Uma Nova Lenda Surge - Capítulo 26
As pessoas iam e vinham, seguindo com suas próprias vidas, enquanto nós passávamos por eles despercebidos.
— Vamos aproveitar para nos divertir, o dia está tão bonito e o sol quente e caloroso! — Kashisujo, um ser que até ontem estava embrulhada em panos, velhos e surrados.
— Não devemos nos distrair muito. — Sussurro próximo de seu ouvido. — Afinal meus olhos ainda não foram escondidos.
— Hum… Realmente, se alguém dessa terra souber sobre a sua existência pode não ser vantajoso para nós…
— …
O silencio cai sobre nós, mas junto de minhas memórias, uma solução vem em minha direção.
Essa não era a primeira vez que eu teria que esconder meus olhos carmesim de formato estranho, existe um cântico antigo que serve para criar disfarces para o próprio ser, mas isso poderia desgastar a alma, quanto mais o usa-se.
— Vejo que não tenho escolhas…
— Achou uma solução?
— Ai de vim a mim a luz das gerações, o prisma da alma, a energia da vida, iluminai meu caminho entre os deslizes do mundo e a fumaça das brumas, Lenvinar kis Sot-mia.
Assim como no canto, o meu corpo e alma mudam, a cor dos olhos, cabelo e até os ossos de meu corpo. Me aproximo de uma janela para ver o meu reflexo.
Meus olhos como desejado eram castanhos, arredondados e com pupilas, já o cabelo, prateado em um topete. A minha estatura mudou em uma questão de dez centímetros.
— O que acha?
— Acho que ficou bom perfeito até, eu diria.
— Ótimo! Assim dificilmente vão desconfiar de mim.
— E poderemos ficar mais a vontade!
Puxando o meu braço, Kashisujo segue até uma barraca do local que vendia frutas, tinham vários tipos, maçãs, peras, laranjas, entre outras.
Uma grande variedade, o que trazia a duvida sobre essa civilização, pois apesar de não ser impossível graças a estarmos em um planeta diferente, de meu anterior, ainda existia uma possibilidade mínima de eles estarem com uma grande variedade de belas frutas nesse período de sociedade.
— Por favor, eu quero duas maçãs!
— Um jovem casal andando pelas ruas da cidade há essa hora? Curioso, são rebeldes?
— Não se preocupe senhor, eu e minha querida irmã apenas nos atrasamos para a nossa aula, pois infelizmente nos perdemos.
— Irmã?! Nós somos A-MAN-TES! — Kashisujo me encara irritada.
— Perdoe ela, apesar de sermos irmãos por adoção, ela ainda insiste que se casara comigo quando ficarmos maiores. Por sinal meu caro senhor, poderia me passar a menor rota para chegarmos à academia?
— Apesar de serem irmãos são bem diferentes mesmo. — O velho vendedor de frutas ri enquanto nos encara. — Os jovens de hoje em dia são mesmo divertidos. Se não me engano, seguindo essa rua para a direita, vocês encontraram a academia.
— Agradecemos.
— E quanto às maçãs? — O velho senhor fala, antes que nos virássemos. — Ainda irão querer leva-las?
— De fato. — Encaro a Kashisujo esperando que ela prosseguisse a compra.
— Quanto está?
— Quatro moedas de prata pelas duas.
— Obrigada!
O homem pega as duas maçãs escolhidas pela Kashisujo e coloca-as dentro de um saco de papel, antes de entregar para ela. Agora com as maçãs em mãos seguimos o nosso caminho, indicado pelo homem.
Pego uma das maçãs do pacote, e dou uma mordida deixando com que o suco escorra no entorno de minha boca.
— Temos que resolver mais um pequeno problema, ninguém deve saber quem realmente somos por isso devemos usar nomes falsos.
— Já sei! Você será Marshow, e eu Karynan! — Kashisujo sorri ao dizer os nomes vindos de um conto infantil sobre dois amantes de mesmo nome.
— Certo, são bons nomes, afinal não foge muito da língua vista nessas terras.
Assim como em Tundere, a língua falada e a escrita usada são da era medinoanica, das terras monárquicas, do quinto período…
Talvez os corvos tenham se aliado ao reino inimigo, para fortalecer as suas forças antes de um ataque surpresa… Ou eu poderia estar pensando de mais… Mas é bom não ignorar esse fato.
— Temos que pensar em uma forma de enganar os instrutores da academia local.
— Você tem alguma ideia?
