Uma Rotina Escolar Comum Depois do Apocalipse - Capítulo 38

 

Depois de amarrar e prender muito bem os dois “prisioneiros”, Lola voltou para o armazém, mas ficou um pouco distante, apenas ouvindo a conversa entre Shiori e Taka.

Vendo como os dois estavam em uma disputa intensa, ela pensou que não pareciam muito com namorados. A ideia de que o relacionamento deles não estava indo bem fez a garota sorrir de forma quase inconsciente.

Por outro lado, é muito comum brigas de casal e, na verdade, olhando bem, a forma como brigavam, parecia de duas pessoas muito próximas. O sorriso se transformou num aperto no peito.

Infelizmente para Lola, ninguém lembrou de contar para ela que todo o negócio de namoro foi inventado por uma baixinha diabólica.

De qualquer forma, os sentimentos nela já estavam muito fortes, por mais que ela mesma não definisse como amor, Lola sabia que queria estar com Taka, não importava muito como.

No fim, a maior parte da negociação só fluiu por causa da confiança que o garoto tinha nela e do medo que Shiori tinha dela. Mais uma vez, o sorriso satisfeito apareceu.

Contanto que ela pudesse estar com ele, estar ao lado dele, estar nos seus braços, detalhes como namorar ou não pouco importavam para Lola, até porque, se ela pudesse escolher alguém para casar, Hina ainda estava um pouco a frente no seu coração, apesar de Taka estar quase alcançando.

Enfim, quando as negociações acabarem, a coelha deixou de lado seus pensamentos inúteis e se aproximou para ajudar. Por mais que se aproximasse, nem um dos dois a notou, pois estavam compenetrados na importante discussão de alto nível:

— Eu vou torturar os dois para descobrir as coisas!

— Não, vai ser eu!

— Eu, tem que ser eu!

— Nem vem, vai ser eu!

Com crianças, Taka e Shiori disputavam o direito de brincar com os novos brinquedos, isso porque tinha um para cada, mas eles não pareciam saber dividir.

Assumindo o papel materno na situação, Lola deu uma porradinha de leve na cabeça de cada um. No fim, ficou decidido que Lola ia limpar as coisas no armazém, enquanto isso cada um dos dois iria interrogar “gentilmente” um dos capangas que sobreviveram.

Com tudo organizado, Lola começou a limpar as coisas, apesar de que, antes disso, Taka fez questão de lidar com os corpos, ele sabia que a coelinha não estava lidando bem com o seu primeiro assassinato. Em geral, qualquer pessoa com a sanidade mental em dia, ficaria se sentindo estranho depois de matar alguém. 

De volta ao interrogatório, Taka encontrou um elfo que ele chutava ter 37 anos, apesar da cara de 17. O homem estava completamente preso a uma cadeira, tinha um olhar fraco e parecia muito cansado.

Apesar da aparência de derrotado, Taka notou algo logo, ainda restava resignação em seu olhar. Como alguém que conhecia muito bem os elfos, o garoto já imaginou que seria quase impossível fazer ele falar, até porque eles eram extremamente leais a sua espécie e, provavelmente, o líder de tudo aquilo era um elfo.

Sabendo que a situação seria um saco, sentou simpáticamente na frente do homem e decidiu que tortura seria inutil. Claro, talvez com dor o bastante conseguisse o que queria, mas era duvidoso se daria certo, por isso preferiu outra abordagem.

Na mesa, colocou a arma que tinha roubado do Kevin. Teve certeza de fazer um movimento exagerado, porque parecia mais legal, então reclinou a cadeira para trás, juntou as mãos numa pose que lhe “fazia parecer inteligente” e disse:

— Isso aqui foi feito com runas avançadas, né?

O homem que, até aquele ponto, estava achando tudo um ato ridículo de uma criança idiota, quase teve um ataque cardiaco. Mesmo o termo runa avançada, não era algo que todos os elfos conheciam, muito menos um humano deveria saber sobre isso.

Mesmo assim, ele recuperou a compostura, não era como se fosse o fim do mundo alguém conhecer aquele nome, por mais que fosse estranho. Mantendo a calma, o homem olhou para o garoto como se nada do que foi dito importava.

— É curioso, né? Acho que dá para contar nos dedos quantas pessoas conseguiriam fazer uma runa dessas, no caso, me parece o estilo do clã Azul, estou certo?

Apesar de bastante unidos, os elfos se dividiram em nove clãs, cujos os nomes, por falta de criatividade, foram definidos de acordo com a cor preferida dos fundadores. Nomes ruins à parte, cada elfo valorizava muito o clã em que nasceu e cada clã tinha um estilo próprio de fazer runas. 

— Como você sabe disso? — Dessa vez não conseguiu manter a calma.

Saber o que era uma runa avançada era uma coisa, mas saber diferenciar entre tipos de runas de cada clã, era algo que nem aquele homem sabia fazer. No caso, ele só sabia que a arma tinha sido feita por alguém do clã Azul, porque ele mesmo era parte desse clã, mas não conseguia diferenciar direito os outros 8 estilos.

