agatha percebeu a surpresa dos dois por ver aquela apresentação toda dela, então logo disfarçou com outra pergunta: — Então, Weirdo, você disse algo sobre clube e nós duas. Qual é o rolo?
— Eu já vou participar pela manhã de um clube, então não vou estar nas aulas com vocês. Então, estive pensando em fazermos parte de um clube juntos.
A gótica levantou uma das sobrancelhas, mas quem comentou foi Charlotte: — Não acha muito puxado fazer parte de dois clubes? Eu estava pensando em participar do Clube de Pesquisas nesse ano ou talvez um de combate só.
Era uma prática comum nos colégios focados na formação de Venantes que fizesse parte de um clube por um determinado tempo até que fosse para outro. Por mais que ajudasse no futuro da carreira, os alunos eram instigados a sempre buscarem novas rotas de formação. Logo, o que Charlotte disse era sensato.
Por mais que gostasse de ficar próxima dos dois, para ela não fazia sentido se esforçar tanto como Leonardo. Mesmo assim, sentiu o coração pular algumas batidas pelo fato do garoto ter pensado em passar mais tempo com ela.
— Well… Tanto faz, para mim. — Ela apertou o canto da boca e deu de ombros. — Não pensei muito nos clubes mesmo. Já tem ideia de um pelo menos?
Leonardo esperou as duas falarem. — Então, eu também estava querendo fazer parte do Clube de Pesquisas… — Ele coçou a cabeça, um pouco constrangido. — Mas duvido que você vá gostar.
— I’m glad you know that.
Charlotte e Leonardo pensavam parecido, mas Agatha era um fator que destruía essa sincronia, então não seria divertido se só dois gostassem.
Foi então que a voz da Veneditte ficou mais animada. — Que tal chamar a Luca e a Júlia também? Aposto que elas vão adorar!
— A Luca até que seria bom, mas a Júlia… — Agatha pareceu não bater com a ideia.
— O que tem a Júlia?
— I don’t wanna join a gossip club, you know.
— A Júlia não é fofoqueira! Ela é só… — Charlotte queria defender a sua amiga, mas estava com dificuldade.
— Tá bom, gente. Depois vemos sobre isso. Podemos ver com a Luca se tem uma ideia interessante também.
As duas concordaram com o proposto de Leonardo e continuaram o caminho.
Luca estava agachada perto de um pequeno lago solitário do campus. Era um dos pontos de descanso e recreação dos Marventes. Era próximo da entrada do colégio, mas parecia que os alunos evitavam esse local.
Ela mexia o dedo na água verde-claro, como se desenhasse um rostinho triste.
Pegadas sobre a grama puderam ser ouvidas e ela se virou.
— Gente! — Se levantou e correu para abraçá-los.
O trio nunca sabia como reagir quando a morena era tão animada e gentil com eles.
— Por que Leo e Charlotte vir também?
— O Weirdo queria te ver, e você sabe como a Stalker é grudada nele. — Um sorriso de canto surgiu.
A loira expressou na hora: — Ei!
Com o encontro deles, aproveitaram para se sentar num banco de pedra que ficava próximo. Complementava bem o lago preservado do local e trazia um sentimento mais antigo para o cenário.
— Participar em clube com vocês? — Luca ficou chocada com o assunto. Mas ao ver que eles queriam que ela fizesse parte disso, seus olhos ficaram marejados. — Claro que eu querer!
— Luca, por que tá chorando? — Charlotte tirou o lenço do bolso do paletó.
— Eu não estar chorando! Uma cisco cair no olho, só. — Pegou o lenço e virou o rosto para limpar o rosto.
Leonardo sorriu para isso. — Queríamos saber se você tem ideia de algum clube para participar.
— Clube? — Ela ergueu a cabeça, colocou a mão no queixo e pensou por um tempo. — Eu sempre querer ver Brasil… Ter clube disso?
Os três do lado entreolharam e pensaram em algo próximo.
— Não tem o Clube de Viagens? — Charlotte ligou o Nelink para conferir. — Aqui. É um clube focado em excursões, mas é uma viagem a cada mês… E não vão muito longe também.
