Venante - Capítulo 10
Leonardo estava cheio de dúvidas sobre o anel, em especial pelo estranho fato de encaixar com perfeição em seu dedo, não causando qualquer incômodo.
“Será que isso ainda sai?” Era a única questão que tinha sobre o anel nesse momento.
— Hnnnghh! — Começou a colocar força para retirar do dedo. No entanto foi em vão. O anel não se moveu nem um centímetro, muito menos conseguiu puxar a pele junto, como se estivesse cravado no próprio osso. — E agora!? Vou ter que esperar a minha mãe? Como diabos ela me dá algo que não posso tirar sozinho!
Ele começou a se exaltar, tentando puxar o anel de formas diferentes, contudo nada fazia efeito.
— Nelink. Ligar para “Mãe”!
Depois de vinte toques, ninguém o atendeu.
Leonardo parou de tentar tirá-lo à força, afinal, estava cansado e ofegante de tanto puxar.
Jogado na cama, pensou: “Ela está lá para apoio nos Portais… Deve estar dentro de um agora.”
Aproveitando que estava deitado, cruzou uma perna sobre a outra, tentando deixar a ideia de retirar o anel do dedo. Parecia sem solução agora, mas, ainda assim, algo preso “permanentemente” no corpo do nada perturbaria a cabeça de qualquer pessoa.
— Hah… Mais tarde ligo de novo. Preciso voltar a testar. — Ainda com a mente incomodada, colocou o capacete VR e entrou no amado jogo.
Com toda certeza esse era o maior vício do garoto e de muitos outros jovens pelo mundo inteiro; era um marco fantástico e imensurável na história dos videogames. Pensado inteiro por um homem e desenvolvido por uma inteligência artificial, “Ambição Real”, foi um completo sucesso da Coréia do Sul, atingindo todas as nações.
Inicialmente desenvolvido para cápsulas de realidade virtual, ou como a maioria chamava “VRC”, esse jogo era o mais popular do que qualquer outro já lançado.
Agora, após 5 anos desde seu lançamento, o jogo poderia ser aproveitado por completo apenas com um simples capacete VR.
Contudo, Leonardo não entrara naquele mundo medieval maravilhoso e sem limites apenas para se divertir. Na verdade, era por esse motivo e um ainda mais especial.
Assim que abriu seus olhos, viu que se encontrava dentro de uma caverna com pouquíssima iluminação, mais exatamente em um canto escuro escondido do que se mostrava o total daquele covil.
Se saísse daquele ponto, notaria um grande espaço vazio, no entanto, com uma criatura dormindo em seu trono. Semelhante a um ogro, mas com chifres como um demônio, além de apresentar uma obesidade absurda, assustando até a ideia de aquele trono suportar o seu peso.
— Ele ainda tá dormindo… — comentou baixinho.
Aproveitando isso, olhou a sua lista de amigos, para ver se algum estaria disponível para tentar encontrá-lo, mas, como esperado, não havia uma única alma ativa. Só podia ficar deprimido, afinal, estava sozinho no covil daquele monstro, recheado de monstros e aquele Boss.
Tinha alguns motivos para o jovem estar preso naquele lugar. O primeiro era a Quest Lendária, que adquiriu lutando contra um arquidruida nômade, na verdade, estaria errado dizer que foi “adquirida”, mas sim que fora forçada a ele.
“Aquele maldito Danielson…” Apenas se recordou da dificuldade de lutar contra o NPC arquidruida.
Ele muito bem poderia sair daquele lugar, porque já estava no salão do Boss, o que significava que tinha passado por diversas outras salas até encontrá-lo, matando boa parte dos inimigos no caminho. Só que a Quest Lendária continuaria ativa até ser completada por ele ou por outras pessoas.
No entanto, outro motivo era relacionado a deixar outras pessoas concluírem. Se uma Guilda soubesse deste lugar, acabaria ferrando com a reputação dele e uma Quest Lendária fracassada era muito pior do que qualquer outra, poderia ter resultados terríveis para o jogador.
— Já tem quase três semanas que estou preso aqui… — reclamou, lembrando da quantidade de inimigos mais fortes que teve que matar sozinho, contando dois Semibosses, que o fizeram perder cinco níveis, mesmo com três amigos dando suporte. Parecia que era impossível para ele avançar e terminar essa missão.
Entretanto, nesses últimos cinco dias, enfim tinha acontecido uma mudança drástica. E era o principal motivo dele encarar esse Boss outra vez.
