Venante - Capítulo 2
Este era um presente de seus pais. Muitos sonhariam comparecer nesse colégio e fazer o teste, mas ele não. Apenas queria fazer o teste em qualquer lugar e voltar para casa.
Com passos lentos e calmos, seguiu o caminho para a fila, onde um aglomerado de jovens se encontrava.
Em sua mente, apenas queria paz e conforto. Até tentou abaixar a cabeça para evitar contato visual alheio.
Contudo, assim que entrou na fila, uma garota, que estava em sua frente, o olhou e cumprimentou com ânimo. — Oi!
— Oi — respondeu Leonardo, secamente. Estava claro que não queria abrir uma conversa.
— Como se chama, Garoto-das-roupas-amassadas? — A garota se provou muito mais persistente e animada que esperava. Até tentou provocá-lo.
Mas nem um pequeno sorriso apareceu no rosto dele. Na verdade, esse era o pior tipo de pessoa para Leonardo conversar nesse dia. Mesmo que a garota tivesse tudo para ser charmosa e encantadora, ele ainda manteve a mesma expressão que saiu da cama.
— Leonardo Klevic. — Mais uma vez, respondeu de maneira seca.
Quase foi possível ver uma veia dilatar na têmpora da jovem, mas ainda manteve um sorriso fofo em seu rosto alegre.
Cinco segundos se passaram, com ela sorrindo, sem abrir os olhos, em direção dele.
Ele olhou para ela, e ela para ele.
Um vergonhoso silêncio perdurou.
Os lábios dela tremeram, até que não aguentou mais e gritou: — Não vai perguntar o meu nome?!
O grito o fez se assustar. Por mais que parecesse que fosse grosso, Leonardo só não estava em um dia bom, assim, respondia seco. Obviamente, não estava lá para conversar nem buscar novas amizades.
Dessa forma, apertando um dos ouvidos, perguntou: — Por que então não disse o seu nome antes de perguntar o meu?
— Por educação, é claro! — respondeu. — Quem é que diz o nome antes de perguntar o da pessoa antes? — Era a lógica dela.
“Que lógica é essa?” Na cabeça de Leonardo, apenas essa pergunta se passou. Mas, com toda a paciência que restava, perguntou: — Qual seria o seu nome, Garota-superanimada?
— Huhuhu. Que bom que perguntou. Me chamo Charlotte Veneditte. — Ela colocou a mão na altura do peito, ergueu seu queixo e fechou os olhos com um sorriso orgulhoso.
Por mais que Leonardo não gostasse desse tipo de pessoa, conhecia bem a história da família Veneditte. Porém, por algum motivo, toda aquela marra que Charlotte exalava o incomodou bastante.
Portanto, como se não fosse nada demais, ele continuou com o rosto indiferente e não disse nada.
A fila continuou a aumentar e prosseguir lentamente. Porém Leonardo continuava a olhar para o prédio que se dirigia, enquanto Charlotte ainda continuava a olhá-lo, esperando alguma reação.
Depois de certo tempo, não aguentou mais.
— Sério! Nada? Nadinha?!
Uma certa alegria surgiu dentro do garoto, como se tivesse gostado de vê-la reagindo assim.
Dessa forma, deixando claro soar sarcástico, disse: — Nadinha, Charlotte Veneditte.
— Você sabe! Você sabia e não disse nada!
— Precisava dizer? — perguntou. — Você anda na rua questionando todos se conhecem a sua família? Para alguém com tanta classe e educação, parece que não tem tanto brilho.
Era visível ver a cor vermelha surgir no rosto de Charlotte. Essa era uma escola da classe alta, uma escola para famílias ricas e famosas, então, esperava fazer um amigo da mesma idade, mas tudo o que recebeu foram respostas secas, sarcasmo e um insulto.
Na visão do Leonardo, tudo o que a garota queria era se exibir. Foi levemente irritante, mas não tinha intenção de ofendê-la.
“Sim, uma crítica construtiva” pensou com firmeza que fez algo de bom, e, de brinde, ela evitaria continuar a conversa com ele.
