Venante - Capítulo 20
Era 5:30 da manhã de sábado, quando Leonardo levantou de sua cama. Ele estava carregando uma mochila na mão que parecia estar estufada até o limite.
Rafael havia pedido para separar algumas roupas, pois poderia acabar precisando. Então, como estava apreensivo, as colocou de qualquer jeito dentro da mochila.
Ainda usando o seu uniforme, abriu a porta do quarto devagar. Assim que viu a sala de estar, notou que estava tudo escuro.
Ele queria sair sem fazer barulho, deixando apenas um bilhete de ausência, senão os seus colegas de quarto estranhariam sumir por um ou dois dias inteiros. Até que não era incomum os alunos da Marvente saírem pelo final de semana; desde que tivessem a permissão dos pais para isso, não teria problema. Só que também sabia que seria muito estranho ele de repente sair sem dar aviso, já que passava a imagem de não gostar de sair.
Logo que estava passando pela sala de estar, próximo da porta de entrada, uma mão pequena e magra tocou o seu ombro, fazendo-o arrepiar por inteiro. Parecia um fantasma que tocou nele em plena escuridão.
— Weirdo, aonde tá indo? — perguntou a voz arranhada.
Quando se virou, viu Agatha esfregando um dos olhos e bocejando.
— Hã… Eu… — Ele tentou procurar por alguma das respostas preparadas de antemão, mas o toque súbito da gótica havia travado o adolescente.
Além disso, quando olhou para o que a garota vestia, ficou ainda mais difícil de falar. Estava usando uma blusa grande que caía até o início das coxas, mostrando o par de pernas bem desenvolvido pelos anos de treino.
Era muito raro Agatha sair do quarto pela madrugada. Uma vez que era noite, a menina se trancaria no quarto e ficaria lá até o horário de ir para a sala de aula. Então, nunca teve a chance de ver como se vestia para dormir.
— Hah… — Logo que reparou na olhada dele em suas pernas, suspirou pesado. — Eu não tô pelada, porra. — Ergueu a blusa, mostrando que vestia um short curto, além da sua barriga magra e definida.
— Ok! Eu entendi! — Leonardo ficou constrangido. Não que detestasse ver o corpo de uma garota, mas era muito estranho para ele ter que lidar com uma pessoa tão desvergonhada, e sabia que isso poderia virar motivo de chantagem depois.
Ela abaixou a blusa sem ligar para a reação dele e repetiu a pergunta: — Where you goin’?
— Eu vou sair esse fim de semana, só isso. — Mostrou a mochila cheia na mão. — Acho que volto segunda.
— Hmm… — Ela olhou para os olhos dele por alguns instantes e finalizou: — Okay… A Luca vai sentir falta daquele café horrível.
Neste último mês que se passou, os três no dormitório construíram um tipo de relação incomum — principalmente Agatha e Leonardo.
No início do dia, Leonardo estaria com a gótica e a loira durante as aulas, por estudarem na mesma turma. Então, teve maior convívio com as duas nesses dias, conhecendo bem mais do que antes.
Por mais que Agatha ainda evitasse conversas longas, ignorasse com fones de ouvido e provocasse com posições do contorcionismo usando o uniforme escolar, ele teve algumas conversas satisfatórias com a menina, podendo desenvolver uma relação mais saudável.
Dessa forma, não foi estranho perguntar aonde estava indo, já que, normalmente, ela era muito direta.
— Não se preocupa, eu ensinei ela esses dias como moer e preparar certo. — Leonardo olhou para a cozinha do dormitório que tinha um pacote de grãos de café sobre a bancada.
O café que tanto conversavam era o café harrar, produzido na Etiópia, que havia chegado para Leonardo como presente de sua mãe, a qual tinha acabado de terminar a raide no Japão.
Leonardo sempre foi um apaixonado por café — a sua gasolina para continuar funcionando durante a madrugada — só que, após provar os grãos harrar, a sua vida mudou completamente, dependendo unicamente desse tipo de café.
Assim, quando esse presente chegou, se não fosse por ser vergonhoso, teria saltado algumas vezes de alegria. Ele amava do fundo do coração esse produto.
Por mais que o refeitório provesse uma enorme variedade de pratos e bebidas, o jovem apreciava preparar o seu próprio café, além de que gostava de tomar antes de iniciar a sua aventura pela madrugada adentro — principalmente por ser muito mais perto do que ir andando até o refeitório para uma xícara de café. Estava tudo ali; à um cômodo de distância.
Luca ao ver Leonardo na cozinha pela primeira vez desde que se conheceram, foi direto olhar. Como uma gata curiosa, espreitou agachada na bancada.
Como a morena veio da Arábia, uma cultura totalmente diferente da brasileira, teve muita dificuldade para se acostumar com a culinária local, até mesmo os pratos extravagantes do refeitório não a agradavam. Gostava do básico ou o que via na televisão.
Contudo, ao sentir o aroma perfumado e picante do grão moído, a curiosa faltou só empurrar o garoto para farejar mais de perto.
Leonardo deu risada e nem sequer cogitou em não compartilhar. Na verdade, ansiava por ter uma amiga para dividir o amor pelo café frutado e forte.
