Venante - Capítulo 30
⧨ Estados Unidos da América ⧩
Em uma sala bem-iluminada e decorada ao estilo mais moderno e minimalista da atualidade, o clima, que deveria estar agradável e tranquilo, na verdade estava pesado e tenso, quase pronto para estourar uma guerra ali mesmo.
Havia dez cadeiras de escritório da melhor qualidade em uma longa mesa circular de anossubstancia transparente — parecido com vidro —; um material capaz de resistir até tiros de tanques de guerra.
Entretanto, apenas seis dessas cadeiras estavam ocupadas.
— Mais uma vez, aquele vagabundo não está aqui — falou um dos homens, soltando um suspiro. — Ele marca a reunião e não comparece. Será que ele pensa que é nosso líder por acaso?
Diferente dos muitos que estavam ali, este que falou estava sem o seu uniforme de operação.
Seus olhos pequenos, boca fina e algumas rugas entregavam um rosto mais cansado, complementado por seu tom indiferente, todos sabiam que não estava incomodado, apenas demonstrou sua insatisfação básica.
Logo, em resposta, uma voz soprano foi escutada por todos: — Ai, Chris, você já deveria ter se acostumado com isso.
Quem comentou era uma garotinha que tinha que ficar sobre uma almofada na cadeira.
Por mais que parecesse não ter mais de doze anos, ninguém ali estranhava a presença dessa menina. Na verdade, até prestaram atenção no que foi dito.
Ela balançou seu longo cabelo roxo-escuro, abrindo bem o seu único olho que tinha uma pupila branca em forma de X, já que o seu outro estava atrás de um tapa-olho, e continuou: — Sabe, ele apareceu só duas vezes desde a criação da Liga. Bem, que seja, quem que recebeu o tema da reunião dessa vez?
A garotinha mexeu em seu enorme chapéu para olhar nos olhos de cada um ali.
Sua roupa parecia lembrava o visual de uma bruxa; com um grande chapéu que tinha o topo cônico caído para trás, com detalhes que lembravam o Sol e a Lua, e com linhas com energia colorida correndo pelo uniforme preto com partes dourado-escuro.
Se ali fosse um local normal, o seu visual teria atraído olhares de todos que a vissem, contudo, de normal tinha de nada neste local.
— Fui eu que recebi — disse alguém com voz robótica.
Como a sua voz aparentava, aquilo que falou era exatamente como todos imaginariam: um robô. Independente de soar parecido com um homem falando — pelo timbre barítono que replicava — e ter o físico próximo a de um também, não tinha como descobrir o gênero de outra forma.
Exceto pelo rosto, todo o corpo do robô estava coberto pelo seu uniforme.
Semelhante a um cardeal de uma igreja, estava trajado de uma batina cinza-escuro cheia de detalhes em formas geométricas sobrepostas e uma longa estola que descia até a cintura.
Já em sua cabeça, o capuz da batina estava levantado. Onde alguém esperaria que fosse um capacete ou máscara, uma face mecânica, com luzes amarelas vazando de sua boca e olho, estava visível para todos.
— Então é algo que a Will of Machina deve ficar de olho… — O homem de olhos pequenos proferiu. — Então deve ser um assunto que envolve todo o mundo, Andrew.
— Precisamente, Christopher — respondeu o robô, assentindo. — Foi-me passado algo deveras interessante. De acordo com o que Noah me informou, uma nova tecnologia foi desenvolvida dentro da Associação nos últimos anos. Para ser vazada só agora…
— O mais alto escalão escondeu isso com tudo o que podia. — Uma voz etérea e poderosa sobrepôs.
Era uma figura feminina e nada nela passava a aura de simplicidade. Desde seu longo cabelo branco e olhos vermelhos até a coroa de fogo branco e preto flutuante sobre a cabeça, com um arco de algum metal dourado atrás da enorme capa branca dela.
Literalmente cravado em seu peito, estava uma joia branca e preta com veias pulsando para fora, conectando a carne com o cristal. De vez em quando pequenas chamas vazavam do peito.
Em voz calma, continuou em baixo tom: — Então, os líderes da Associação estão se mexendo? — Colocou o polegar debaixo do queixo e pareceu pensativa.
Diferente da aura opressora que exalava, a sua calmaria era o contraste perfeito para essa realeza.