Desde o dia do teste, Leonardo, como um digno fã de Venantes, estava constantemente estudando e testando seu Auct. Enfim, era possível ver as maiores qualidades de seu poder.
Diferente do que havia concluído no primeiro uso, teve mais tempo para analisá-lo e sofrer as consequências por isso.
Começando pelo espaço simulado; Notou que tudo que era reproduzido em seu Auct era uma versão do que se encontrava em sua visão ou a compreensão da sua visão. Ou seja, não importava onde estava, ele poderia muito bem mudar para outro lugar na sua simulação, desde que já tivesse sido visto antes. Contudo a névoa e o mundo cinzento continuavam o mesmo, como se tivesse um limite para o quanto poderia ter de espaço.
Seguindo essa nova ideia de trazer coisas à tona, outro teste, e o que mais animava o jovem, era simular pessoas que nunca viu pessoalmente, mas estavam cravadas em suas memórias, como lembranças importantes.
Primeiro tentou simular a Charlotte outra vez, sem que estivesse frente a frente, e, para a sua surpresa, funcionou.
Sabendo do sucesso, de imediato simulou outra pessoa, uma que estava em alta nos últimos tempos e animava Leonardo toda vez que o via em transmissões. O Venante húngaro Rank A, Miska Polgar, também conhecido como “Fogo Fantasma”.
Na visão do jovem, um adulto, com seus 1,90 m, surgiu do chão, confirmando ainda mais o esperado. Diferente do sorriso animado habitual, esse homem estava sério, tão cinza quanto o mundo. Na verdade, ele de fato estava completamente cinza como o cenário simulado.
Isso abriu ainda mais hipóteses na mente sonhadora e animada dele.
Afinal, a Charlotte simulada tinha as mesmas cores que na vida real, até as suas roupas eram coloridas. Então, por que Miska estava cinza?
Ele deixou de lado essa questão e estava mais animado em ver todos movimentos que sabia que o Fogo Fantasma era capaz. Afinal, este Venante se gabava demais de suas capacidades.
Invés de lutar contra um Venante profissional, estava mais interessado em vê-lo em ação, como nos poucos vídeos gravados dele em seu treinamento.
Leonardo inicialmente achava que veria algo muito incrível, mas ficou decepcionado com os resultados. O Fogo Fantasma era conhecido como um Manipulador Alquímico da subclassificação Elementar.
Miska afirmava ter capacidades secretas que só seus companheiros de Guilda conheciam e tinham visto. No entanto, tudo o que Leonardo viu foram as mesmas ações que já tinha visto em gravações. Ainda era interessante e bonito de se ver pessoalmente e de diversos ângulos, mas o garoto queria muito mais.
E, sem notar, horas passaram nessas simulações, fazendo-o sentir aquela urgência mais uma vez. Isso o lembrou um fator importantíssimo e essencial no seu Auct. Era uma dica que todo Venante treinado dava para qualquer novato: “Tenha sempre noção de quanto tempo seu Auct consegue durar, para nunca se esforçar mais do que deve”.
Com essa urgência, Leonardo decidiu deixar por isso e finalizou a simulação. Seu corpo estava encharcado de suor mais uma vez, mas não estava tão cansado quanto antes, fazendo-o concluir que essa simulação foi mais rápida que daquela que teve no amistoso.
E, também, na sua conclusão desse teste, declarou que Miska, ao contrário de Charlotte, que foi possível simular com mais vivacidade, não foi possível de ver seus outros golpes porque nunca os viu, não entendia o seu Auct com mais precisão — essa opção era a mais fraca, afinal, ele não sabia qual Auct era a da Charlotte, mas conseguira um resultado melhor — ou, o mais provável, era porque não havia visto pessoalmente essa pessoa.
Por sinal, não conseguiu dormir naquele dia; a animação em seu peito estava quase pulando para fora pela boca. Eram tantas dúvidas e tantas coisas para testar, que não o permitiram dormir.
Nos próximos dias, Leonardo focou em determinar algumas coisas. A quantidade de tempo que seu Auct conseguia simular, tanto no mundo simulado quanto no real. Para a sorte dele, poderia simular um relógio funcional dentro do espaço, contando o tempo.
20 segundos no mundo real equivaliam a 3 horas e meia, mas esse era o limite que enfrentou naquele amistoso. Deixava-o tão cansado que desmaiava na sua cama. Ele sentia que era possível aguentar mais tempo, mas decidira não testar.
