Venante - Capítulo 15
Leonardo esteve se preparando mentalmente para esse momento. Porém, quando chegou a sua hora de falar, os seus pensamentos entraram em desordem, isso sem contar a garganta mais seca que um deserto.
O fato de todos estarem olhando para ele, resultou com que levantasse atrapalhado.
Charlotte estava concentrada em olhá-lo.
Depois de tentar acumular alguma saliva para a boca seca, deu uma pigarreada forte e começou a falar: — Sou nascido no Brasil. E a minha mãe é uma Oficial da Associação Brasileira…
Nessa hora, o jovem parou de responder, pensando seriamente na terceira pergunta.
“As minhas qualidades…”
Não é como se não tivesse pensado antes, porém, valia a pena comentar isso na frente dos outros? Afinal, qual era a finalidade dessas perguntas na vida dele? E outras questões ficaram passando na cabeça dele desde o início.
Se fosse ainda ontem, evitaria e daria uma resposta qualquer, para não ter que escutar o que os outros comentariam pelas costas dele. Porém, havia decidido que, no momento que começasse a trilhar o seu caminho como Venante, mudaria, mesmo que por pouco.
— Tenho a chance de mudar tudo. — A resposta carregava o profundo pensamento filosófico de seu maior ídolo. E era uma forma de afirmar para si mesmo.
Ainda era viva a lembrança de quando falou com Isabela no dia do teste, sobre os adjetivos que os Venantes eram submetidos. E ele sentia que poderia fazer algo que poucos podiam.
O professor pareceu afetado com a resposta, já que Leonardo nem sequer passava a imagem de arrogante ou mimado que os outros transmitiam nessa turma.
Porém, na visão dos adolescentes em volta, era literalmente como se Leonardo não soubesse do mundo. Algumas risadas eram escutadas e comentários prepotentes estavam sendo lançados pelas costas dele.
— Devia é mudar essa cara feia.
— Vai mudar de colégio, isso sim.
Leonardo já estava incomodado em ser o centro das atenções naquele momento, mas ao escutar a risada e zombaria, foi impossível não sentir um pouco descontente com as pessoas ali.
Para ele, não fazia sentido rir de um futuro colega Venante, mas aceitou ser o motivo da risada, sem transparecer o que estava pensando.
Por outro lado, uma jovem loira o olhava com os olhos bem abertos. Tentava entender de onde podia ter vindo a resposta dele, porque não batia com a imagem que Leonardo mostrava.
— Turma! — O professor falou alto para todos, aquietando os jovens.
Aproveitando o breve silêncio, Leonardo finalizou em um tom baixo: — E ser um Venante não é uma vontade, mas um sonho para mim.
Se essa mesma situação se passasse na cabeça dele, faria um longo discurso, falando exatamente o que era ser Venante na visão dele. Porém, o mundo não era a cabeça desse jovem.
Até o momento, ninguém ali parecia sonhar em ser um Venante, mas sim o que faria após ser um.
Os outros alunos, que apenas ouviram as respostas dele sem zombar, mostraram algum interesse, por mínimo que fosse. Era como se a resposta dele batesse com o que sentiam, mas não foram capazes de falar.
Leonardo se sentou e esperou as apresentações terminarem.
Após algum tempo para se acalmar, principalmente por causa do estresse de ser encarado por tanta gente, olhou para a garota ao lado, que mostrava diversas emoções conflitantes.
Com um suspiro, perguntou: — O que foi?
Charlotte de fato estava querendo perguntar sobre as respostas dele, mas não sabia como fazer. Com a pergunta da outra parte, teve a ponte que precisava para alcançar o que queria.
— O-o que… você quis dizer com “mudar tudo”? — questionou baixo e sem jeito, já que teve pouca intimidade com ele.
Ele deitou a cabeça na mesa.
— É só que… — Com os olhos fechados, formulou alguma resposta. — Você já ouviu sobre Lér…
Antes de terminar de falar, o nome chamado pelo professor chegou aos seus ouvidos.
