Venante - Capítulo 21
Logo que Rafael chegou, conversou rápido e pediu que o adolescente o acompanhasse até um carro. Como o Dragão Verde era conhecido nacionalmente, logo não podia ser visto andando com outra pessoa ao ar livre sem causar suspeitas.
O carro tinha a logomarca da Associação e era impossível ver quem estava dentro, logo que todos os vidros eram espelhados.
No banco traseiro, Leonardo olhava Rafael dirigir.
— A-aonde… — O garoto estava com a garganta seca pelo nervosismo, então estava com dificuldade em iniciar a conversa. — Aonde… estamos indo?
O provecto deu uma olhada rápida para o retrovisor interno, analisando a expressão do outro. Ansiedade e medo estavam estampados em seu rosto.
— Leonardo, me diga uma coisa — disse Rafael, mudando de assunto. — O que a Elisa falou contigo quando terminou da raide?
Nessa pergunta repentina, o foco do adolescente mudou. Por mais que estivesse incomodado, respondeu: — Ela não parecia estar de bom humor…
O adolescente de olheiras estava relembrando da ignorância que foi ser recebido pelo amor materno. Por mais que a raide que sua mãe participou não fosse a mais demorada que já teve, ainda ficou incomodado com a demora, e também tinha o fato dele se questionar todo dia de porque não conseguir tirar o anel do dedo.
— “Pra que você quer tirar o anel? Vai fazer diferença por acaso?”… — recitou o que a sua mãe falou para ele. — Nem me respondeu direito… — Terminou com um tom baixo e incomodado.
— Anel? — Rafael tinha esquecido do presente de Elisa. Assim que mexeu no retrovisor e olhou o jovem com um anel roxo, continuou: — Ah, sim. Esse anel…
— Você sabe de algo?! — Leonardo, que raramente mostrava expressões exageradas, dessa vez, até se pôs entre os bancos da frente. — Pode me dizer porque não consigo tirar ele, Sr. Rafael?
Com o ânimo tão repentino, até o provecto tomou um pequeno susto. Após respirar fundo, respondeu: — Eu sei. E sei também porque a sua mãe não te disse ainda.
— Por que ela não me disse?
Nesse momento, Rafael engoliu seco. O motivo de Elisa estar tão brava no dia que saiu da raide no Japão, após mais de duas semanas de trabalho, era justamente culpa dele.
A mulher, após terminar seu perigoso serviço, recebeu algumas mensagens, sendo da Associação, do Rafael e do Leonardo, respectivamente.
Após ignorar a da Associação, a primeira mensagem que ouviu foi de Rafael, falando que o espião tinha matado o agente-isca, que atuava como o seu filho e colocaram infiltrado no colégio. No entanto, isso despertou uma raiva imensa na mulher, pois, se não tivesse um agente-isca, teria sido de fato Leonardo a receber aquele destino horrível, onde nem provas sobraram no local.
Então, de imediato, ligou para o Dragão Verde e reclamou alto: — Como raios você me manda uma mensagem dessas, Tavares! Eu vou voltar para o Brasil agora mesmo e revirar essa escola do avesso para achar esse espião desgraçado!
Os gritos dela assustaram até os parceiros de raide em sua volta.
Rafael sabia que essa seria a reação dela, mas o medo dele era causar um surto maior, pois, quando passava da linha de nervosismo, essa mulher virava um demônio furioso que não poderia ser parado. Com receio de provocar essa resposta, explicou com ainda mais detalhes a situação; as hipóteses de Camil e os passos de quem estava cuidando de Leonardo.
Já com dor de cabeça pelos gritos, o provecto tentou impedi-la do pior, falando devagar: — Não se preocupa, o Leonardo está bem. E você ainda tem tarefas para realizar no Japão e uma raide na Espanha. Não faça nada impulsivo…
— Impulsivo?! Tá me chamando de impulsiva, Tavares!?
— Não foi isso que eu quis dizer, Elisa… Só faça as suas tarefas como Oficial da Associação e deixe a segurança do Leonardo comigo. Só isso.
Elisa fechou o rosto e, sem dar qualquer resposta, desligou na cara dele.
— Se mais uma coisinha acontecer naquele colégio, eu vou chutar aquela bunda velha inútil… — prometeu, estalando o pescoço.
Todos os japoneses em sua volta estavam encarando com olhos assustados.
E, depois dessa discussão, foi responder as mensagens de Leonardo, a respeito do anel que recebeu. Estando longe do “bom humor”, foi curta e grossa, nem dando a chance de o menino dizer um “ai” que fosse.
— O anel que te dei é importante e ponto final! Você não precisa entender, só usar.