E a outra dúvida, senão a mais mais importante para o jovem, era relacionada ao VR, mais especificamente o “Ambição Real”.
Era algo sabido que, em jogos, muitos dos Aucts considerados inúteis para a sociedade eram de fato uteis.
Por isso, era quase morte entrar em um PVP nesse mundo de pessoas com super-habilidades. Nunca saberia quão perigoso seria o seu oponente.
Ele estava empacado na metade do covil, esperando os seus amigos estarem livres para ajudá-lo a lutar contra o segundo Semiboss, que era uma Naga, mas sabia que poderia levar muito tempo para virem. Então aproveitou a oportunidade para testar e ver quais resultados obteria, isso se teria algum.
Havia evitado lutar de frente sozinho, afinal, o primeiro Semiboss já tinha dado problema para uma party de quatro pessoas, imagine um combate 1vs1.
Ativou o seu Auct naquela Naga com os olhos fechados, porque estava dividido no resultado. Queria que funcionasse, porque seria algo, como ele definia, “quebrado” dentro do jogo. Em contrapartida, de acordo com o que entendia do seu poder, era mais provável não simular algo do jogo, mas ele em seu quarto usando o capacete VR.
Assim que abriu os olhos devagar, invés de vê-lo usando um capacete VR na cama, estava na mesma área que seu personagem se escondia do Semiboss Naga, que estava parado.
Em sua euforia, vagou a sua consciência pelo espaço simulado e ficou ainda mais animado; nem era o seu corpo “comum” que estava lá, mas sim o seu personagem. Funcionou muito melhor do que o garoto desejava.
A classe do personagem do Leonardo estava listada como “Rara” dentro do jogo; basicamente uma variação entre as classes Ladino e Mago, conhecida como “Ladrão de Feitiços”, mas só foi possível ativar porque a raça dele era Vampiro.
Era muito poderosa, porém necessitava tomar sangue de criaturas para ativar as verdadeiras habilidades e magias da classe.
Sem perder mais tempo, Leonardo simulou diversas outras Nagas e mais de seu personagem para entender o padrão de ataques e estar pronto para lutar contra o Semiboss.
Para a sua alegria, a Naga só demonstrou ataques físicos, algumas vezes habilidades comuns de aumento de força, que eram desviáveis com facilidade por ele.
Não foi preciso simular muito tempo, então desativou e foi contra o Semiboss; estava confiante que venceria facilmente…
Após algumas rodadas de golpes, Leonardo levou uma surra tão grande que deslogou do jogo e pensou sobre as suas atitudes.
Questionou se o jogo estava o punindo por utilizar o Auct para tentar roubar, mas lembrou que outros jogadores faziam isso e não acontecia nada.
Respirou fundo e voltou para o jogo e tentou entender o que havia acontecido. Na sua simulação, a Naga só atacava fisicamente, como se fosse algo esperado por ele. No entanto, no combate real, o Semiboss mostrou diferentes magias de veneno, invocação e um corpo ágil, capaz de esquivar das apunhaladas do Ladrão de Magias.
Convicto de que algo estava errado, ativou o Auct mais uma vez.
E, por causa dessa tentativa de “quebrar” o jogo, Leonardo resolveu uma grande questão do seu poder.
Na sua segunda tentativa de simular o Semiboss, viu que agora ele estava lutando com mais empenho, mostrando as mesmas magias, invocações e capacidades ágeis que desferiu contra ele no jogo.
Na mesma hora, Leonardo entendeu.
Não bastava simular aleatoriamente, era preciso que tivesse conhecimento prévio das capacidades do que era simulado.
Por isso estranhou Charlotte usando movimentos de mão para controlar as suas invocações, e esses animais estarem menos lentos do que os simulados. Era porque ele esperava algo especifico da garota, não porque havia simulado o que aconteceria com 100% de veracidade na vida real.
E também o motivo de Miska não mostrar mais do que já tinha visto, sem contar nessa Naga que inicialmente só usava ataques físicos. Era tudo porque ele não tinha qualquer conhecimento prévio de outras capacidades.
Após algumas mortes, custando dois níveis dele e descobrindo outras capacidades ocultadas, Leonardo sabia de todos padrões da Naga como a palma de sua mão e a matou sozinho.
No coração, agradeceu por Charlotte ser tão novata quanto ele no Auct, porque se suas invocações mostrassem outras capacidades, não teria sido possível “vencê-la”.
