Venante - Capítulo 31
— Huah!
Naquele quarto minimalista, o bocejo do rapaz ressoou alto e com força. Os olhos entreabertos e com dificuldade de se abrirem por completo provavam como desejava uma noite de sono completa.
Era segunda-feira; dia de aula. Era necessário acordar cedo, mas a cama parecia tão sedutora que o cobertor fino seria um abraço quentinho.
Com os ombros caídos e sem vontade alguma, ele saiu da cama e foi direto ao banheiro do dormitório com as roupas dobradas debaixo do braço.
Foi possível ouvir o barulho no quarto das garotas. Passos altos e o som do secador de cabelo. Diferente de Leonardo, que estava no limite do tempo para tomar um banho e se arrumar, elas acordaram no horário correto e estavam se aprontando para sair.
A memória do dia anterior repassou na mente dele, enquanto se movia para tomar uma ducha e dar um acordão no corpo moribundo.
Luca o abraçou com tanta força… Parecia realmente carente dele. Ficou feliz de ter se tornado tão próximo dela a esse ponto. Foi um sentimento bom.
Já Agatha reclamou, dizendo que era para ele ter voltado de fato segunda de manhã, o qual era o prazo que tinha dito antes de sair. Contudo, sem responder de volta, Leonardo sorriu para ela e foi direto para o quarto.
Até queria tomar umas canecas de café harrar e ficar madrugada adentro jogando Ambição Real, mas estava comprometido em mudar sua rotina a partir de hoje. Assim, largou suas coisas no quarto, pegou o pijama e se jogou na cama.
Por mais que tivesse desmaiado na raide, o cansaço ainda permanecia no corpo. Provavelmente pelo uso excessivo de Energia ou a tensão e adrenalina que não paravam de ser produzidas enquanto estava no Portal.
Com o “banho” tomado e vestido com o uniforme desarrumado, ele saiu do banheiro e foi até a cozinha do dormitório.
Lá estava Agatha e Luca conversando.
— Weirdo, tá tudo bem contigo? — Ela o olhava com as sobrancelhas meio tensionadas, estranhando muito algo.
— Sim? Por que essa pergunta?
— Leo ser morcego! Não dormir e até tomar banho na madrugada, antes de nós. Acontecer algo com você? Estar passando mal? Querer ir na médico? — A outra até veio colocar a mão na testa dele para sentir a temperatura.
Uma das sobrancelhas de Leonardo começou a tremer.
“Isso tudo por que eu dormi cedo?!” Suspirou fundo, retirou a mão da Luca e respondeu: — Estou muito bem. Na verdade, tenho algo para falar contigo mais tarde. — Seu olhar fixou na gótica.
Agatha o encarou de volta, por mais que soubesse que o garoto dificilmente a chamaria para conversar algo desnecessário, ainda teve que perguntar: — Eu? Why?
Ao olhar para os dois sérios, Luca bufou de leve.
— É! Por que ter que ser apenas a Agatha!
Leonardo já estava tenso em pedir algo para a gótica, agora até a outra queria saber e se envolver… Nem fazia ideia de que a morena ficaria incomodada com algo assim.
— E-eu… — Iniciou com dificuldade de expressar o problema. — Preciso de ajuda em algo.
— Eu também poder ajudar Leo. Por que ser a Agatha?
Agatha até ia interromper a colega, mas deixou de lado para perguntar diretamente: — É algo privado, Weirdo? — A interação que os dois tiveram no último mês contrastou agora.
— Não… É só que vai ser estranho. — Coçou a testa e aproveitou para desviar o olhar para longe por um segundo. — Estou precisando de ajuda sua para alguns exercícios…
As duas ficaram quietas por algum tempo, estranhando.
— Huh…? Não é melhor pedir isso para a Stalker?
— Leo não ser inteligente? Precisar de ajuda para estudar?
Assim que expressaram suas dúvidas e opiniões, Leonardo percebeu que haviam entendido algo errado.
— Não são exercícios de estudo. — Coçou o pescoço dessa vez. Era incômodo demais para ele pedir algo assim. — É coisa de… ginastica…? Me alongar e por aí vai…
Os olhos das garotas se escancararam com a resposta.
Elas não puderam ver na noite anterior, já que foi uma presença rápida quando voltou ao dormitório, mas agora era visível como o garoto estava diferente.