Essa foi a resposta final.
Porém, por mais irritada que estivesse, dias depois, uma entrega chegou para Leonardo. Era o seu querido café harrar. Mesmo em sua fúria não esqueceu de cuidar de seu amado filho.
Rafael abriu a boca, mas logo a fechou, não respondendo a dúvida do garoto.
— Leonardo… — Iniciou com certo receio de falar. — Já faz um mês desde que entrou na Marvente. Como tem sido? — Contudo, parecia que não falou o tópico que queria abordar.
Leonardo, ao ver que o outro não ia responder sobre o anel, comentou por cima: — Bem… Agora que os clubes poderão a recrutar, as aulas para alguns serão semipresenciais, já que tem uns clubes que começam pela manhã. Ah, e tem a escolha da arma pessoal…
— Nada de estranho aconteceu? — Olhou sucintamente para o retrovisor.
Com essa pergunta estranha, o garoto parou para pensar, coçou o pescoço e comentou depois de um tempo: — Comigo nada… Pelo menos ainda. Só que…
— Só que…?
— Uma vez me disseram que ia ter um aluno Singular no colégio, e ninguém sabe o que aconteceu… Sr. Rafael… — Leonardo parecia com dificuldade de abordar. — Você sabe de alguma coisa?
O provecto sabia que o adolescente poderia questionar a respeito, afinal, o boato foi espalhado entre os alunos, então claro que escutaria também. Porém, invés de dar uma resposta para acalmá-lo, Rafael falou: — Tivemos que embaralhar os seus dados com uma pessoa que não existe. De alguma forma, esses dados embaralhados foram encontrados facilmente, e alguém rastreou a matrícula de um Singular na Marvente.
— Você quer dizer…
— Sim. Alguém deliberadamente foi atrás de você. Ou acreditava que era você.
Leonardo sentiu como se seu coração tivesse perdido a força para continuar a bater, pois o corpo inteiro estava ficando frio e suor não parava de escorrer. Ele se lançou para trás, com as costas batendo forte no assento traseiro.
Por mais que Rafael soubesse que o garoto poderia ficar em choque ou com medo de continuar a seguir o seu sonho, esse homem acreditava que as dificuldades eram o fertilizante para o crescimento de um Venante.
Invés de poupar da verdade, colocou-lhe em uma situação onde teria que crescer para que evitasse a ser atacado no futuro.
— O que… eu faço? Você vai me ajudar? A minha mãe? — O medo dominou o garoto, que olhava para as próprias mãos trêmulas. Uma situação onde poderia custar a vida dele, o fez sentir sem saída. Nem sequer imaginava quem poderia atacar e quando poderia.
Rafael parou o carro, por já ter chegado no local do portal, e exclamou: — Nada vai acontecer contigo. Quando eu te ofereci a oportunidade de crescer, também estava incluída a segurança. Ninguém vai tocar um dedo em você.
O corpo do jovem se arrepiou ouvindo a voz grossa se sobrepor as suas preocupações. A certeza que estava seguro voltou para a cabeça dele, fazendo com que o frio começasse a desaparecer de seus ombros. Sentia estar recobrando da razão por conta do apoio oferecido.
— Chegamos ao local, Leonardo. — Se virou para trás, encarando nos olhos do outro. — Se você não quer ser ameaçado por mais ninguém, precisará passar primeiro por aquilo. — E apontou para frente.
O local que estacionaram era próximo de uma praça vazia.
Por estar discutindo com o provecto, o menino não viu que passaram por uma área isolada e fechada por alguns agentes da Associação.
No meio da praça estava um portal roxo que puxava as folhas que caíam das árvores ao seu redor. A força de sucção não era tão forte quanto em alguns vídeos que tinha visto antes, mas era possível ver o efeito.
Enquanto tirava o cinto e abria a porta, o Dragão Verde disse: — Vou repetir: Nada vai acontecer contigo. Eu e a sua mãe vamos te proteger por agora, mas precisa entender… — Saiu e foi até a porta traseira e a abriu para o garoto. — Como Venante, você não pode depender dos outros para sempre.
— Mas… eu não sei o que fazer.
— Não se preocupe, agora não é hora de pensar nisso. Estou aqui contigo, ninguém virá causar problema aqui. — Tocou o ombro de Leonardo e finalizou: — Agora é hora de se alimentar e estar pronto.
Nessa hora, Leonardo lembrou que saiu sem comer, só que, depois de conversas tão tensas, seu estômago parecia mais do que embrulhado.