— Não necessariamente, Catherine. — O robô começou a projetar um holograma para fora da testa, mostrando um objeto no meio da mesa. — Noah avisou que, caso fosse um problema para as Guildas, teria interferido; o que não foi o caso, como podemos perceber.
— Então o que caralhos é essa merda, android — comentou um homem de dois metros e de ombros largos. — Que porra isso faz e por que foi feita a reunião. Eu tenho uma raide para fazer em breve, então se for pequeno que nem da última vez, não me faça perder tempo.
Junto de Christopher, esse homem moreno era o outro sem seu uniforme de operação, usando apenas uma jaqueta vermelha com mangas rasgadas, uma camiseta gola V, uma calça vermelha, luvas e um sapato.
Demonstrava através do visual que tinha vindo sem preocupação para o local.
Porém, por mais arrogante que fosse sua atitude, todos acharam normal o jeito que falou.
— Ai, Matthew, sempre impaciente. Se quer tanto saber, fique quieto, sabe. — disse a pequena bruxa com o rosto sobre a mão, como se estivesse cansada.
— Como é, porra? Acha que a sua Salem tem capacidade para enfrentar a minha Over&Over? — Ele se levantou, jogando a cadeira para longe com o movimento. — Eu vou dar um jeito nessa sua atitude de fedelha atrevida de uma vez por todas.
Ela olhou para o grandalhão sério no outro lado da mesa e deu um pequeno sorriso para ele.
— Me pergunto por que você é tão sangue quente, Mattie. — O sorriso ficou maior. — Está tentando compensar o que tem no meio dessas pernas por acaso? — finalizou com uma gargalhada fofa.
— Sua putinha!
Quando saltou para atacá-la, uma parede amarela surgiu para interromper o ímpeto do homem no meio do ar. Sem demora, socou a parede, rachando-a em migalhas.
No entanto, assim que lidou com uma, mais e mais apareceram, fazendo Matthew voltar ao chão, no meio da mesa.
— Porra, Oliver! Vai ficar protegendo ela até quando!?
— Eu só não quero ter que reconstruir outro prédio por algo tão pequeno — respondeu Oliver. Olhou para onde estava a bruxa, que nem parecia se importar com tudo aquilo. — Abigail, peço que você também se contenha.
Ela olhou para o homem de máscara e sobretudo e respondeu: — Claro, Oliver. Obrigada por ser tão bonzinho comigo.
Era uma cena estranha para todos. Ver Abigail sorrir inocentemente para Oliver era uma coisa comum nas reuniões, mas sempre causava arrepios imaginar que tipo de relação poderiam ter.
— Certo, Matthew, vá para outra cadeira para podermos ouvir o que o Andrew tem para nos dizer.
— Tá, tá.
O grandalhão sentiu na obrigação de não dar a volta, mas sim passar por cima da mesa, quase quebrando-a.
Com isso resolvido, Andrew voltou a reproduzir o holograma e comentar: — Como podem perceber, esse objeto é o protótipo desenvolvido pela Associação.
— Por que um formato tão estranho? — Christopher pareceu intrigado.
— Não tenho acesso a muitas informações, exceto pelo que Noah me passou. Pelo que analisei, essa não será uma anoferramenta de combate, mas um produto que qualquer pessoa pode comprar.
— Qualquer pessoa? — Catherine, Matthew, Christopher e Oliver falaram em conjunto. Apenas Abigail ficou quieta e abriu o olho em surpresa.
Como estavam acostumados a discutir sobre a Associação, sabiam como funcionava muito bem.
Diferente das Guildas, que seriam como empresas privadas, a Associação era pública, sendo paga através do governo, então tinha regulamentos restritos quando se tratava de comercialização, produção e gestão.
Para que ela venda algo ao público de fora, significava algo que nunca foi visto antes.
— Não é por menos essa reunião. Será que esses putos estão tentando conseguir mais pessoas de qualquer jeito? — Matthew começou a teorizar da sua maneira.
— Duvido sobre isso. — Catherine se opôs a ideia. — Andrew, o que faz essa… coisa? E de onde surgiu essa ideia? Você tem essas informações?
— Estou atrás disso. A Will of Machina já está em processo de busca. Até o momento, sei uma ínfima parcela de informação para a resposta dessas perguntas.
Oliver colocou o cotovelo sobre a mesa, segurando a cabeça com a mão.