— Marcos Vaz Souza.
“Nem fodendo” pensou Leonardo.
Quando olhou Gustavo se apresentando, não tinha a visão de quem estava sentado próximo, mas, ao se levantar, Marcos ficou visível, provando que não foi alucinação o nome do maldito.
— Hã? — Charlotte ficou surpresa pela reação do Leonardo olhando para o garoto chamado, mas logo lembrou da questão e olhou também.
— Nasci no Brasil. — Marcos parecia desinteressado na apresentação e finalizou de maneira seca: — E não quero falar do resto.
Tão rápido quanto levantou, sentou-se novamente.
Estevan não se importou muito. Era comum que tivesse esse tipo de rebelde nas turmas.
Com a presença dos dois — Gustavo e Marcos — na turma, Leonardo perdeu a vontade de continuar falando com Charlotte e começou a pensar em como lidar com a situação.
Ele apenas deitou a cabeça na mesa, olhando para a parede, e ignorou o resto das apresentações.
Assim que terminou, o professor andou na frente do enorme quadro, que na verdade era uma tela, e começou enfim a lecionar.
— Agora que conheço melhor vocês, é hora de aprenderem sobre o mundo que terão que lidar.
Nessa hora, Estevan ligou o Nelink do seu pescoço e o conectou com a tela atrás dele, para que todos os alunos pudessem ver o que seria comentado.
Era uma massa gasosa roxo escuro em formato próximo de um círculo, e estava sobre algum lugar arenoso. Era impossível ver o que tinha dentro; parecia um poço sem fundo, com tons roxos espiralando dentro, sem contar das pequenas faíscas que soltava.
— Começaremos pelo assunto mais simples: Portais. — Ele bateu o dedo na tela. — Bem, acredito que todos já tenham algum conhecimento sobre isso.
A maioria dos alunos concordou com a cabeça, havendo até alguns soltando comentários em cima.
— Mas acho que poucos de vocês sabem como são formados e como podem ser perigosos. — Cruzou os braços e perguntou: — Começando então… Qual de vocês pode me dizer do que são feitos os portais?
Muitos levantaram a mão. Estevan varreu a sala com um olhar e apontou para uma aluna.
— Você. Betina.
Uma garota tímida estava com a mão erguida levemente trêmula. A franja dela estava quase tapando os dois olhos, então teve que ajeitar com a outra mão.
— Se-seria… E-Energia?
O professor levantou a sobrancelha e assentiu com a cabeça. Não era uma pergunta muito difícil, porém era precisa para fazer com que a turma se soltasse um pouco mais. Se até mesmo uma garota tímida poderia responder, os outros sentiriam mais à vontade para falar.
— Exatamente, Betina. — A menina ficou vermelha e abaixou o rosto, já que a olharam. — Os Portais são condensações de Energia em um local. Este, por exemplo, — apontou para a tela — é um recém-condensado. Está irregular e tomando tamanho, conforme condensa mais a energia.
Então, o vídeo mudou do Portal recém-condensado para um vídeo com um espaço vazio emitindo algumas faíscas.
— Vejam isso — comentou. — Este é o início da condensação de Energia em um Portal. Por mais que possamos pré-avaliar os locais que surgirão os Portais, ainda não temos ferramentas exatas para prever onde o próximo nascerá.
Nessa hora, um rapaz animado falou por cima: — Mas como é que as Guildas e a Associação conseguem encontrar os Portais assim que se formam?
O professor olhou para o rapaz e deu uma expirada forte.
— Fernando, bastava esperar um pouco. — Estevan mexeu no holograma do Nelink para trocar o vídeo. Dessa vez, era como um radar, mas com uma visão parecida com a de calor. Mostrava uma silhueta bagunçada formada pela cor vermelha e amarela. — Esta é a atual ferramenta para pré-avaliar os locais. Sabemos onde podem condensar, mas não quando. Então as Guildas e a Associação colocam câmeras nessas áreas para assegurar.
