Venante - Capítulo 14
No caminho para o prédio acadêmico, os adolescentes discutiam sem parar.
— Será que a mulher do diretor descobriu que ele tá traindo ela? — disse alguém.
— Ha. Ha. Ha. Como as suas piadas são boas, quase me fazem querer me jogar da ponte — Outro adolescente respondeu, após uma risada forçada.
Os muitos alunos estavam conversando sobre o que poderia ter acontecido para fazer o diretor sair do auditório tão apressado.
Não surpreendentemente, Leonardo, como estava curioso também, iniciou o tópico com as suas colegas de quarto.
— E vocês, o que acha que aconteceu? — perguntou.
Luca, tinha um sorriso pequeno no rosto, colocou o dedo no lábio, fechou os olhos, pensando. — Hmm… Eu não saber. Talvez um problema com aluno? — A expressão dela não mostrava muita convicção nessa suposição.
— Será mesmo… — Ainda assim, sem uma resposta clara, ele considerou a possibilidade também.
Quando viu que a outra garota não o respondeu, eles olharam para a gótica cabisbaixa que seguia a multidão de adolescentes.
Leonardo pressionou a pergunta, dessa vez diretamente para ela: — E você, Agatha, o que acha?
Ela parou de andar e deu um olhar cansado, demorando para responder.
A tensão subiu, como se a jovem soubesse de algo.
Esperando a resposta sair dos lábios com batom escuro, Leonardo franziu a testa.
— I don’t know, guys — disse sem qualquer esforço.
A vontade dele era só de sair de perto da garota e ignorar a existência pelo resto do ano. Luca riu, segurando-a pelo braço e continuou o caminho.
Com isso, ele seguiu com a sobrancelha trêmula.
Depois de um tempo de caminhada, um professor chamou a atenção do primeiro ano, que era os últimos na multidão.
— Estamos chegando. Vão parando a fofoca e se comportem!
Algumas garotas do primeiro ano mostraram a insatisfação na hora.
— Quem é que ele acha que é para falar assim.
— Né? Que mal educado.
Assim que o terceiro e segundo ano entraram no prédio acadêmico, era a hora dos primeiro-anistas. Não era muito diferente dos outros edifícios, mas, para os calouros, era a primeira vez entrando no mundo dos Venantes de verdade.
Quando o trio entrou no edifício, Luca deu um abraço na Agatha e olhou triste para Leonardo.
— Ah, é verdade, né… Você ficou em outra turma… — Ele falou um pouco incomodado, relembrando desse fato.
Agatha, que parecia ser do tipo que odiava qualquer contato físico, aceitou o abraço relutante, como se não quisesse magoar a outra parte.
Ao se soltar, a jovem morena se seguiu na frente, para encontrar a sala de aula.
Nem todos colegas de quarto ficaram na mesma turma, principalmente porque isso era definido pela equipe do colégio, analisando alguns fatores externos na vida de cada aluno.
Leonardo e Agatha ficaram na sala 1-C, enquanto Luca estava na 1-B.
A sala 1-C já havia sido aberta pelos estudantes que estavam mais a frente. A visão que tiveram foi a de uma sala de aula não muito diferente das escolas que frequentaram, mas bem mais espaçosa e colorida, dando uma sensação de vivacidade às paredes brancas e metálicas.
As mesas de estudo eram separadas por uma escadaria baixa, dividindo-as em dois lados: direito e esquerdo. Além disso, para cada degrau, as mesas de estudo também subiam um pouco, dando um ar mais acadêmico.
Fora isso, diferente das antigas carteiras, que eram individuais, essas eram em grupo, permitindo até cinco estudantes por mesa.
Para o azar de Leonardo, o qual desejava sentar mais a frente possível, ficara na metade da fila para entrar na sala de aula, perdendo a chance de pegar as mesas mais próximas do professor.
“Pelo menos o pessoal parece querer mais o fundão do que na frente” pensou ao avaliar a situação quando entrou na sala.
Estava claro que o pessoal que entrou primeiro focou mais na frente e no fundo, sobrando as mesas do meio. Isso refletia bem na atitude desses adolescentes.
