Venante - Capítulo 12
Leonardo não ligou muito para o espaçoso quarto; apenas jogou as suas coisas em um canto, organizando somente as suas poucas mudas de roupas no closet.
O quarto não era tão bem-decorado quanto os outros cômodos que viu, possivelmente para que o próprio aluno decorasse com o que desejasse. O que não seria aproveitado pelo jovem, afinal, nem o quarto de sua casa tinha detalhes demais.
A única coisa que Leonardo deixou sobre a cama, que quebrava o minimalismo do cômodo, foi o querido VRC.
Com tudo isso feito, vestiu o uniforme do colégio pela primeira vez. E, sem muita surpresa, teve dificuldade em dar o nó da gravata, já que poucas vezes teve que usar uma. Apenas se recordava de usar uma vez — o velório de seu pai. Por sorte, viu alguns vídeos no YouNante de tutoriais para nós de gravata, facilitando um pouco para ele.
Como um perfeito amador, deixou a gravata frouxa, nem abotoou o paletó — mas este último era porque achava mais estiloso deixar aberto — e saiu do quarto desse jeito.
Sua visão parou em Agatha, que estava tomando algum tipo de bebida em um copo com canudo e deitada no sofá.
— A Luca ainda não saiu? — perguntou Leonardo preocupado, pois já fazia algum tempo desde que a garota tinha se trancado lá.
Agatha, sem pressa alguma em responder, deu boas engolidas em sua bebida, e só depois de um bom tempo, puxando o restinho do copo, que olhou para os possíveis lados, como se estivesse procurando algo, e respondeu: — Nop.
Leonardo cerrou os dentes. Ela nem ligava em fingir que se importava com a pergunta.
— Valeu então — exclamou sem paciência e se dirigiu para o quarto de Luca.
Assim que passou pela garota, ouviu ser chamado.
— Pera aê, Weirdo. — Levantou-se do sofá, colocou o copo no chão e andou até ficar de frente com o garoto.
Com essa atitude repentina, Leonardo ficou surpreso e com medo, porque não sabia o que ela faria. Principalmente pelo fato dela estar tão perto ao ponto de poder ouvir a respiração pesada que saía da boca da menina.
— O que você quer? — questionou com alguma dificuldade.
Agatha era, no mínimo, meio palmo mais baixa que ele.
Sem responder, agarrou a gravata dele e puxou para baixo, quase forçando o rosto dele a encostar no dela.
— Isso tá uma merda. — Sua feição estoica finalmente estava apresentando algum incômodo, com as sobrancelhas levemente tensionadas para baixo, nem sequer se importando quão próximo Leonardo estava de seu rosto.
Sem dar tempo para ele se questionar ou acordar do choque, levou as suas mãos para cima, até próximo do pescoço.
— Done — disse ao terminar de mexer no nó da gravata dele.
Com isso, Leonardo acordou da surpresa, voltando a postura normal, e tocou em seu pescoço, sentindo que a gravata estava mais alta e firme.
— Você… Hã, por que ajeitou?
Agatha já estava se afastando, enquanto replicava: — Se vai sair com a Luca, pelo menos que esteja adequado, Weirdo.
Ele ficou pensativo, parado no mesmo lugar, nem mesmo largou a gravata recém-arrumada.
“Se ela não falasse tanta grosserias, acho que seria possível conviver.”
— Bem, obrigado…
Ele coçou a bochecha e foi bater na porta da Luca.
Toc, toc.
— Luca…? É o Leonardo.
De dentro, uma voz baixa ressoou.
— Ma… O que… é? — Parecia que estava com dificuldade em responder, com a voz um pouco chorosa. Até quase falou em árabe, mas corrigiu depois.
Leonardo olhou para a porta clara e comentou sinceramente: — Eu queria dar uma olhada no colégio, mas não queria ir sozinho. Seria bom ter uma companhi…
Antes de terminar, a porta abriu rapidamente e a garota, tão veloz quanto o som, agarrou o braço dele, levando direto para a saída.
— Vamos! Vamos!
Agatha ficou jogada no sofá, com as pernas cruzadas, evitando totalmente aquela “cena colorida”.
Assim que saíram do dormitório, pegando dessa vez a escadaria, por conta da preferência de Luca, esta questionou: — Então, você ter lugar que querer ir?
Ele ia ver no mapa do Nelink, mas mudou de opinião na última hora.
— Que tal irmos andando e você vai me apresentando cada lugar?
