Venante - Capítulo 13
Neste momento, sentados à mesa mais ao canto, estavam os quatro adolescentes. Todos tinham decidido o que iriam tomar como café da manhã e estavam para iniciar a conversa.
Leonardo, que havia escolhido comer pães de queijo e tomar um suco, incomodado, iniciou a conversa para Júlia. — Então… O que quer conversar? — Estava claro que não queria trocar olhar com Charlotte, depois do que aconteceu.
O refeitório estava barulhento, com muitos jovens entrando e saindo, conversando por todo o local.
— Hmmm. — Júlia pegou uma torrada com geleia e começou a degustar, antes de respondê-lo. O que na verdade era uma forma de esconder que estava cutucando a colega ao lado.
Charlotte, sentindo os cutucões dela, falou: — E-em… que quarto… ficaram? — Mal conseguia olhar nos olhos dele, mas tentou com bastante empenho terminar a pergunta.
Leonardo olhou para ela, com uma sobrancelha tremendo. Era um sinal de que algo estava incomodando-o internamente.
“Ah, cara… Será que fui longe demais? Não devia ter puxado o braço dela… Acho que ela nem quer estar aqui…” refletiu, analisando a situação.
Luis o ensinara que, com garotas, deveria ser respeitoso e nunca demonstrar incômodo ou raiva. No entanto, sua mãe sempre se mostrou tão dura quanto aço, fazendo-o questionar desde pequeno se seu pai estava certo sobre isso.
Além disso, no fundo, sentia que podia se dar bem com Charlotte, então não queria estragar essa possibilidade. Depois daquele amistoso, algum companheirismo único cresceu na mente dele sobre ela.
Ele expirou pesado e a deu a resposta: — Estamos no quarto C-03.
Luca, que comia quietinha suas panquecas doces, complementou de boca cheia: — Eh xer a Agaxa…
Os três a olharam, tentando entender. Só depois de um segundo que o garoto foi entender.
— Ah! Acho que ela quis dizer que tem outra colega no quarto também, a Agatha.
Assim que terminou de falar o nome de outra garota, foi possível vislumbrar a mão de Charlotte se fechar com força e esconder debaixo da mesa.
Quando o garoto percebeu isso, olhou para a loira, que estava com um sorriso trêmulo estampado no rosto, com os olhos fechando, como se estivesse querendo disfarçar algo.
— Então… Você está com duas garotas no mesmo quarto? — Charlotte disse enquanto simulava um sorriso verdadeiro, que era de fato assustador para o jovem, já que lembrava a sua mãe fingindo não estar com raiva.
Ele engoliu seco. — S-Sim…? — A sua réplica foi mais relutante que a de um cativo torturado por um mês. O que mais poderia responder, afinal?
Depois daquele choque inicial que a garota teve quando se reencontrou com ele, sua mente estava constantemente lutando para lidar com o que estava sentindo. Era bom vê-lo, mas também vergonhoso lembrar da sua despedida, do resultado do amistoso. Porém estava ciumenta de não poder estar no mesmo quarto, já que poderia construir algum tipo de amizade com ele.
Foram tantos sentimentos que ela não aguentou e perdeu toda a compostura que tinha construído nos últimos dias. Tanto que a falta de motivação que esteve sentido era exatamente porque não sabia quando poderia encontrá-lo novamente, para acertarem as coisas.
Quando percebeu, já tinha recebido um gancho de direita ao ver que Leonardo já tinha entrado no colégio, e, ainda por cima, estava de namorinho!
Júlia era quem mais estava aproveitando tudo isso.
Tentando fugir daquela situação estranha, ele foi pegar outro pão de queijo com a sua mão direita.
Só que isso atraiu ainda mais a atenção da Charlotte, que deu uma encarada mortal para aquele anel no dedo anelar dele.
— Q-que anel seria esse? — A garota perguntou, tentando manter a compostura indiferente, mas no fundo estava como um vulcão prestes a entrar em erupção; sua cabeça até tremia de leve. Ela não era assim. Na verdade, queria levantar e começar a gritar com ele, questionando de tudo, mas a sua mente proibia isso. “Não posso ser uma sem-vergonha assim!”
Essa pergunta foi como um estopim para as outras duas.
— Pois é, Leo, que anel seria esse? — perguntou Júlia, colocando o queixo sobre as palmas da mão, parecendo esquematizar um plano maligno.
No caminho do refeitório, eles haviam se conhecido um pouco mais, apresentando-se corretamente dessa vez. Júlia era a típica pessoa que curtia construir intimidade no primeiro momento, no entanto, se não gostasse da outra pessoa, só iria embora, nem dando uma outra olhada na cara.
Até Luca não ficou de fora, encarando muito o anel, mas sem dizer algo.