Estes foram os testes de cinco dias fundamentais para entender mais sobre o seu Auct.
De volta ao Boss principal dessa Quest Lendária, Leonardo rapidamente ativou a skill Ocultar e se escondeu atrás de um pilar de pedra que suspendia o covil.
Baixinho, disse: — Ativar.
Na simulação, não perdeu tempo, fez mais quatro ogros obesos e quatro de si mesmo.
“Vamos lá… Que essa recompensa valha os níveis perdidos…”
Ele estava sorrindo muito, afinal, podia vencer qualquer Boss com o menor custo e tempo, desde que tivesse tempo suficiente para treinar.
Aproveitando que já sabia alguns movimentos do ogro, focou em treinar para desviar como um mestre. O melhor de tudo era que a simulação gravava exatamente o movimento padrão antes de cada movimento. Então, bastava acostumar e notar cada pequena mudança nos golpes antes de vir o movimento de conjuração ou uso de habilidade.
E, para melhorar, o combate estava sendo realizado pelo seu personagem, não o corpo real. Assim, cada passo e golpe era realizado com tranquilidade e velocidade, como um verdadeiro ninja.
Normalmente, combates de Boss de Quests Lendárias podiam levar horas, mas isso porque era um Boss novo e com muitos padrões complexos para pessoas gravarem.
“Mas isso não aplica mais a mim…”
Animação preenchera o adolescente, que ansiava pela recompensa da Quest, fazendo-o nem notar que, fora da simulação, a pedra de seu anel estava brilhando, como se estivesse atraindo alguns pontos brilhantes no ar.
Após conseguir desviar e lidar com o Boss com mais facilidade, desativou o Auct e partiu para cima dele.
Não importava se perdesse algumas vezes, desde que visse algo novo, um novo padrão, uma nova habilidade ou magia, não importava. Estava decidido que solaria esse chefão.
A luta continuou, com Leonardo perdendo todas as vezes, custando as vinte mortes permitidas dentro de Ambição Real. Quando alguém morria 20 vezes, estaria proibido de entrar no jogo por um dia e meio. Contudo, toda vez que perdia, ele forçava o ogro a se esforçar mais e mais.
Na sua última simulação, conseguiu alcançar o feito de abaixar 65% do HP total do Boss, sozinho. A tentação de lutar contra um Boss de Quest Lendária nem o fizeram perceber que havia ultrapassado as três horas e meia comuns da simulação. Na realidade, nem sentira a urgência usual, achando que mal tinha usado duas horas para simular tudo.
O covil saiu da sua visão, ficando apenas uma tela com cronometro, mostrando 35:59:40… Era o que precisava esperar para voltar ao jogo.
Ele saiu do jogo sem pensar muito, querendo apenas dormir. Não estava cansado fisicamente, mas a mente desejava um bom sono.
Assim que tirou o capacete, notou que a sua blusa estava grudada na pele, e o lençol da cama estava com uma marca úmida.
— Sério? Hah… Que seja. — Sem questionar muito, foi direto para o chuveiro se livrar do suor e sujeira. E, claro, colocou o lençol para lavar.
Debaixo d’água, estava cansado, mas animado. Faltava pouco para poder ver a luz do sol mais uma vez; cansado de estar dentro de uma caverna escondida no fim do mundo por tanto tempo. Na realidade, havia um desejo oculto ainda mais inerente nele, esperando sair do covil para mostrar naquele mundo virtual inteiro.
— Cara, meu Auct funciona no Ambição Real! — Leonardo não queria gritar como uma criança, mas não podia segurar a alegria. Como é que ele não poderia amar o sentimento de poder jogar e treinar o seu Auct ao mesmo tempo?
Sem dúvidas, os futuros Venantes deveriam usar os seus poderes praticamente uma vez ao dia para melhorarem a si mesmos. Contudo, o adolescente no banho gostava de ficar em casa, sem muito contato com outros de fora, então essa era a forma mais fantástica de alcançar os objetivos dele.
Além disso, não havia como ficar treinando o seu Auct com pessoas que nunca viu, senão seus resultados seriam baixos. E não adiantaria usar apenas a Charlotte para treinar, visto que não ajudaria muito para ele se desenvolver.
Poder usar o Auct durante algo que amava era a melhor solução para qualquer Venante.
— Quero ver quem vai me segurar no PVP agora!
A partir de hoje, Ambição Real teria um jogador aterrorizante.