— Ótimo ideia! — Segurando o antebraço dele, começaram a caminhar apressados. Até parecia um casal sem harmonia, mas era engraçado de se observar.
Como o alojamento ficava mais ao fundo do campus, então os pontos que veriam seriam na ordem diferente daqueles que conheciam da entrada para o fundo.
Logo que se afastaram dos prédios de dormitórios, aproximaram-se de um edifício parecido com o prédio principal, onde Leonardo tirou as dúvidas com o secretário Thales.
— Esta ser a prédio acadêmico. — Luca começou a explicar. — Eu não ir dentro ainda, mas eu saber que tem muuuuuiiitas salas. Ter salas de aula, laboratórios, de tecnologia e biologia, e muitas outras!
O garoto parecia pensativo enquanto ela contava.
“Fico feliz que construíram perto do alojamento.”
Na verdade, ele só queria evitar andar desnecessariamente para a aula.
— Vamos para o próximo, Luca. — Dessa vez se soltou do agarro dela e começou a caminhar na frente. Ele não era tão fã de gente o tocando, então estava esperando uma oportunidade de se soltar.
A garota não parecia se importar, já que estava mais concentrada no momento dos dois.
Leonardo e Luca continuaram seu tour pelo campus — com vezes Luca o segurando pelo antebraço — conhecendo a enfermaria, que tinha um próprio edifício, porque acontecia mais acidentes fora da sala do que dentro de uma, o auditório, o qual seria feita a cerimônia de entrada no início do ano letivo, um edifício chamado “sede de clubes”, onde ficava a maior parte dos clubes do colégio, o prédio de segurança, que monitorava boa parte do campus, além de guardar alguns materiais especiais de estudo.
No entanto, o que mais deixou o jovem curioso e pensativo, foi a estufa, o prédio esportivo, que ficava próximo daquela enorme quadra cheia de campos, a infoteca e o prédio principal.
A estufa seria onde realizariam estudos mais próximos de portais. Diferente de uma sala de laboratório, que analisariam cadáveres ou partes de Anomalias, a estufa simulava o ambiente natural da Anomalia viva que estudariam.
Isso o animou muito, já que teria contato em primeira mão com uma Anomalia pela primeira vez em sua vida.
O prédio esportivo, diferente da sede de clubes, era um espaço para clubes de esporte, além de esportes que não seriam viáveis na quadra. Estes clubes não ficavam na sede por conta que este edifício era o mais próximo da quadra esportiva, então era lógico que usassem algumas salas de treino para integração de seus clubes.
Isso instigou a Leonardo por conta do passado de seu pai e sua mãe, que se conheceram por causa de esportes. Obviamente que não queria conhecer a sua alma gêmea devido a isso, mas porque ouvia sempre de sua mãe que todo Venante precisaria praticar algum esporte se quisesse ser um bom Venante.
A infoteca era como o povo atual chamava a biblioteca, que agora não tinha mais livros e sim documentos virtuais. Como um amante da história dos Venantes, ao saber que havia um prédio com informações que não podiam ser encontradas tão facilmente, Leonardo já estava animado em começar a frequentar o local.
Por último, um dos primeiros prédios que se via ao entrar, era o principal, onde ficava localizado a maior parte dos funcionários de Marvente. Tinha a diretoria, sala de professores, secretaria e outras focadas em cada tipo de setor que os profissionais atuavam no campus.
Contudo, o que deixou Leonardo curioso era o fato de ter algumas turmas dentro desse edifício. Era chamado de “quarto ano” do colégio. Curiosamente, para se formar em Marvente, só precisava de três anos. Ninguém sabia o real motivo de alguns alunos específicos serem chamados para passar outro ano no colégio.
Nesse momento, Leonardo estava andando com Luca em direção ao prédio de treino, que foi destruído por um aluno no dia do teste de medição e definição. Por mais que não fosse fã de gente muito animada — como a Charlotte por exemplo — ainda assim gostava da sinceridade nas atitudes de Luca.
Era um costume de Leonardo analisar de leve as pessoas — e isso só foi piorando nesses últimos dias por conta do seu Auct — sentia que a garota realmente queria fazer amizade com ele de toda forma possível.
Logo que viram aquele prédio em reforma, uma garota acompanhada de sua amiga esbarrou com força contra o braço de Leonardo.
— Ai! — Ele de fato sentiu dor, porque a pessoa parecia ter batido com tudo nele.
