Venante - Capítulo 22
O sentimento de passar por um Portal era como mergulhar em uma piscina, a diferença era que não havia qualquer líquido e que a “piscina” era tão fina quanto um papel; era uma experiência estranha para todos pela primeira vez.
Assim que passou, um breu atacou os dois. Acostumados pela luz da manhã na Terra, era como ficar cego de repente.
— Não precisa ter medo, aqui é a entrada — disse Rafael, ainda segurando o braço do garoto. Com tantos anos de serviço, já havia acompanhado dezenas de outros Venantes em suas primeiras raides, então sabia muito bem como era importante falar que estavam em uma área segura.
Nisso, com os olhos cerrados, o adolescente puxou o braço, buscando ter mais liberdade. Qualquer um em uma situação assim se sentiria incomodado com alguém segurando uma parte de seu corpo.
— Hah… — expirou forte.
O ar do local era mais denso, indicando uma maior presença de umidade no ambiente. Era perceptível que, além do medo do local coberto por trevas, o jovem estava tentando processar o que estava acontecendo. Seu peito inflava forte, exalando pela boca constantemente.
Não era raro encontrar lugares perigosíssimos em Portais — onde até o ar podia ser uma ameaça — porém, eram mais comuns em Portais de Ameaça B ou superior.
Conforme se acostumava com a escuridão, o provecto começou a tirar o paletó e dobrar as mangas da camisa.
Antes do garoto poder sequer perguntar algo, a mão do outro começou a pegar fogo, iluminando o local com uma luz esverdeada.
O jovem pálido ficou surpreso pela capacidade do Dragão Verde, lembrando-se das últimas aulas sobre Aucts: o efeito da Harmonia.
No entanto, sem a chance de parar para refletir sobre a proficiência do outro, ficou deslumbrado pelo cenário agora iluminado.
Era uma caverna úmida, que escorria um tipo de líquido pelas paredes; todavia, o mais impressionante era que, em alguns metros à frente, uma espécie de fortaleza estava visível. Era como se essa estrutura tivesse sido feita do mesmo material da caverna.
Seria impossível fazer um paralelo com qualquer arquitetura da Terra com essa. Mesmo longe da fortaleza era possível ver colunas ondulares espalhadas em toda a caverna, como se fosse para suportar o teto subterrâneo.
E, onde parecia haver algum tipo de escultura, estava destruído, como se nada além da fortaleza, que também estava com marcas de destruição, pudesse exibir que já existiu uma civilização ali.
Leonardo já sabia que nas raides era muito comum os Venantes acabarem encontrando ruínas de civilizações, mas ver uma pessoalmente era uma coisa totalmente diferente. Quase esqueceu de todo o perigo que poderia representar.
— Leonardo… — Rafael chamou a atenção. — Eu sei que é impressionante, mas preciso que você preste atenção em mim.
Com alguma demora para acordar dos pensamentos, o adolescente assentiu devagar.
— Deixe a sua mochila por aqui, onde está mais seco. — Assim que falou isso, o outro notou que havia muitas áreas com acúmulo de água ou outro tipo de líquido pela caverna toda, sendo onde estavam o lugar mais seco. — E não fique longe de mim agora.
Enquanto tirava a mochila e a deixava com cuidado em um canto, questionou: — Hã… Por que você me chamou para um Portal? Sabe, isso tudo é tão…
O Dragão Verde sabia onde queria chegar, então, com o levantar de uma sobrancelha, refletiu: “Hmm… Eu tenho que explicar sobre isso… Imagino como está a cabeça dele depois disso tudo.”
Ele estava considerando contar sobre Elisa ter colocado o treino no Portal como uma condição, mas isso poderia resultar em mais danos. Logo, preferiu abordar de uma forma alternativa.
— O que te contei mais cedo foi mais do que motivo suficiente. — Foi até o outro e o tocou no ombro com a mão esquerda, já que a direita ainda iluminava o local. — Quando te conheci, te falei que não desejava que aquele amistoso fosse a sua única marca de sucesso. Eu planejava que você crescesse ao seu tempo, mas agora parece que não posso te deixar sozinho. — Olhou sério para os olhos que evitavam encará-lo.
— Você… vai fazer o que? — Leonardo, mesmo imaginando a resposta, fez a pergunta.
— Vou te ensinar a se proteger, rapaz. — Com isso dito, levou a mão esquerda às costas e puxou um objeto. — Você precisa crescer hoje. Começando por isso. — E colocou no peito do garoto.
— O que é isso?
— Seria uma péssima experiência fazer com as próprias mãos. E falo por experiência própria. Agora, pegue e não se esqueça: Isso é para a sua sobrevivência.
O objeto que foi colocado em seu peito era uma adaga embainhada. Quando a segurou, sentiu uma estranha sensação de frieza percorrer pelo seu corpo.
“Uma anoferramenta…” pensou, recordando-se da especialidade de seu pai.