Charlotte era uma garota loira, levemente alta e não ostentava roupas luxuosas. Agora mesmo, usava uma saia um pouco acima do joelho e uma blusa ombro a ombro que não destacava suas curvas ou físico. Um visual leve e arejado.
Ela não gostava que olhassem com segundas intenções, então, não era de usar roupas mais reveladoras. Quando viu o garoto atrás dela, que sequer olhou o seu corpo ou tentou puxar assunto, viu uma oportunidade de conversar melhor.
Nesse momento, estava tentando segurar a sua vontade de agarrar os ombros dele e gritar com ele.
Por mais que gostasse de ser reconhecida, com base nos méritos de sua família, era apenas um orgulho familiar, não era para se sentir superior, mas saber que as pessoas conheciam as boas ações de seus pais.
Ela respirou fundo três vezes, fechou os olhos e se virou, aguardando a fila andar.
Mais e mais jovens começavam a conversar e se enturmar, até as outras garotas na frente de Charlotte puxaram assunto com ela.
Leonardo queria apenas voltar para casa e jogar algo com os seus amigos, mas, enquanto pensava sobre as quests do jogo, escutou um homem dando um grito.
— Próximo!
Quando reparou, Charlotte já havia entrado e estava sendo testada entre as muitas salas.
Seguiu o caminho e parou na frente do segurança que o chamou.
— Dados? — questionou, esperando Leonardo passar os dados do seu nelink.
Sem pensar muito, Leonardo ativou o compartilhamento do nelink, uma ferramenta comum, que ficava anexada ao pescoço, como uma gargantilha metálica, onde poderia projetar o holograma digital em sua frente.
Nessa hora, o segurança leu: — Leonardo Klevic, nascimento… 05/07/119… Brasil, Santa Catarina… Pode entrar, sala 25.
Ele assentiu e entrou, encaminhando-se à sala de teste.
Passou por muitas portas metálicas, enumeradas e silenciosas, como se ninguém estivesse lá.
Assim que passou pela porta 25, deparou-se com uma mulher esbelta, com roupas de escritório. Mas o que deveria ser encantador nela, era estranhamente perigoso; seu sorriso gentil parecia um sorriso perverso, tomando toda a atenção da pessoa.
— O que foi? Não vai se sentar? — questionou a mulher com surpresa, mas soando que notou o motivo.
Na mesma hora, Leonardo saiu do transe, assentiu com a cabeça e sentou na cadeira.
Um jovem adolescente seria facilmente pego no sorriso dessa mulher, então era natural que ele não percebesse que ficou parado como um idiota na porta.
— Prazer, sou Isabela. Gostaria de perguntar algumas coisas antes de fazer o teste.
Era o procedimento comum de um agente de testes. Antes de começar realmente, deveria anotar as expectativas do adolescente e, assim que o teste fosse realizado, prever onde melhor se encaixaria.
Ele apenas assentiu.
— O que pretende fazer, caso seu Grau de Energia seja alto e seu Auct for de Classe Incomum para cima? — Ela começou fazendo a pergunta mais complexa para ele.
O Grau de Energia, ou apenas Grau, referia-se ao quanto tempo e quão bem uma pessoa era capaz de utilizar o seu Auct — sua super-habilidade. Além de ser o verdadeiro parâmetro para quanto poderia evoluir seu Auct.
Auct era literalmente o dom de uma pessoa. Alguns raros casos mostravam que mesmo tendo um Auct poderoso não provava qualquer coisa se a pessoa não tivesse um Grau correspondente para utilizar.
O oposto também ocorria. Um Auct fraco não adiantaria de nada, mesmo se a pessoa tivesse um Grau de Energia altíssimo — que eram casos extremamente raros.
Os casos mais comuns eram de pessoas com Grau baixo e um Auct fraco. Por isso, havia tantas pessoas em suas carreiras comuns, mesmo com superpoderes.
Sem pensar muito, Leonardo respondeu: — Sinceramente, se houver o caso, não pretendo ajudar o nosso país. Esse caminho é perigoso demais. — A verdade por trás dessa resposta foi de anos de tristeza por perder alguém importante.