Assim que o garoto se sentou na última cadeira da terceira mesa da direita, um vulto dourado parecia ter varrido a sala e chegado ao lado dele.
— Mas o qu… — Assim que ia terminar, foi interrompido por uma voz conhecida.
— Oh? Que coincidência, acabamos sentando juntos. — Era Charlotte, com um sorriso confiante no rosto, mas levemente trêmulo.
Leonardo, franziu a testa, olhando para as outras mesas vazias próximas. — Foi mesmo coincidência?
Ela coçou o pescoço, ficando um pouco vermelha, levantando a cabeça.
— Claro que foi… Hahaha… — Terminou por rir sem jeito.
Assim que ia falar algo, uma voz cansada soou por detrás deles: — Weirdo, poderia parar de dar em cima de todas que vê?
Nesse momento, a sobrancelha dele voltou a tremer. Nem precisava se virar para saber de quem era a voz. Mas, para confrontá-la, virou-se e a encarou de olhos cerrados, o que foi respondido por um olhar desanimado, mostrando que não vacilaria também.
Para Charlotte, essa cena era como uma batalha de robôs soltando raio lasers pelos olhos.
— Eh… Você seria quem? — A loira interrogou, em busca da intimidade dos dois.
— Agatha. — A resposta veio seca. — Divido o quarto com esse… — Ela deu uma lenta olhada de cima para baixo nele, buscando alguma palavra para descrevê-lo. — ser.
— Sério!? Ser? — Leonardo estava indignado.
Um pequeno sorriso de escárnio apareceu no rosto da gótica. — Yep.
Não suportando mais, ele voltou o olhar para frente, desistindo de discutir com ela. Afinal, era o primeiro dia de aula — aquilo que mais queria experimentar. Se recusava deixar com que isso fosse estragado pelos comentários dessa gótica preguiçosa.
— Mas, sério, por que você não se senta com a Júlia? — Dessa vez, voltou o assunto para a garota ao seu lado. — Não acha melhor do que sentar do meu lado?
Charlotte estava ainda processando a conversa de Agatha com ele, então, quando foi chamada, reagiu apenas balançando a cabeça. Assim que percebeu o tom sério de Leonardo, respondeu baixinho: — É tão ruim… que eu sente perto de você?
— Oi?
— Nada! Nada! Nada! — gritou de olhos fechados, querendo apagar o que acabou de dizer.
Leonardo se assustou, pois atraiu bastante a atenção das pessoas em volta pela reação agitada dela.
— Shhh! — Tentou calá-la, enquanto olhava para os lados. — Dá para parar de gritar um pouco!? — Até teve que pedir por isso. Odiava ser o centro de atenções dessa forma.
Ela, ao notar a situação constrangedora que se colocara, colocou as mãos sobra a boca, olhando quietinha para os lados também.
Após essa cena toda, os alunos voltaram a conversar uns com os outros, dando tempo para os dois se recomporem mentalmente.
— É que ela não está nessa turma. — Dessa vez foi Charlotte que iniciou a conversa, olhando fixamente para frente. — Por isso sentei aqui.
Surpreso com a resposta, demorou para entender e relacionar que “ela” era a Júlia. Mas o que mais surpreendeu Leonardo era que essa jovem ativamente sentou do lado dele, com todas as outras mesas vazias.
Na cabeça dele, Charlotte estava brava ainda com aquela situação de antes; quando puxou o braço dela, só porque ficou bravo. Só de lembrar, conseguia imaginar a sua mãe batendo na cabeça dele e mandando pedir perdão pelo que fez.
Com isso em mente, ele disse com sinceridade: — Entendi… Espero que possamos… sabe… estudar juntos.
Essa resposta fez uma alegria explodir dentro de Charlotte, quase a forçando levantar os braços animada. Porém, para manter a marra de antes, segurou essa animação de força nuclear e falou: — Cadê aquele desarrumado sonolento que conheci antes?
Leonardo olhou para ela, encarando os olhos azuis dela. Vendo que ela conseguiu ser um pouco descontraída com ele depois de tudo, só pôde estalar a língua.