Sem dar chance de exclamarem o choque, os Nelinks deles deram um bip, alertando que deveriam ir ao prédio acadêmico.
— Bem, tá na hora. Vamos? — Leonardo apontou para a porta. — Depois você me dá a resposta. Vou começar amanhã o treino, mesmo.
Ele foi na frente.
Assim que saíram do dormitório, Agatha e Luca conversavam um pouco distante do jovem.
— Agatha… Leonardo não estar estranho demais?
— I think he was abduced.
— Mas aliens não existir! Existir?! — Ela mostrou sua ingenuidade.
A gótica apenas revirou os olhos e ficou pensativa enquanto encarava as costas do garoto, que antes andava um pouco corcunda… Estava um pouco mais ereto.
“He changed… even a little.”
Se virou e esperou por elas. Por mais que ele não falasse o que pensava, as meninas sentiam que Leonardo quisesse estar próximo.
Luca acelerou o passo e foi a primeira a acompanhá-lo, segurando o braço dele.
Os três andavam juntos, mas apenas a morena puxava conversa com o menino. Agatha estava até um pouco mais distante, odiando toda aquela cena cheia de purpurina.
— Então eu e Agatha conversar com Júlia e Chárlot… Char… — A dificuldade não era só o nome da loira, mas a frase ser longa, dificultando a pronuncia final. Até resmungou: — Egh…
— Aham. E como elas estão? — Leonardo sorriu um pouco por causa da dificuldade de pronunciar, mas não a corrigiu, afinal ela já sabia como falar o nome.
— Júlia ser Júlia. Charlotte estar preocupada com o “sumiço” de Leo.
— Ah, é? — Um sorriso provocativo surgiu por meio segundo. — Então ela vai ter uma boa surpresa hoje.
— Ugh. — Agatha não conseguiu conter o nojo.
Por mais que a gótica adorasse provocar a loira, ver o Leonardo fazendo isso deixava-a enjoada.
Não muito tempo depois, o prédio acadêmico ficou visível e a presença animada de Luca diminuiu, soltando-se do braço dele.
Antes de entrar, suspirou e disse com o olhar baixo: — Nos ver depois. — Acelerou o passo.
— Pera aê, Luca. — chamou a atenção. — Te vejo no intervalo, ok?
A outra assentiu com um sorriso bobo e foi na frente.
Leonardo sabia que algo estava acontecendo, afinal iam juntos até a aula e muitas das vezes Luca parecia incomodada com algo. Não comentou nada até que visse a morena sair. — Já tem ideia do que tem acontecido?
Agatha levantou uma das sobrancelhas e olhou de soslaio para o jovem ao lado.
— Não sei o que aconteceu contigo nesses tempos…Whatever. — De início colocou para fora o que esteve pensando e continuou para responder: — Deve ser o que imagina. Luca me disse que vai resolver sozinha.
Já imaginava que as tentativas de esconder as marcas do corpo indicavam o bullying que a sua colega de quarto estava sofrendo.
Na realidade, não se intrometeu nisso porque não queria ter mais problema no colégio do que já estava tendo. Contudo, depois da experiência que teve, sentia que não era correto.
Se fosse o ele de algum tempo atrás, deixaria de lado e só ajudaria se a menina pedisse. Com um olhar mais reflexivo para o prédio acadêmico, disse: — Entendo… Posso ir junto no intervalo?
A gótica levantou a sobrancelha de novo. — Faça como quiser.
Metade da turma 1-C já estava presente na sala de aula.
Charlotte estava batendo a unha sobre a mesa, ansiosa por algo. Sua expressão reflexiva era perceptível para qualquer um.
— Haah… — Ela soltou um longo suspiro e fechou os olhos para pensar. “Será que ele chegou mesmo hoje? É óbvio que sim… Ele não faltaria as aulas, né? Sim, sim. Não tem como se tornar um marginal em poucos dias, né?! É óbvio que não! Isso, ele vai chegar…”
A mente da menina estava criando teorias desde ontem. A vida colegial, que achou que seria só aproveitada para estudar e treinar, acabou por se tornar mais divertida do que imaginava e só poderia agradecer ao parceiro de conversas que arranjou.
O garoto que a fazia ficar com raiva e sem jeito por qualquer coisa que fosse dita.
— Quando ele chegar, vai se ver comigo…
Aquele que estava literalmente do seu lado.