— Uhum… Entendo… — Ela pareceu afiar seu olhar, mas não mostrou qualquer reação além, e apenas anotou no display anexado ao lado dela na mesa. — Por mais que pareça óbvia a resposta, preciso perguntar… E se o caso for o contrário? Caso você tenha Grau baixo e um Auct Comum ou Inferior?
Essa questão pareceu ser mais complexa para Leonardo, não por dificuldade, afinal sabia que a possibilidade disso era baixa — por conta de seus pais —, mas porque isso o interessava.
Por um segundo, um leve sorriso apareceu naquele rosto sonolento e pálido.
Assim, a sua resposta foi: — Não seria interessante tentar mudar isso?
— Como assim? — perguntou Isabela com curiosidade, apoiando o queixo em sua mão.
— As pessoas dão adjetivos para tudo… Fraco, forte, alto, baixo, raro, comum… Mas… isso não é definido por causa da utilidade real para as pessoas? Se é conveniente, será classificado como bom, se for inconveniente, será dito como horrível… Não seria maravilhoso mudar isso? — Outra vez, ele sorriu quando terminou de falar.
— Léric, presumo? — indagou Isabela, com bastante interesse. — É uma visão ótima, mas, houve apenas três casos disso, Leonardo.
— E duvida que haja mais? O primeiro levou décadas de anos, mas os outros dois aconteceram em apenas duas décadas de diferença. Somos a maior prova que quando alguém supera uma vez, outras pessoas passam a realizar ainda mais.
— Você fala bonito, Leonardo. Gostaria de ver provar isso. Enfim, vamos continuar as perguntas. — Sua resposta foi sincera, mas levando em conta que veio de um adolescente isso, era quase ignorável suas palavras.
As seguintes perguntas foram simples, carreiras, pensamentos e experiências. Todas elas, Leonardo continuou a responder sem pensar muito nem gastar muitas palavras.
Enfim, chegou ao momento do teste.
Isabela colocou o medidor de Grau de Energia sobre a mesa. Era nada mais que uma ferramenta metálica e circular com um painel de contagem e três estabilizadores de frequência de Energia, que suspendiam uma gema catalizadora vermelha flutuante em seu centro.
Gema essa que foi retirada de um dos muitos Portais. Servia para acumular Energia direcionada, com um resultado de frequência através de seu brilho. Além desses três estabilizadores, a cor vermelha indicava que era uma gema de nível médio, capaz de suportar até o Grau de Energia A. Algo que só um colégio de renome poderia arcar.
Sem esperar muito, Leonardo estendeu a mão até a gema e fez como foi ensinado a vida toda: sentir a Energia correr pelo seu corpo e a encaminhar até o local que deveria.
Um caminho de eletricidade se ligou em sua Energia e a absorção da gema, dando-lhe um susto a primeiro momento.
Nessa hora, a gema começou a brilhar fraco, e a única coisa que mudava era os números aumentando devagar na telinha.
1, 2, 3… 40… 80… 120… 190…
Começou a aumentar, mas muito lentamente; era óbvio que a Energia em Leonardo não corria forte. Era um fluxo constante, mas ainda calmo.
Vendo essa demora para aumentar, sentindo-se cada vez mais fraco, não conseguia manter sua calma, ficando apreensivo com o resultado.
Quando chegou em 400, parou, e Leonardo já estava ofegante.
Isabela suspirou e sorriu, dizendo e anotando: — Grau D-.
Seu Grau era nada demais, mesmo que seu Auct compensasse, ainda era um caminho doloroso para aumentar a energia, mesmo que só um pouco.
Foi muito ruim. Bem pior do que esperava.
Agradecimentos:
Ilustrações feitas pela incrível Andie, a artista oficial de Venante, graças aos padrinhos/apoiadores do Padrim e Apoia-se. Se você gostou da leitura e quer ver ainda mais qualidade no projeto, sinta-se convidado a olhar os benefícios de ser um apoiador/padrinho. E se você gostou das artes de Venante, passe no perfil da Andie, seja para comissionar ou apenas seguir.
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