Anoferramentas eram os equipamentos de Venantes profissionais, feitos diretamente dos corpos de Anômalos ou minérios retirados dos Portais após a raide terminar.
Esse tipo de objeto tinha poderes únicos, dependendo da origem dos materiais que os formam.
— Essa adaga é muito importante para mim, então tome cuidado com ela — disse Rafael.
Leonardo sabia onde isso iria levar. Por mais que entendesse, ainda teria que usar. Era uma experiência difícil, mas a confiança do Dragão Verde nele o fazia sentir um pouco mais seguro. Essa era a presença que apenas alguém poderoso poderia passar.
Vendo o olhar relutante e a mão trêmula, Rafael deu um pequeno sorriso, relembrando das muitas primeiras raides que vivenciou com outros novatos. Era o primeiro passo, mas definia quem poderia progredir de quem não.
Ele gostava da franqueza do garoto a sua frente, sabia que na cabeça dele estava passando diversos questionamentos sobre sua própria capacidade. Logo, recitou: — “Somos adjetivos. Poderosos são os úteis, os fracos são dispensáveis”. Gosto dessa passagem também.
Um arrepio subiu pelo corpo do garoto. Era a frase de Léric a respeito dos Venantes.
— Essa foi a sua resposta do teste com a Isabela, se lembra? — Afagou a cabeça do garoto. — Eu sei que você quer se provar, e também sei que tem medo de hoje. Você quer tornar aquelas palavras realidade? Então terá que passar por hoje.
O adolescente apertou os dentes, entendendo.
“E não é só hoje… Se isso continuar, mais pessoas vindo atrás de mim… Como vou poder mudar algo?” O adolescente estava brigando consigo mesmo internamente. Lembrou-se da audácia que teve no dia do teste, falando que se fosse um fraco, mudaria isso, superando qualquer outro. “Sim, vai ser maravilhoso mudar isso.”
A vontade de lacrimar se mostrou forte, mas resistiu com força, convicto.
— Certo, Sr. Rafael. Eu estou pronto. — Parecia mais decidido do que nunca, ao dizer isso, terminou com uma expirada forte.
— Ótimo. Vamos indo.
Conforme andavam para a fortaleza, Leonardo, que seguia por trás, analisava melhor a região.
Mais perto da fortaleza, o chão estava alagado, cobrindo metade da altura do sapato dos dois. O cheiro de mofo estava forte, fazendo o garoto apertar o nariz.
Olhando de perto a fortaleza composta de um minério irregular e onduloso, agora notava quão grande era. Só o portão aberto tinha mais de dois metros de altura, indicando a exigência da espécie que já viveu ali.
Para o jovem, além do gotejar aleatório, apenas silêncio restava em toda a caverna.
— Doze…
Rafael estava prestando atenção no som da água, que além das gotas que escorriam do teto do subterrâneo, tinha uma frequência lenta e constante.
— Doze? — perguntou, tentando escutar também o que o outro conseguiu ouvir.
Rafael, assim que atravessou a entrada da fortaleza, olhou para o chão com água; ondulações esparsas surgiam.
Dentro da fortaleza, a primeira sala era um enorme espaço vazio com um par de escadas para o segundo andar mais à frente, enquanto entre as escadas havia uma porta gigantesca fechada, coberta de musgo azul que parecia estar há séculos ali.
Aos lados desse salão vazio, havia quatro passagens para levar aos outros cômodos da fortaleza.
A arquitetura era simplista, mas monumental.
“O que será que faziam nesse salão?”
Leonardo pensava no enorme espaço vazio, que não tinha mais sequer uma mobília ou sinal que teve uma espécie inteligente que viveu ali.
— O núcleo deve estar atrás daquela porta. — Rafael encarou a porta entre a escadaria.
No entanto, o menino estava duvidoso. — Certeza? Não é muito fácil?
— Estamos em um Portal de Ameaça Grau D. Pode ter dezenas de Anômalos por aqui, mas dificilmente teria um Líder. Isso tudo foi abandonado. Então, não tem motivo para esconder o núcleo — explicou e adicionou: — Mas não estamos aqui para só terminar a raide, mas te ensinar.
O provecto olhou para o rosto pálido de Leonardo, que mostrava mais confiança, por mais que ainda não tivesse total.
— Podemos começar?
— O-ok…
Então, Rafael apontou a mão para uma das entradas e, de sua pele, uma escama verde cresceu e se projetou para longe, como uma flecha, acertando o chão alagado; várias ondulações nasceram na água.
— Se vier mais de um, vou lidar para você — comentou, aumentando o brilho do fogo em sua mão.
Por mais que estivesse convicto de que deveria crescer, o desconhecido ainda amedrontava a mente de Leonardo.
Já o que estava no outro cômodo, como se tivesse entendido as novas ondulações que surgiram, este deu a sua aparição. Uma criatura quadrúpede e sem olhos colocou a cabeça para fora da entrada.