— Você não faz as perguntas aqui, ok? — Taka furou o mês com uma faca tentando parecer daora. Em seguida, sorriu de forma maliciosa. — Me pergunto quantas pessoas no clã têm acesso ao uso de runas avançadas, o chefe, o ministro principal, a família real e talvez mais uma ou duas pessoas. Será que alguém deles está envolvido nesse crime, ou será que os segredos do clã azul vazaram?

— Isso… — O homem se calou, como Taka esperava, aquele cara estava na palma da sua mão. Tentando copiar a forma como Shiori conseguiu controlar o guarda só com informações e chantagens, prosseguiu e disse:

— Me pergunto o que os outros clãs vão dizer se souberem que alguém vazou um segredo tão importante. — O sadismo tomou o sorriso do garoto.

Runas eram um tipo de magia que apenas elfos usavam, além do mais, apenas alguns poucos individos tinham acesso às técnicas mais avançadas que eram tratadas como tesouros de todo o povo élfico, usar isso para cometer crimes, ou pior, ensinar alguém de fora como usá-las, era o maior de todos os crimes.

— Como você sabe tanto sobre runas? Quem é você? — O elfo perguntou irritado, mas não importava.

— Já disse, sou eu que faço as perguntas aqui, ok? Agora, se não quiser que eu entregue essa arma para policia, é bom começar a responder logo.

Era inevitável que o garoto sorrisse, ele estava adorando a situação, tudo tinha sido exatamente como ele imaginou. Todas as coisas maneiras que a Shiori conseguiu fazer, ele também conseguia, bastava ter informação privilegiada.

— Vou começar com algo fácil, por que estavam manipulando aquela pobre garota? Mais importante, o que exatamente aquele controle mental faz?

O elfo olhou para baixo frustrado e apertou o punho. — Não sei ao certo, mas torna as pessoas obedientes, o chefe costumava usar para brincar com garotas. Porém o nosso objetivo final era conseguir vidéos, afinal o controle mental enfraquece o autocontrole, basta impor um pouco de sofrimento a garota e ela explode, com isso conseguimos várias filmagens de demi-humanos sendo violentos.

Notando que seu interrogador parecia cada vez mais irritado, o elfo começou a ficar um pouco desesperado, então gritou numa tentativa de se justificar:

— O chefe pode ser um pervertido estranho, mas nosso único objetivo era conseguir esses vídeos, depois que mostrarmos eles ao público, vai haver uma comoção e conseguiremos passar uma lei para proibir demi-humanos nas cidade de uma vez por todos. — Ele chegava a cuspir em seu desespero. —Vamos, não concorda que somos os heróis aqui? Só queremos nos livrar do lixo e…

Só de ouvir tudo aquilo Taka teve vontade arrancar a faca cravada na mesa e cravá-la na garganta branca e lisa daquele desgraçado, mas ele não conseguiu. Então, quando ele fincou o treco na mesa, fez isso com tanta força que não conseguia mais tirá-la. Por isso, e apenas por isso, Taka não matou mais uma pessoa naquele dia.

— Entendo, — sorriu simpaticamente — entendendo seus motivos nobres. — Como podia, o garoto segurou todo seu odio. — Por isso mesmo vou ter permitir testar uma runa nova que acabei de criar, ele é bem legal, olha.

Rapidamente desenhou alguns símbolos na mão do elfo, que em seguida berrou de dor. O princípio de funcionamento do poder era simples: tudo que ele fazia era criar pequenos choques e enviá-los pelo corpo, no caso, enviá-los especificamente para os nervos. Ou seja, a dor era horrível, mas a pessoa não estava sofrendo danos reais, por isso podia continuar com aquilo para sempre.

— Espera, eu te digo tudo, para, apenas para! O que você quer saber? Maldito!

— Hummm! Me diga, como funciona esse poder de controle mental e não minta para mim, não estou com muita paciência hoje. — Depois de finalmente conseguir tirar aquela faca da mesa, ele a cravou na mão do homem na sua frente.

— Desculpa, não sei como aquilo funciona… — Mais uma vez, gritou de dor, afinal os choque estavam mais intensos. — O professor de química do 2° ano, ele é quem nos ajudou com tudo isso, se quiser saber mais sobre o assunto, interrogue ele.

— Entendo, — por um instante, diminuiu os choques permitindo que seu inimigo sentisse um pouco de alívio. Em seguida, aumentou a dosagem de uma vez só — tchau, tchau.

A dor foi tanta que o homem desmaiou, no fim, Shiori também conseguiu mais algumas informações e aquele foi o final do interrogatório.

Enquanto olhava para o corpo desmaiado, Taka pensava consigo mesmo se ele era uma pessoa estranha, Lola ficou tão mal de matar alguém, mas ele não sentiu nada, nem ao matar o calvo, nem hesitaria em matar mais alguém.

— Será que sou normal? — murmurou para si mesmo. No fim, balançou a cabeça afastando os pensamentos. — Eu sempre fui estranho mesmo, isso não é novidade, tanto faz.