Vendo que alguns alunos ainda estavam desinteressados, já que possivelmente sabiam disso através de seus pais ou estudos, o professor viu que um garoto estava com a cabeça recostado na cadeira, olhando para a tela com os olhos entreabertos.
— Leonardo, — chamou o garoto. — já que parece entender, que tal me responder: O que mais vem junto com os Portais?
Tendo o nome chamado, ele não sabia como reagir. Afinal, até entendia do assunto, mas não achou que a sua atitude incomodaria o professor ao ponto de chamá-lo para explicar.
— Eh… — Antes de falar, tentou tomar algum tempo para formular.
— Os Anômalos, Sôr. — A voz de um garoto soou.
Leonardo olhou em direção e viu que era Gustavo, que sorria confiante para o professor.
No entanto, Estevan ajeitou os óculos no rosto e disse: — Gustavo, acredito que eu perguntei para o Leonardo, e não para você. Além disso, você respondeu errado…
Vendo que o professor daria a resposta, Leonardo falou: — Seria os símbolos de ameaça, professor?
Estevan inclinou a cabeça em direção do jovem, avaliando-o para ver se tinha chutado.
— Exatamente. — A tela mudou para um símbolo no topo do Portal. Era como se tivesse um desenho vago sobre o portal. — Por muito tempo isso intrigou os pesquisadores. Atualmente sabemos que estes desenhos representam o nível de ameaça dentro dos Portais. Vejam estes.
Agora, como se tivessem cortado partes de diferentes vídeos, estava um vídeo com cinco símbolos lado-a-lado.
— Alguns pesquisadores acreditam que não mostra apenas o nível de ameaça, afinal, por que os Portais transmitiriam algo para nós? — Alguns alunos concordaram com a linha de raciocínio, assentindo e até desenhando no Nelink os símbolos. — Eu penso da mesma forma. Acreditam que cada símbolo seja uma classificação dos Anômalos.
— O que quer dizer com classificação, Sôr? — Uma garota interessada perguntou.
— Como já sabem, dentro do exército há sargentos, generais, tenentes e etc. Basicamente, acreditamos que, o que quer que seja esses símbolos, representa a “patente” ou “função” dos Anômalos dentro. E isso não descarta a possibilidade de saber o nível de ameaça através dos símbolos.
Muitos dos alunos ficaram animados, sabendo disso. Muitos sabiam dos níveis de ameaça dos Portais, mas não faziam ideia do que era discutido sobre isso.
Gustavo olhou para Leonardo, que agora havia recebido atenção por causa da resposta certa, e apertou os dentes.
O professor falou mais sobre os portais, passando documentos para os alunos estudarem, e até compartilhou a informação de situações onde o símbolo de ameaça alterou após uma raide começar. Os portais seriam mais discutidos nas próximas aulas.
— Ok. Vamos voltar um pouco antes — falou Estevan. — Energia. Quem aqui sabe definir o que é a Energia que usamos nos Aucts, em Anoferramentas e afins?
Muitos ficaram relutantes. Era uma coisa tão comum, mas se respondessem errado poderiam ser o motivo da risada na turma. Ainda assim, teve alguns levantando a mão.
E, mais uma vez, o professor decidiu por conta própria. Assim que viu uma garota deitada com o rosto na mesa, olhando para o nada, sabia que precisava chamá-la.
— Agatha? O sono está bom?
Todos a olharam e quando viram que ela estava com a cabeça deitada na mesa, começaram a rir.
A gótica até sentiu vontade de responder “sim, estava bom até me chamar”, mas evitou. Já bastava os colegas não irem com a cara dela.
Estevan repetiu a pergunta: — Como você definiria “Energia”, Agatha?