— Ficou na cama, dormindo. — respondeu, participando da brincadeira. — E onde está aquela Veneditte que quer que todo desconhecido conheça a família dela? — Porém não deixou passar batido também.
Charlotte apertou os lábios, mostrando a raiva, mas por ele ter respondido a brincadeira dela, só pôde virar o rosto. — Humph!
Atrás deles, Agatha não sabia quantas vezes já tinha revirado os olhos nem as vezes que quis vomitar. Tudo o que ela queria fazer no momento era colocar os fones de ouvido do Nelink e deixar tão alta a música que não precisaria escutar aqueles dois “flertando”. Só não fez isso porque estava esperando o professor chegar na sala de aula.
Para as súplicas mentais dela, o pedido foi atendido e o professor chegou, interrompendo todas as conversas no ambiente.
Era um homem de óculos, cabelo amarrado e castanho, usando terno marrom.
Ele colocou a maleta de couro marrom sobre a mesa dele e, em silêncio foi para frente do quadro, olhando para todos os jovens na turma.
— Acredito que conversaram o suficiente. — A postura dele era reta, mostrando a inflexibilidade que tinha e ficou de braços cruzados.
Todos já o conheciam ali, pois os professores já haviam se apresentado no auditório. Seu nome era Estevan Galdino. A primeira impressão que todo adolescente teve dele foi: “Eu não quero estudar com ele”.
Isso se devia ao fato dele transparecer a personalidade direta e “certinha” para os jovens. Como se estivesse pronto para passar provas no primeiro dia de aula.
Sem rodeios disse: — Aproveitando que já me conhecem, gostaria que se apresentem para mim também. Estarei fazendo a chamada, e conforme o nome de vocês for chamado, me conte um pouco de você e o motivo de querer ser um Venante.
Os estudantes começaram a conversar de novo, tornando a sala de aula barulhenta outra vez. Estevan apenas tapou uma das orelhas com um dedo e começou a chamada.
Leonardo estava com o coração na boca nessa hora. Ele odiava esse tipo de situação, pelo fato de detestar que muita gente ficasse encarando.
Para o choque dele, o primeiro nome que foi chamado estava próximo dele.
— Agatha… W. Fiorini. — Ele demorou um pouco para ler o sobrenome, visto que estava abreviado, o que não era tão incomum na atualidade, apenas um pouco raro de se ver no Brasil.
A jovem gótica se levantou devagar e olhou para o professor.
— Então… Apresente-se, Agatha — disse Estevan.
— Hah… — Soltou um longo suspiro, como se não quisesse passar por isso. — Acho que não preciso dizer o meu nome. — Como não sabia como iniciar, então atacou o óbvio.
— Certo, continue. — O professor não ficou abatido, por mais que a risada soasse pela sala. Sabendo que os adolescentes tinham dificuldade de serem honestos, impôs os tópicos: — Onde nasceu? Qual o trabalho de seus pais? Quais são as suas qualidades? E por que você, Agatha, quer ser uma Venante?
Com as perguntas dadas assim, a garota agradeceu mentalmente o professor por facilitar o trabalho.
— Eu nasci no Brasil, mas não fiquei muito tempo por aqui. Por conta do trabalho dos meus pais, viajamos bastante… — Quando estava preste a continuar a responder, foi interrompida.
— Qual o trabalho deles? — reiterou o professor.
Ela tentou evitar o tópico na resposta, mas Estevan voltou com a pergunta.
Com outro suspiro, sabendo que os outros falariam sobre isso, respondeu brevemente: — Meus pais são donos de circo.
A sobrancelha do professor se levantou, mostrando alguma surpresa. Era bem raro crianças que não faziam parte da classe alta estarem nesse colégio.
E como esperado, alguns adolescentes estavam rindo e conversando sobre.
Para dar logo um fim nisso, ela continuou a responder: — As minhas qualidades são tudo o que meus pais ensinaram.
Uma garota mais ao fundo disse alto: — Malabarismo? — E começou a gargalhar.
Agatha se virou para trás, com um olhar calmo. — Yep. Acrobacia, contorcionismo e, melhor ainda, — Deu uma pausa e completou com um sorriso de deboche: — só falar quando for chamada.