O jovem olhou para a expressão das três. Como também não sabia, e sua mãe não havia explicado o que era, o melhor que podia fazer era disfarçar o motivo em uma brincadeira.
— Isso? — Levantou a mão direita e apontou para o anel. — Bem, acho que não tem problema em contar. — Deixou até um silêncio para o suspense e continuou sério: — Finalmente chegou a data de me casar…
A mesa tremeu, como se algo tivesse batido por baixo, levantando-a um pouco.
Leonardo olhou para a expressão das três. Luca parecia um pouco corada, acreditando naquela brincadeira. Júlia estava com uma expressão de medo, com os olhos focados em Charlotte. A última estava tremendo muito, além de parecer que vapor saía dela.
Era óbvio que não podia deixar essa brincadeira por muito tempo e logo explicou: — Gente… É óbvio que é uma mentira. Esse anel só é bonito, por isso uso. — Ele tentou acalmar aquela situação estranha. — Ai!
Só que a resposta que recebeu foi em um chute forte na canela por debaixo da mesa.
Charlotte variou em diferentes expressões, mas, no final, um sorriso aliviado ficou em seu rosto.
Assim que terminaram de comer, a conversa aumentou em tópicos. A jovem loira era a única que segurou a sua fome de leão, mas não queria que alguém a visse comer tanto.
— Vocês sabiam que teremos um aluno especial esse ano? — comentou Júlia.
— Especial? Tipo o que? — Charlotte ficou curiosa.
— Então, eu soube por aí que vai ter um estudante Singular no primeiro ano. Parece que é um caso muito especial, em todo o Brasil não deve ter mais que vinte Singulares, mas nenhum serve para ser Venante. Dizem que pode ter gente de fora vindo aqui para tentar… vocês sabem… dar um sumiço.
Até a primeira parte, Leonardo achou que era um boato sobre ele, mas apenas a sua mãe e Rafael deviam saber, e, caso o diretor soubesse também, dificilmente vazaria a informação. Só que dois Singulares no mesmo colégio era uma ocasião mais rara do que parecia, e, pior ainda, dois Singulares capazes de serem Venantes, isso seria ainda mais absurdo.
Luca estava prestando muita atenção na conversa.
— O que significar “dar um sumiço”? — perguntou, curiosa.
Charlotte já tinha notado, mas depois de conversar um pouco, tinha confirmado que essa garota era estrangeira. Então, com bastante cuidado, explicou: — Houve casos de países enviando espiões para… bem… “podar” o progresso. Então esses casos especiais são bem escondidos pelo país, só para evitar que um talento suma de repente.
Leonardo começara a suar. Era óbvio que conhecia sobre esses boatos, mas ouvir com tanta firmeza pela boca de Charlotte, fazia realmente questionar se era só “boato” mesmo.
“Eu posso até ter mostrado o Auct no amistoso, mas o único a associar foi o Sr. Rafael… depois contei para a minha mãe… Esquece. Vou ver isso depois” refletiu, pensando se tinha outra forma de descobrir o Auct dele por fora.
— Vocês saber quem? — Luca parecia querer saber mais sobre o assunto.
— Não. E se fosse tão óbvio, acho que nem teriam colocado nesse colégio. — Júlia explicou rapidamente.
Nessa hora, para trocar de assunto, já que estava cansado de imaginar um espião vindo dar o famoso “sumiço”, o rapaz falou: — Júlia, você parece estar bem informada sobre o primeiro ano. — Assim que disse isso, a jovem levantou o rosto, orgulhosa. — Tem alguma outra coisa interessante para contar?
Charlotte mostrou uma expressão descontente e, sem deixar a sua amiga falar, disse em cima: — Se lembra daquele acidente no teste que o prédio de treinos explodiu? Parece que o garoto que fez isso vai estar na mesma turma que nós.
— Ah sim, o Marcos… — Júlia preencheu a informação de sua amiga. — Melhor nem se envolver. Esse tipo de riquinho rebelde é o pior. Nem devem chamá-lo para as festas.
Leonardo piscou um pouco os olhos, recolhendo a informação e o nome familiar. Ele tinha escutado algumas vezes no dia e arregalou os olhos.
— Marcos!? — Ele se levantou da mesa, incomodado, e perguntou para Júlia: — Um loiro?
— Hã? Você conhece ele? — Júlia pareceu duvidosa, já que o rapaz não parecia o tipo que andaria com esse pessoal problemático.
Leonardo se sentou de novo, com Luca preocupada tocando no ombro dele. Com as mãos no rosto, cochichou: — Por quê… Logo um cara que consegue explodir um prédio? Sério isso?
— Leonardo estar bem?
— Ah, Luca… Eu… fiz uma merda… — Nem sabia como explicar.