Ela coçou o pescoço, parecendo pensar, e disse: — Tudo…? — A voz aguda e cansada não passava qualquer confiança, fazendo alguns segurarem a risada e esperarem a resposta do professor.
Um pouco pensativo, o professor ainda assim assentiu: — Quase isso. Quase isso. Antes dos Portais surgirem, a Energia não existia, dessa forma não pode ser tudo. Entretanto, hoje em dia ela praticamente definiria tudo. Tudo tem Energia, mas não é a Energia que compõe tudo.
Os estudantes ficaram confusos, mas parecia mais complexo do que o professor poderia explicar agora.
— Podemos tirar Energia de toda matéria desse planeta. Até o ar que tem nessa sala está repleto de Energia, como sabem. Mas por que somos os únicos capazes de absorver e condensar energia em nossos corpos ao ponto de demonstrar habilidades diferentes? — Caminhou pela frente da sala enquanto comentava em voz alta.
O silêncio reinou na sala.
Notando que sua reflexão era muito para a cabeça dos jovens, Estevan mudou de tópico: — Por enquanto, não há uma resposta definitiva para essa questão. Agatha, você respondeu muito bem. — Sorriu para ela, olhou para o Nelink que mostrava a hora e perguntou: — Qual a próxima aula de vocês?
Muitos começaram a falar entre si e finalmente alguns com a voz alta responderam: — Educação Física!
— Entendi. Já que estamos chegando ao fim da aula, quero já deixá-los preparados para a próxima vez que nos vermos. Primeiro, lembrem-se de estudar os materiais que passei sobre os Portais. Na próxima aula discutiremos sobre os Graus de Energia e alguns Aucts bem únicos pelo mundo.
Dessa vez, uma garota com o cabelo curto amarrado para o lado questionou: — Profê! Quando é que vamos poder nos juntar aos clubes?!
Todos olharam para ela como se fosse uma idiota.
Estevan até ficou sem reação.
— Eu… acho que o diretor já tinha comentado nisso na cerimônia… Não deve fazer duas horas isso.
A amiga do lado disse entre gargalhadas: — Ela dormiu na cerimônia toda.
Ele suspirou fundo, colocou a mão no rosto e respondeu sério: — Daqui um mês e meio. Após vocês decidirem a arma pessoal de vocês, aí poderão entrar no clube que quiserem.
Assim que terminou de dizer isso, na enorme tela da sala, um sinal tocou, nem baixo nem alto, avisando que o período da aula terminou.
— Bem, vejo vocês daqui dois dias. Até mais, crianças.
Diferente do que os jovens esperavam, esse professor se provou muito mais interessante e legal. Atiçou a curiosidade deles, mostrou que os estudos podiam ser divertidos quando era algo de seu interesse. Fez com que alguns quietos se soltassem mais. E o melhor: Não tinha passado trabalhos nem marcado provas!
Não muito tempo depois, o professor, que levou eles até o prédio acadêmico, chegou na sala.
Era um moreno de 1,65 m, cabelo curto, com o físico bem treinado e seu rosto carregava uma feição mal-encarada.
Ele deu um olhar devagar na turma inteira. E de sua garganta saiu uma voz grave.
— Só me respondam uma coisa: Quem aqui… — Ele deu uma pausa, vendo a reação tensa de todos os jovens ali. — Tá a fim de usar o Auct!? — Depois desse show todo de se fazer de sério, soltou um sorriso grande, olhando a turma surpresa e ficando animada.
— Eu! — gritaram.
— Chega de treinar esse cérebro! Bora, bora, bora! Saindo da sala, vamos para o prédio de esportes.
Leonardo olhou para essa cena e não sabia o que pensar. Sinceramente só queria fugir dali e se esconder. Odiava exercícios físicos. Porém, uma outra parte de si tentava animá-lo, dizendo que era um mal necessário para ser um Venante.
Para a sorte dele, não estava sozinho nessa. Alguns alunos saíam de suas mesas cabisbaixos, como se fossem mineradores de carvão.