A mente deles estava repleta de pensamentos complicados. Era verdade que a Associação fazendo algo para o mundo inteiro impactaria no recrutamento de novos membros para as Guildas, mas parecia algo muito maior do que só isso.
O robô continuou: — Pelo o que posso analisar, é uma pequena máquina para produção de alguma substância.
— Substância?
— Eu gostaria de evitar falar informações pela metade, mas Noah já me deu o nome deste projeto… — O holograma começou a mudar, apresentando um nome sobre o objeto. — Energy Taker. Ou como a Associação o chama… E-Taker.
— Energy… Taker? — Abigail pareceu ter despertado de um sono. — Isso… Não pode ser.
— Precisamente, é algo capaz de retirar a Energia e reproduzi-la.
Todos ficaram mais do que surpresos quando o Andrew confirmou o que imaginavam ser impossível.
Nessa hora, Catherine bateu a mão sobre a mesa, não apenas quebrando-a, mas transformando em algo fino que pareceria areia. Sua força foi demonstrada no ataque de surpresa.
— Como… a Associação fez isso? — perguntou com ansiedade, a coroa de fogo parecia mais furiosa.
— Não tenho a resposta para isso, mas Noah me avisou que talvez a Susan saiba sobre isso.
— A White Flame está envolvida?! — Matthew ficou vermelho de fúria.
Andrew desligou o holograma e balançou a cabeça sem resposta. — No meu banco de dados, o último envolvimento grave que a White Flame teve e foi oculto pela Associação… faz 6 anos. No Brasil.
— Brasil? Como aquele país subdesenvolvido pode ter a ver com isso tudo?!
— Não tenho a resposta para isso, Matthew. Na verdade, gostaria de saber se algum de vocês sabe de algo a respeito.
Catherine balançou a cabeça com os olhos fechados.
Abigail deu de ombros, franzindo um dos cantos do lábio.
Andrew nem olhou para Matthew, já que deu sua opinião previamente.
— Christopher, Oliver?
No fim, sobrou Christopher e Oliver, que pareciam refletir.
O homem de olhos pequenos encarou o mascarado e suspirou.
— Susan não comentou muito na época, mas estava furiosa com o seu vice-líder por ter feito algo que não deveria. Não sei o que aconteceu entre eles, mas sei que a Associação limpou todos os vestígios daquele Portal de Ameaça Alta e começou a pegar no pé da White Flame.
Assim que a sua voz parou, Andrew encarou o mascarado e perguntou: — E o que você sabe, Oliver?
— Acredito não ter a resposta que buscamos, mas o que sei é apenas que a Susan tem um amigo na Associação que a ajudou bastante. Pelo que posso imaginar, esse amigo fazia parte da raide, e ela decidiu ouvir o pedido de reforço, enviando o William.
— Aquele projeto de Grau S deve saber então! — Matthew respirava pesado e acusou sem nem pensar.
— É uma pena que a Susan esteja em uma raide, senão teríamos uma resposta para esse problema. Obrigado pela informação, Oliver e Christopher. Eu marcarei a próxima reunião quando a Will of Machina tiver mais informações sobre tudo isso.
— Certo. — A maioria concordou em voz alta.
— A reunião da Liga das Guildas se encerra por aqui. Enviarei o relatório para os membros que faltaram. Alguém deseja falar mais alguma coisa?
Todos negaram e começaram a se levantar das cadeiras.
Para eles foi uma saída normal. Desde o grandalhão do Matthew até a baixinha da Abigail, suas auras causavam sufocamento no prédio inteiro.
Se alguém descobrisse que haveria uma briga na reunião, teriam isolado a cidade de Nova Los Angeles inteira, e talvez até mais algumas próximas. Pois ali…
O líder da Guilda Reaper, Christopher, o Death’s Hand…
A líder da Guilda Wonderland, Catherine, a Immortal Queen…
O líder da Over&Over, Matthew, o Berserker…
O líder da Unbreakable, Oliver, o Aegis…
A líder da Salem, Abigail, a True Summoner…
O líder da Will of Machina, Andrew, o Deus-Ex…
Estavam presentes.
Seis dos maiores Venantes de Grau S dos Estados Unidos da America.
Nesse dia, os líderes ausentes das Guildas Legion, Creations, Eternal e White Flame não compareceram.
Abaixo do nariz de todo o mundo, os maiores Venantes já tramavam seus objetivos.