A pessoa que o esbarrou nem pediu desculpa; ficou parada olhando-o.
Assim que olhou para o rosto da pessoa, reconheceu na mesma hora.
“Charlotte!”
As pupilas dele tremeram de surpresa, sem saber o que dizer.
Um pouco antes, Charlotte e sua amiga estavam conversando tranquilamente sobre a vida.
— Que tal irmos pegar algo no refeitório?
— Não sei, Ju… Não estou com muita fome, sabe. — Charlotte na verdade era uma verdadeira comilona, mas desde que se alojou no colégio, teve dificuldade em comer, como se algo estivesse a incomodando.
— Nem para ir junto? — perguntou, fazendo carinha de filhotinho sem dono.
Charlotte olhou para Júlia, que era a sua colega de quarto, e não resistiu.
— Tá bom… Vamos lá.
As duas estavam na área de lazer — um pequeno lago que tinha no campus, com alguns bancos de pedra em volta — e foram em direção ao refeitório.
Durante o caminho, Charlotte estava cabisbaixa, refletindo sobre algo.
— Ei, Lô, olha aqueles dois ali. — Ela deu uns tapinhas no ombro de Charlotte, apontando para duas pessoas.
Ela não parecia muito interessada em ver um casal que andava de mãos dadas… Assim que viu toda aquela animação dos dois, apenas bufou e direcionou o olhar um pouco para mais longe.
— Por que ela tá dando chance para ele? Olha o tamanho daquelas olheiras… Parece até um vampiro, não deve ver o sol há uns milênios.
Quando ouviu sobre as olheiras que Júlia comentou, seu olhar se voltou no mesmo instante para o rosto do garoto.
— Ele…! — Assim que ia falar mais, a garganta travou, fazendo-a tossir de nervosismo.
— Lô?! Que foi, menina? Tá passando mal?
— Cof, cof, cof! Ele… — Continuou a tentar terminar de falar: — Veio…
Charlotte agarrou o braço da Júlia e se escondeu, evitando totalmente qualquer chance deles a verem.
O rosto dela estava vermelho do nervosismo e da tosse anterior. Respirava pesado, mas claramente não mostrava mais aquele semblante quieto de antes. Era tamanha a surpresa que nem notou apertar o braço de Júlia mais do que devia.
— Amiga, o que aconteceu? Você conhece aqueles dois? E solta meu braço! Ai!
A garota notou que estava machucando e soltou o braço da amiga. — Desculpa! É só que…
— Você conhece eles? — Júlia entendeu que algo aconteceu com Charlotte e aquele pessoal, mas buscava o verdadeiro “bafão” da vez. — Não vai me dizer que namorou el…
Antes de sequer ouvir a perguntar inteira, era quase como uma pequena explosão surgisse da cabeça de Charlotte, levantando uma onda de fumaça, deixando-a com o rosto todo vermelho, forçando a responder: — Não! Nunca! Nuuunnnncaaaa! Nem em sonhos!
— Então o que é, garota!
— Nada! Só fica calada, ok!? — Assim que disse isso, começou a se esgueirar escondida, seguindo o “casal”.
“Eles estão juntos?! Não, não tem como aquele desleixado namorar alguém! E por que eu estou pensando isso!? Para! Para! Para! Por que estão de mãos dadas? Ele não vai soltar?! Por quê?!”
Na cabeça de Charlotte, além do fato que tinha que seguir Leonardo, uma enxurrada de perguntas surgia.
Júlia, que olhava aquela cena exótica de ver a sua amiga usando as paredes e o relevo de alguns lugares para se esconder, estava com um grande sorriso no rosto. Ela adorou vê-la ficar daquele jeito.
Ela chegou até o lado da “espiã” e fingiu levar a sério: — Será que estão juntos?
Charlotte olhou para os olhos dela, que mostravam seriedade na situação, e respondeu: — Não sei… O que você acha?
Por dentro, Júlia estava gargalhando sem parar. Nunca tinha visto a Charlotte mostrar muitas expressões desde que a conheceu, então essa situação era tudo para ela.
— Acho que só perguntando que podemos saber…
Quando escutou isso, seu corpo travou, sem saber o que dizer.
— Per… guntar…?