— Por que existe um clube desses? — Agatha expressou a dúvida.
Leonardo se aproximou de Charlotte, o que causou em uma leve vermelhidão no rosto dela, e leu mais sobre o clube.
— É um clube financiado por outras instituições… Então são viagens para estudar e talvez conseguir um futuro investimento de algum Venante formado daqui?
— Tal-talvez… — Charlotte não estava acostumada pela aproximação.
— So, what you think?
Charlotte olhou para Leonardo, que logo olhou para a sonhadora Luca. A menina veio da Arábia e não parecia conhecer muito do Brasil, na verdade, nem Leonardo conhecia muito. Fora que a tabela de presença do clube era bem livre; bastava participar das apresentações no fim do dia que não teria problema.
Os prós eram bastantes e ainda permitia que ficassem mais tempo juntos. Claro, o maior pró para o garoto era poder jogar Ambição Real na noite que não tivesse palestra!
— Eu topo. — Leonardo concordou na hora.
— Me too. — Agatha olhou para Luca e sorriu de leve. Na verdade, a mais entendida de viagens ali era ela, então gostou de participar de algo que já entendia.
Charlotte ficou animadíssima com isso. — Gostei! Vamos fazer excursões!
— Então nós participar da clube!
Os quatro conversaram bastante sobre o clube, vendo mais detalhes e como funcionaria as viagens. O entusiasmo de encontrar um clube tão diferente era muito bom.
Claro, caso não encontrassem um clube ou não quisessem, Leonardo já tinha outras opções em mente: o de pesquisa, o de realidade virtual — já que adoraria encontrar mais gente que jogava Ambição real — ou algum focado em construção de máquinas.
Depois de mais um tempo de conversa, o quarteto se acalmou.
— Leo, eu saber que você vencer um menino uma vez… Ser verdade? — Luca mudou de assunto.
— Huh? — O jovem ficou meio confuso, já que fazia um bom tempo desde o ocorrido. — Você tá falando do Gustavo? Eu não diria que venci… Eu quase fui suspenso também.
— O Weirdo destruiu aquele babaca. — Agatha não apenas complementou, mas adicionou detalhes.
Luca se virou para o Leonardo e, balançando as pernas, perguntou: — Leo, qual ser o seu Auct?
O garoto ficou curioso com a pergunta repentina. — Eh…
Charlotte interveio: — Você não precis…
— Amplificação Sensorial. — A firmeza da resposta não pareceu ter saído da boca de Leonardo, mas acabou por interromper a loira e impressionar os outros. — Não é grande coisa, mas ainda é algo, certo?
Agatha levantou a sobrancelha e Charlotte continuou de boca aberta até que notou que não conseguiu falar o resto.
Leonardo não só falou porque confiava na Luca. Mesmo confiando nas três ali, o garoto fez isso porque não queria manter isso como se fosse um segredo. Ele sabia que muitos alunos compartilhavam a informação de seus Aucts com seus amigos. Se fizesse algo que não fosse assim também, tornaria as coisas mais estranhas.
Aproveitando a deixa, Leonardo perguntou: — Além disso, tirando a Charlotte que já sei, qual o Auct de vocês duas? — Apontou para a gótica e a morena. — Por que você não mostrou o seu na aula de educação física, Agatha?
— Preguiça. Não é lá grandes coisas também. — Ela revirou os olhos.
— Manipulação… Psico… Psicofísica? Físico? — Luca colocou o dedo no queixo, com dificuldade de falar a nomenclatura da classificação específica. — Ser difícil essa nome…
— Você falou certo, Luca. É Manipulação Psicofísica. É um Auct bem forte. — Charlotte comentou por cima, mas parecia pensativa com outra coisa.
Leonardo não ligou muito que Agatha não falou, afinal uma hora ou outra ela teria que mostrar mesmo. Assim, deixou quieto o assunto.
O sinal tocou, sinalizando o fim do intervalo desses jovens.
— Bom, vamos indo, Luca. — Leonardo estendeu a mão para a garota.
— Sim!
E, dessa forma, uma semana de aula se passou em um piscar de olhos.
Enfim era o dia tão esperado…
O momento de escolher a arma pessoal chegou!