— Vou ver o que? — Leonardo cutucou a bochecha da garota.
Charlotte abriu as pálpebras e, com os olhos trêmulos, moveu para o lado que veio o som, sem virar a cabeça.
— Le-Le-Leonardo…
Ele tirou o dedo da bochecha dela e, com o canto do lábio franzido, falou balançando a cabeça: — Não fazia ideia que uma pessoa tão recatada como você fosse sentir falta minha…
— Fa-falt… Eu?! — Indignada, levou uma mão para o peito e apontou para ele com a outra. — Você que estava! — Assim que falou em voz alta, colocou as mãos na boca, notando a besteira que saiu sem querer.
Leonardo se ajeitou na cadeira, sentindo o olhar dos colegas caindo nos dois. Ele ainda não gostava de chamar a atenção, mas era muito mais leve do que quase morrer em um Portal. Ainda assim, se debruçou na mesa e disse baixinho: — É, eu senti saudade. De todas vocês.
Charlotte pareceu estourar em vapor, com o rosto vermelho. Sua mente estava em uma situação tão caótica que nem ela entendia o que passava.
— Gross — falou a gótica, em tom alto e bem claro. — Die now, you two.
Leonardo abriu um sorriso e, com o apoio dos braços, abaixou o rosto para a mesa.
“Isso… É mais calmo assim.”
No fundo, sabia que estava mais expressivo, mas não se importava. Depois de quase morrer tantas vezes, queria apenas aproveitar o ambiente calmo e comum que estava agora. Não queria cair naquele inferno outra vez tão cedo.
“Tudo que preciso fazer é melhorar. Melhorar e melhorar.” Lembrava-se continuamente da sua meta, para que não cedesse de novo. Era hora de mudar.
Não muito depois, o professor Estevan entrou, e o humor levemente animado da sala de aula acabou de um instante para o outro. Ninguém mais aguentava receber tarefas e materiais de pesquisa que ele passava, exceto alguns raros indivíduos da sala.
— Vejo que estão bem animados para a aula de hoje, turma. — Ele acenou com a cabeça com satisfação. Ajeitou o óculos e continuou: — Para o início da aula quero tratar do assunto da próxima semana e depois abordaremos o trabalho que foi passado na última aula.
Todos já estavam animados para a próxima semana. Na verdade, para os alunos, as aulas que iniciaram de março para abril não eram mais do que recapitulação de conteúdos comuns ou materiais para os estudantes que queriam focar na área de pesquisa e desenvolvimento. No máximo, as aulas de educação física ajudavam os combatentes aprenderem mais de si mesmos.
— Como sabem, na próxima semana, vocês decidirão as suas armas pessoais. E as inscrições de clubes só abrirão no dia 4 de maio. Então espero que vocês já tenham refletido sobre os clubes. Caso não, aproveitem que ainda terão duas semanas para isso.
Os adolescentes começaram a conversar entre si, deixando Estevan incomodado. Só foi falar da arma pessoal e clube que todos perderam a postura e ignoraram o fato de que acabou de iniciar a aula.
Estevan já estava preparado para isso, então exclamou em voz alta: — Pensem nisso depois da aula! — Balançou a cabeça em negação. — Para aqueles que não estavam presentes ou não prestaram atenção… — Olhou para a garota que tinha dormido quando o diretor estava falando no auditório. — Como a Vitória, por acaso…
— Por que eu, profê?! — Reclamou na mesma hora que ouviu seu nome ser chamado.
Ele fingiu ser surdo e continuou: — No dia de selecionar as armas, deverão ir ao prédio principal. Todas as turmas do primeiro ano estarão reunidas para receber conselhos de Venantes profissionais para a escolha de uma arma que combine com os seus Aucts.
Dessa vez, o professor deixou os alunos falarem animados, afinal falara tudo o que precisava no momento. Agora, era só passar a matéria complementar do assunto da última aula no monitor gigante da sala.
Baixinho, Charlotte chamou: — Psiu… Leo… Já sabe que clube vai se inscrever?
O garoto olhou para ela e depois para Agatha, que estava apenas com o olho visível fechado. Sem saber se o olho tapado pela franja estava aberto, considerou que estava descansando.
Mesmo assim, declarou: — Vou me inscrever em dois. Um para combate e… ainda não pensei no outro. Na verdade, é algo que gostaria de falar com vocês duas.