— Eu…
Assim que ia recusar, Rafael interrompeu: — Quando entrarmos ali, você vai agradecer por ter comido algo. Acredito que você já tenha escutado alguns relatos de Venantes em suas primeiras raides, não é?
Era dito que na primeira raide, a experiência era uma das piores possíveis. E era exatamente por ser uma experiência tão traumatizante que mais da maioria desistia de ser Venante de operações e se tornava apenas um trabalhador comum dentro da Associação ou de uma Guilda, só entrando em raides quando extremamente necessário.
Rafael não desejava ver o garoto vomitando apenas suco gástrico, então era preciso ter uma alimentação boa antes de entrar no Portal.
Enquanto Leonardo era cuidado por Rafael, em um dormitório, uma garota loira, após tomar um banho morno, estava terminando de se vestir para ir ao refeitório e ter uma deliciosa refeição pela manhã.
Prestes a colocar a tiara em seu cabelo, uma pessoa abriu a porta do quarto de Charlotte.
— Lô, sério que quer ir para o refeitório no sábado? É sempre cheio lá essas horas… — Júlia caminhou até a cama da loira e se jogou. — Tô tão cansadinha, sabe…
— Jú, não pode ser assim. Todo mundo precisa se alimentar direito; uma refeição a cada 3 horas — explicou Charlotte.
— Você só quer ir porque o Leo vai essas horas lá pegar alguma besteira para comer — reclamou.
Charlotte se tremeu com a provocação, não acreditando que a sua amiga a estava acusando de perseguir um garoto.
— Nã-não é nada disso! E-eu estou indo porque é saudável! Só isso!
Com essa sequência de gritos, outra pessoa abriu a porta.
— Meninas, dá pra pararem de gritar um pouco? Acabei de voltar da corrida e deu para ouvir a Charlotte gritando de lá de fora.
Nesse momento, Charlotte ficou ainda mais vermelha, colocando as mãos na boca. — Desculpa…
— Júlia, pare também de ficar falando da paixonite dela.
— Tá. Vou só falar fora do dormitório.
Quem estava dando lição de moral nas duas era a terceira colega de quarto, Miranda, uma garota esportiva e alta, que tendia a levar as coisas com mais calma. Por mais que todas ali tivessem a mesma idade, Júlia tendia a provocar muito Charlotte, a qual respondia sempre as provocações, então acabou que Miranda tomou o posto de voz da razão, sempre parando as duas.
Assim que Miranda saiu, Júlia perguntou sem soar como provocação: — Amiga, não te perguntei antes, mas… o que rolou contigo e o Leo para você querer tanto estar perto dele?
Charlotte estava ainda se recuperando a vergonha de antes, mas, vendo o rosto sério de sua amiga, respondeu conforme cruzava os braços: — Hmm… No começo, senti que ele era diferente, sabe.
— Diferente como? — Júlia se rolou pelo colchão.
— Para com isso. — Foi até a garota e a parou. — É só que as pessoas que conheci, principalmente os meninos, sempre me olhavam, sabe… daquele jeito. Mas o Leo… Mesmo que a Agatha diga outras coisas, não fez isso, nem hoje em dia. Na verdade, até me xingou na primeira vez!
— Tá… Mas só isso? Sério, Lô?
Júlia parecia meio descrente na fixação da sua amiga para ter amizade. Isso se devia ao fato que a loira, quando entrou na Marvente, era uma pessoa quieta, falava pouco e parecia triste. O que na verdade se provou bem diferente quando encontrou Leonardo também matriculado.
Charlotte ficou um pouco corada e contou sobre a disputa dos dois, desde o começo, como se tudo fosse um conto fantástico. Então, depois de um tempo, fechando os olhos e sentindo o peito esquentar, falou com calma: — Quando ele desistiu… disse que nunca me machucaria…
Assim que abriu os olhos e encarou a amiga sorrindo de canto, a menina percebeu que tinha falado algo extremamente vergonhoso. Sem esperar uma resposta, saiu correndo do quarto, escondendo o rosto vermelho com as mãos.
— Lô! Volta aqui! Não me contou tudo ainda! — Júlia foi atrás, gritando para saber mais. Ela estava amando ter mais informação para provocá-la.
Enquanto acontecia isso no dormitório de Charlotte, no de Leonardo estava um clima mais tranquilo.
Agatha tinha feito uma torrada e um achocolatado para o café da manhã. Ainda usando aquela blusa larga, os farelos de pão caíam constantemente na sua roupa, mas parecia não ligar. Estava mais entretida em assistir um vídeo de maquiagem “vintage” da moda gótica. Além de vídeos a respeito das fases da lua e seus significados.