Ele não estava se culpando pelas coisas que falou e do jeito que agiu contra Gustavo e Marcos, mas o fato de que foi bater de frente contra o cara que conseguia destruir um prédio reforçado apenas com o seu Auct.
As outras duas na frente pareciam confusas, então a loira perguntou: — O que aconteceu?
Leonardo olhou para Charlotte, que estava de fato preocupada com a reação dele.
— Acontece que ele e o amigo vieram me provocar quando cheguei…
A garota ia estender a mão para tocar no Leonardo, mas recuou e ficou quieta.
Júlia, analisando isso, respondeu: — É… Foi bom te conhecer, Leo. Te vejo no outro mundo. — Um sorriso sincero apareceu no rosto dela.
Após uma semana desde que se alojou, enfim o aguardado dia chegara.
O dia da cerimônia de entrada.
No imenso auditório, centenas de alunos uniformizados estavam sentados em suas cadeiras, formando três linhas grossas verticais, sinalizando que ano pertenciam cada seção.
Leonardo sentara ao lado de Luca e Agatha, enquanto Charlotte estava com Júlia e outra garota mais à frente.
Um homem em seus 50 e poucos anos estava atrás de um púlpito transparente. Seu cabelo negro já estava ficando com alguns tons mais claros, o olhar era firme e tinha algumas cicatrizes pequenas pelo rosto. Sua voz ressoava pelos alto-falantes do auditório.
— Mais um ano da nossa história continua. Este, que busca ser melhor que os anteriores, assim como vocês, jovens que alçarão voo em suas futuras raides. Nunca esqueçam das suas origens, de seus entes queridos, daqueles que ajudaram e ajudarão vocês. Nunca!
“Venantes encontram dificuldades… Situações terríveis, onde pensam em desistir e procurar a fuga mais rápida e indolor. Entretanto, eu duvido que os meus estudantes farão isso! Lembrem-se das suas origens, de cada passo que deram para alcançar os seus sonhos e objetivos.
“Não envergonhem o nome do colégio que estudaram, o nome de seus entes, daqueles que protegem! Sejam fortes, ardentes e decisivos. Não mostrem fraqueza contra o mal que nos persegue há anos. Lutem! Mostre que são Venantes brasileiros!”
O discurso atingiu todos os jovens. Seus peitos estavam preenchidos de animação, imaginando seus futuros grandiosos, ignorando a parte do perigo constante, afinal, nunca enfrentaram isso antes. Sempre houvera alguém que os protegera antes.
Dessa vez, eles que teriam que defender os futuros.
A cerimônia iniciou às 7 da manhã e estava marcada para terminar às 8. Foi apresentado os professores, alguns clubes importantes, o presidente do conselho estudantil e alguns vídeos dos profissionais formados pela Marvente.
Leonardo, que estava com os olhos brilhando, preso em seus pensamentos, sentia suas mãos formigarem e seus dedos tremerem.
A última semana que passou no dormitório foi como uma despedida à vida antiga dele. Estava se preparando para se mudar completamente. Não sabia como faria isso, mas, depois de ouvir o diretor e os professores, sabia que tinha tomado o caminho certo.
Podia ser difícil, doloroso e conturbado, mas muitos passaram pelo mesmo e mostraram ao mundo as suas capacidades.
No fundo, não conseguia ignorar aquela mancha. A mancha de saber que não importava quão grandioso você fosse, no momento que morresse, seria esquecido, e que, para as pessoas que ajudou por tanto tempo, não valeria de qualquer coisa.
“Eu preciso me melhorar! Tenho… Eu tenho…!” Seus olhos se encheram de lágrimas, desejando ter força para melhorar o seu Auct. Sua Energia podia ser baixa, mas ele tinha recebido a confiança de um dos maiores Venantes do Brasil e a sua mãe que o apoiava com tudo o que podia.
Nessa hora, uma pessoa entrou no auditório, com passos rápidos, em direção do diretor.
Todos estavam em silêncio, olhando para o homem de terno que entrara.
Assim que chegou ao lado do diretor, disse alguma coisa no ouvido dele e, surpreendentemente, o outro mostrou uma expressão de choque.
— Alunos e professores, peço que se dirijam para as suas determinadas classes de aula, seguindo o caminho para o prédio acadêmico. E, espero que nenhum de vocês vá para outro lugar no campus. — Após terminar essa última frase, que mais soava como uma ameaça, saiu de lá e se dirigiu rapidamente para a saída do auditório com o homem de terno ao lado.
Não parecia que muitas coisas podiam afetar o diretor, mas apenas ouvir o engravatado o fez encerrar a cerimônia mais cedo e iniciar a primeira aula do ano.
“O que aconteceu?” Leonardo questionou internamente.