A garota que zombou de Agatha ficou irritada e estava prestes a gritar de volta, mas foi parada pela voz do professor.
— Chega. Não quero briga nessa sala. — Ele olhou sério para as duas. — Enfim. Agatha, as suas respostas foram bem interessantes. Agora, me diga… Por que quer ser uma Venante?
Já voltada para o professor de novo, a jovem demorou para responder, como se tivesse um problema para contar isso. Assim, respondeu superficialmente: — Salvar pessoas.
Leonardo, ao escutar essa resposta, não sentia que era mentira, mas, com toda a certeza do mundo, não combinava com a Agatha. De certa forma, sentia que havia muito mais por trás disso, mas vendo que o professor não pareceu incomodado, deixou de lado.
A chamada continuou. Porém parecia uma frequência que a última pergunta fosse respondida de forma direta. “Porque é legal”, “Fazer parte de uma Guilda” ou mesmo “Porque meus pais querem”. Parecia tão superficial para Leonardo que ficou incomodado de ouvir.
Enfim, depois de alguns alunos, Charlotte foi chamada.
— Charlotte Belmock Veneditte. — O último sobrenome foi destacado pelo tom do professor.
A turma inteira começou a falar mais alto. Afinal, era a filha mais nova dos Veneditte no Brasil.
Todos esperavam um discurso arrogante e engrandecedor, visto que os Veneditte eram, pelo menos para os de classe alta, “caçadores de atenção”. Pelo menos duas vezes por mês aparecia uma notícia dedicada a eles, falando sobre as boas ações deles.
Porém, as respostas de Charlotte foram curtas, mas resolutas, como se já tivesse com a cabeça formada sobre isso desde o início.
— Nasci no Brasil, e meus pais fazem parte da Associação do Brasil.
Com essa pausa, o professor, que também esperava um discurso grandioso, questionou: — E quais as suas qualidades?
— Buscar sempre ser melhor. — Ao dizer isso, a sala ficou em silêncio, como se fosse dirigido a todos ali. — Quero ser uma Venante porque estou insatisfeita com a situação atual do mundo. — Ao terminar, se sentou.
Diferente de encarar alguém que queria ser amiga, um bando de desconhecidos fazia a personalidade firme de Charlotte brilhar. Nem sequer ficou nervosa em responder as perguntas, ou de ter olhares sobre ela até quando se sentou.
Leonardo estava de olhos abertos, porque não reconhecia aquela garota ao seu lado. Foi tamanha a surpresa que podia dizer que estava inspirado na resposta dela. Foi convicta e forte.
Até cogitou em conversar com ela, mas foi interrompido pela pigarreada do professor, continuando a chamada.
Depois de mais alunos, Leonardo, que estava distraído em seus pensamentos, teve a sua atenção atraída. O atual nome que foi chamado era de alguém que conhecia. Na verdade, de alguém que queria nem conhecer.
— Gustavo Ferreira da Silva.
Era o jovem pardo e magro que veio buscar problema no dia que ele veio para o dormitório.
E, para piorar, as respostas descreviam perfeitamente a personalidade dele.
— Mais brasileiro impossível, Sôr. — Ao se mostrar mais informal, o pessoal prestou atenção. — Meus pais são políticos. E as minhas qualidades? Só de olhar pra mim já deve saber, né Sôr? — Nessa hora, gargalhadas encheram a sala.
“Além de ser um pau-mandado, é o piadista da sala.” Leonardo estava mais irritado ainda. Não acreditava que foi justo o palhaço da turma que veio tirar satisfação com ele.
— Quero ser Venante pra ficar rico. — Terminou dessa forma, gerando mais risadas.
Não era errado afirmar que era bom com as palavras, afinal atraiu bem a atenção dos jovens em sua volta. Este jovem de família política mostrou bem como conseguir o apoio de forma indireta.
O professor se segurou para não responder com a verdade dolorosa, mas há muito estava acostumado com esse tipo de criança.
Depois de algum tempo, a vez de Leonardo chegou.
— Leonardo Matioz Klevic.