Até Charlotte — que parecia amar tomar diferentes tipos de cafés — evitava esse tipo temperado, então ficou muito animado ao ver a morena pedir uma xícara para experimentar.
Logo que bebeu um pouco, sentindo o peso e o sabor forte, Luca sentiu arrepios por toda a mandíbula, fazendo-a soltar alguns gemidos de prazer.
Por mais indecente que fosse os pensamentos do garoto, teve que deixar em sua cabeça.
Logo que experimentou isso, a garota correu para fazer Agatha provar também, o que Leonardo já sabia que não daria certo.
Agatha, assim como a jovem Veneditte, dividiam um gosto em comum por doces, só que a primeira preferia doces mais açucarados — quase chegado aos artificiais — e a última gostava de doces naturais, com as frutas participando.
Isso, para o jovem de olheiras, era estranho, já que considerava a personalidade seca da gótica como um indicativo de gostar de coisas azedas ou amargas.
Quando tomou um gole, Agatha detestou, perguntando como diabos gostavam daquilo.
O garoto chegou até pensar: “Aposto que deve tomar achocolatado com leite frio.”
Depois que o café harrar chegou, Leonardo e Luca tiveram muitos momentos de conversa, sempre iniciados pela madrugada. Parecia que, assim como ele, a morena não gostava de dormir cedo, preferindo aproveitar a madrugada. Então, acabou que se encontravam na cozinha para dividir uma xícara de café e conversar sobre bobagens.
Mas, esse não foi o único motivo que Agatha falou de Luca.
Desde o primeiro dia de aula, a garota esteve apresentando alguns sinais pelo corpo. Os dois, a gótica e Leonardo, discutiram uma vez o que poderia ser, chegando ao pensamento de ser bullying. No entanto, como a morena não falava do assunto com nenhum deles, era muito difícil abordar.
— Bom, tenta dormir um pouco mais — disse o adolescente, vendo que a outra ainda estava com sono.
Agatha estava com os olhos pesados, então, com uma longa encarada, respondeu: — Yeah. — Se virou e foi em direção do quarto. — Uma hora me conta desse rolê — disse sem olhar para trás.
— Tá bom.
Leonardo de vez em quando gostava das conversas objetivas com a Agatha, fazendo relaxar um pouco. Depois de um mês juntos no mesmo dormitório, sabia que ela só comentaria aquilo que tinha interesse, não perdendo tempo com outros assuntos.
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Depois de sair do prédio do dormitório, ele olhou para o céu roxo escuro, que estava acabando de receber as luzes do nascer do sol.
— Como é bom quando está vazio assim…
Nesses últimos tempos, Leonardo tinha sido observado por muitos alunos pelo campus. No intervalo era tantas encaradas que o fazia suar de ansiedade.
De acordo com Júlia, todo mundo sabia que foi ele que bateu no Gustavo. E, em algum momento, o Yuri buscaria satisfação. Só que, mesmo depois de um mês, ninguém tinha falado com ele ainda, nem provocado; estava tão bizarro o clima que Leonardo pensou na possibilidade de ir até Yuri e pedir a surra logo.
Odiava ser o centro das atenções, então isso o deixava mais do que desconfortável.
Antes de sair do dormitório, já pedira um transporte para buscá-lo na entrada do colégio. Rafael não tinha como ir pessoalmente, então passou uma coordenada especifica para se encontrarem.
Era por isso que estava saindo tão cedo também; o ponto de encontro estava à uma cidade de distância.
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Depois de uma viagem de mais de quarenta minutos, conversando com o motorista, que parecia estar trabalhando a madrugada inteira, o jovem desceu do carro e esperou.
Por mais que estivesse cedo, tinha uma boa quantidade de transeuntes pela rua. O que significava que não tinha um Portal ali, já que a área normalmente ficaria interditada pela Associação ou Guildas.
Claro, se acontecesse no centro da cidade, só isolariam uma área de vinte metros, para que ninguém fosse puxado pelo Portal.
“Ser puxado por Portais…” Leonardo refletiu sobre o tema. Tinha sido um de seus estudos recentes. Desde a primeira aula com Estevan sobre Portais e Energia, o garoto esteve estudando a respeito, descobrindo até Portais Imediatos.
Portais Imediatos eram uma singularidade do efeito da condensação de Energia em um ponto. Diferente dos Portais comuns — o qual poderia se encontrar o ponto de formação previamente — os Imediatos eram como se a Energia se condensasse subitamente e formasse um Portal num piscar de olhos.
“Espero nunca ser pego num desses…”
Podiam ser um pouco raros, mas acontecia com a frequência de dois por mês pelo mundo. Alguns pesquisadores acreditavam que esse tipo de Portal podia ser uma forma melhorada dos Portais normais, assim como os Antigos Portais já foram os Portais comuns.
Logo que ia pensar mais sobre o assunto, o jovem com olheiras percebeu que uma sombra tapava a luz do sol.
— Você parece bem mais disposto agora, Leonardo.
A voz grossa fez o garoto instintivamente levantar a cabeça e ver quem tapava a luz do sol.
— Foi uma viagem tranquila até aqui?
Era Rafael…
O indicativo de que logo teriam que entrar em um Portal.
Só de pensar na situação tensa que enfrentaria por dias, o coração de Leonardo começou a bater três vezes mais rápido.