“Mas se eu perguntar, seria como afirmar que sou uma sem-vergonha, e ele vai me criticar! Muito mais do que antes! Vai parecer que estou desesperada pela atenção dele…! DESESPERADA POR ELE?! NÃO! ELE QUE DEVIA SE SENTIR GRATO POR EU ME LEMBRAR DAQUELE ROSTO SONOLENTO DELE!”
E outra guerra começou dentro da cabeça dela.
Antes que a garota entrasse em curto-circuito, Júlia pegou o pulso dela e começou a andar rápido em direção de Leonardo e Luca.
E dessa forma que ela fez com que Charlotte esbarrasse com tudo no braço dele.
Os dois se encararam.
Nem Júlia ou Luca falaram, como se esperassem algo acontecer.
O silêncio estranho continuou.
— Eh… — Leonardo tentou reunir algum tipo de cortesia para iniciar, mas não saiu.
Escutando a voz dele mais uma vez, Charlotte sentiu se aliviar da tensão mental. Ela se virou de costas para Leonardo e respondeu orgulhosa, fingindo que nada tinha acontecido: — Humph! Quem diria que estaria aqui, hein.
Para o garoto, que teve uma agradável última lembrança com a menina, não esperava ver toda essa arrogância agora.
“Ela tá dizendo que eu não tenho qualificação para estudar no mesmo colégio que ela?” Só que o entendimento da situação de Leonardo não ajudou também.
Aquele fio de sinceridade que ela mostrou na despedida, agora tinha sido partido. Por algum motivo, diferente de Luca, a qual se mostrava ingênua, fofa e gentil, mesmo sendo a típica animada, a Charlotte despertava uma vontade de implicância dentro de Leonardo que não poderia ser descrita.
O garoto moveu o braço e agarrou o pulso de Charlotte, fazendo-a se virar para ele.
Já o corpo dela, tremeu inteiro, sentindo ser tocada por Leonardo, e olhou para a mão que usava um anel a segurando.
Nervoso, disse: — Se for para falar comigo, pelo menos me olhe nos olhos. — Encarou os olhos que evitavam o olhar dele, sem sequer notar que o rosto dela estava mais vermelho que uma maçã.
Júlia, mais do que animada, observava a situação, quase pedindo um óculos escuro e pipoca para apreciar o show.
Nessa hora, alguém puxou a manga de Leonardo e disse baixinho: — Leonardo… parar…
Luca era a única que estava sem entender a situação. Ela olhava para os dois. Charlotte que estava vermelha e tremendo sem parar e o Leonardo que estava claramente aborrecido.
A vontade dela era de chorar e implorar que os dois parassem, mas acabou reunindo alguma coragem e pediu para parar.
Leonardo pareceu notar que o que fez foi um pouco demais. Afastou-se de Charlotte e esfregou os olhos com os dedos, esperando se acalmar e entender o que aconteceu.
— Tá… Podemos só fingir que não aconteceu? — Ele tentou mudar de abordagem, já que queria sair dali antes que falasse algo que não devia.
Foi então que Júlia deu um passo para frente e falou: — Tudo bem, tudo bem. Só queria saber uma coisinha… — Enquanto falava, Charlotte caminhava que nem caranguejo para trás dela. — Vocês dois… estão ficando por acaso?
Como uma porta de saída para aquela situação desconfortável, outra ainda surgiu, mas, pelo menos, essa não era tão difícil de lidar quanto a anterior. Leonardo nem ficou surpreso, e estava tentando relacionar “vocês dois” com outras pessoas, sem se colocar no conjunto.
— De quem você está falando? — perguntou.
— Ué? Você e ela. — Apontou para Luca e ele.
Leonardo se virou, vendo se tinha alguém atrás dele. Piscou algumas vezes os olhos e suspirou pesado ao se virar.
Ele entendeu, mas não sabia nem como responder isso. Não tinha vergonha desse tipo de pergunta, mas achou mais sem sentido a garota imaginar que ele e Luca seriam um casal.
— Não. Leonardo ser colega de quarto. — Quem respondeu foi Luca, que estava levemente vermelha, coçando um pé com o outro, sem jeito. — Ser amigos…
— Amigo… — Uma voz baixinha soou aliviada atrás de Júlia.
— E peço desculpas pela Charlotte, ela não quis dizer aquilo. Na verdade, a culpa foi minha. Ela me disse que vocês se conheciam, então fiz esbarrar ela em você… — Júlia se explicou, vendo que não teria como continuar o show se não resolvesse isso antes. — Se tiverem tempo, que tal irmos para o refeitório conversar?