Assim que a porta do quarto de Luca foi aberta, mostrando a garota com um pijama felpudo rosa, esta foi direto para o banheiro.
Depois de terminar as necessidades, a morena foi em direção de Agatha, abraçando-a por trás pelos ombros.
— Bom dia, Agatha! — E deu um beijo na bochecha dela.
— Mornin’ — Agatha pausou o vídeo e respondeu com a voz cansada.
Sabendo que a outra era do tipo animada, era melhor pausar o vídeo senão perguntas viriam toda hora atacar, sobrepondo o vídeo.
Assim que a garota pegou um pouco do café harrar preparado do dia anterior, olhou para os lados e perguntou: — Leo sair para refeitario sozinho?
— Refeitório. E nop, ele foi dar um rolê fora hoje.
— Fora? — Luca pareceu chocada, abrindo até um pouco a boca de surpresa. — Leo nunca sair… Acontecer algo?
Agatha deu de ombros e começou a se alongar, já que teria que esperar um pouco a comida abaixar para exercícios mais tensos, começou leve.
Só que, enquanto olhava para Luca, que parecia sem o que fazer, Agatha lembrou dos primeiros dias com apenas as duas.
Quando conheceu Luca, ficou curiosa por ser uma estrangeira, então tiveram algumas conversas simples sobre cultura e dificuldade, para se aproximarem. No entanto, algo que Agatha achava estranho ainda, mesmo depois das aulas começarem, a morena evitava sair do dormitório, só saía quando tinha aula ou para acompanhar o Leonardo na ida até o refeitório.
— Luca… — Enquanto alongava a perna, perguntou: — Por que você tá escondendo de nós? — A voz apática era a mesma de sempre, sem mudar um pouco sequer.
Luca tremeu a mão que segurava a xícara, olhando surpresa, e rebateu a pergunta: — Esconder? O que?
— Por exemplo, o motivo de estar aqui. — Agatha abaixou a perna e deu um olhar diferente para a colega, mas logo adicionou: — Não contou nem para mim. Por que veio para o Brasil? Estava tão difícil viver lá? — Diferente do comum, estava falando muito mais, mostrando uma preocupação sincera. — Além disso, você não contou o motivo de estar com machucados pelo corpo. Sabe que eu ou o Leo ainda te ajudaríamos.
Com tamanho apreço da colega, Luca soltou um suspiro pesado.
— Agatha não perguntar antes porque escolher Brasil — respondeu. — Mas… Eu escolher Brasil por ter… paz… — Sentou no banco que tinha próximo do balcão. Algumas lágrimas se formavam em seus olhos. — De onde eu vir, ter guerra. Muita guerra.
Agatha pareceu um pouco incomodada, pois era algo bem mais profundo do que imaginava. De início, por não saber se Luca e ela se dariam bem, evitou perguntar diretamente, mas acreditava que uma hora, por vontade própria, a morena viria contar, pois eram amigas. No entanto, parecia que a sua avaliação estava equivocada.
— Luca… Eu… — A gótica estava indo para acalmá-la.
— Não… Estar tudo bem. — Secou as lagrimas com o pijama. — E eu não querer falar da outra pergunta… Eu ir resolver sozinha.
A amiga entendeu na hora que falou. Luca podia ser a garota ingênua e animada que conhecia, mas também tinha passado por coisas que poucos entenderiam e tinha seu próprio orgulho e ego.
Agatha, pensando que estivesse na mesma situação, também procuraria uma resolução sozinha; não depender dos outros era uma decisão dela, assim como era a de sua amiga.
— Certo. Sorry, okay? — Ela foi até a morena e passou a mão pelo cabelo dela.
— Shukran… — Luca mostrou um sorriso gentil, parecendo mais aliviada.
Com a barriga cheia, mesmo que tivesse comido apenas um pouco, Leonardo, com uma mochila nas costas, e Rafael estavam na frente do portal, sentindo a força de sucção dele.
— Fique tranquilo, esse Portal, como pode ver, — Apontou para o sinal no topo do Portal. — é uma Ameaça Grau D. Nem vou precisar do meu uniforme pessoal.
— Sr. Rafael, o que vamos fazer em um Portal?
— Quando entrarmos, vou te explicar o motivo. Então, peço que confie em mim. Hoje será apenas um teste que você precisa passar.
— E se… — Tentou falar da pior alternativa, só que foi interrompido.
— Você não vai falhar. — Estava convicto nisso. — Leonardo, se lembra que perguntou sobre o anel?
— Sim. O que tem?
— Se você passar, vou te contar sobre ele. Agora, vamos.
E, segurando o braço do garoto, os dois foram direto para dentro do Portal.