— Acredito que teremos que contar com a sorte.
— Que os deuses estejam conosco.
Continuo comendo a minha maçã, pensando nas finitas possibilidades que eu tinha para poder me infiltrar nessa sociedade.
Falar que viemos de uma sociedade distante e que buscamos por uma chance nessas terras? Acho difícil essa possibilidade…
Uma verdadeira expedição sem preparos, isso sem duvidas vai trazer varias dificuldades nessa jornada…
Seguimos pelas estreitas estradas movimentadas, até que por fim chegamos aos grandes portões de aço, que separavam um grande palácio do resto.
Um grande campos onde os jovens permaneciam em seu interior, provavelmente aqueles vindos de outros reinos poderiam permanecer vinte e quatro horas na academia, vendo que uma construção que lembrava a dormitórios.
Sem temor seguimos para o prédio principal, entrando no prédio sem um problema prévio. Por dentro dava-se para notar que a estrutura não lembrava a aquela época vivida no local.
Em vez de pedra ou madeira, o chão era feito de concreto branco, as paredes de mesma cor, no entanto com ladrilhos formando desenhos de épocas jamais vividos por essa sociedade monarquista.
— Ei! O que vocês estão fazendo fora de sala?! — Uma voz vinda de nossas costas nos aborda.
Viro-me junto da Kashisujo para vermos a figura, um cavaleiro dos corvos, minha hipótese estava certa então? Estamos em um grande problema…
— Sinto muito senhor… Infelizmente eu e minha irmã, ainda não estamos matriculados em sua instituição, e apedido de nossos pais seguimos para a capital em busca de conhecimento para podermos assim servir melhor o nosso país.
— Apesar de ser da riça a sua dicção é boa, e a escolha de palavras é próxima ao perfeito, por acaso tinha aulas particulares até a alguns anos atrás?
— Exatamente meu senhor.
— Mesmo assim vocês não podem simplesmente entrar no meio do ano letivo, mas talvez possamos ver para que fiquem hospedados tendo aulas como experiência, para no final do ano poderem executar um exame de aptidão.
— Agradecemos se o senhor puder fazer isso por nós.
— Sigam-me, levarei vocês até o nosso diretor, ele poderá resolver essa situação que nos encontramos.
Após subirmos três longos lances de escadaria chegamos até a grande porta do diretor, com cabeças de leões talhadas em sua madeira, e um grande chifre de alce acima dela.
O corvo abre as portas nos revelando a sala, em seu meio uma escrivaninha cheia de papeis e livros, em suas paredes, prateleiras lotadas de livros, um velho corvo, trajando um grande manto branco sobre o corpo, permanecia sentado ao lado oposto no qual nos encontrávamos da mesa.
— Senhor, esses dois jovens desejam se unir a nossa instituição!
— Sim, sim… —Sua voz já desgastada pelo tempo se esparrama pelo ambiente, como um assovio irritante. — É bom ver jovens empolgados nos dias de hoje, mas sinto muito vocês chegaram atrasados!
— Sabemos disso senhor, mas gostaríamos muito de ao menos estar presentes nas aulas aqui da instituição.
— Então porque não vieram antes?!
— Não tínhamos necessidade por termos aulas particular em nossa casa, mas nosso instrutor faleceu, e ao saber dessa instituição, nossos pais nos enviaram para prosseguirmos com os estudos aqui.
— Não sou muito de fazer esse tipo de coisa, mas deixarei vocês passarem dessa vez, fiquem a vontade para usar o nosso campos e alojamento.
O velho abre uma das gavetas da escrivaninha, retirando um chaveiro de dentro dela colocando-o sobre a mesa.
— Podem ficar nesse quarto durante a sua estadia, verei em qual de nossas salas poderei coloca-los e enviarei ao amanhecer uma representante para guia-los.
— Agradecemos a cooperação do senhor.
Dou um passo à frente para pegar as chaves, mas durante o meu movimento o velho o prende com uma de suas mãos pálidas e enrugadas.
— Não faça nada do qual eu possa me arrepender dessa decisão! — Ele me solta e volta para a sua papelada.
Seguimos os três para fora da sala, em um silencio quase mortal.
— Não precisa se preocupar, o nosso diretor é um pouco paranoico, por causa disso ele acaba sendo muito precavido. Mas ele é um de nossos melhores cientistas.
Se o que ele fala for verdade, então eu poderia aprender muito sobre os últimos anos da ciência com esse velho decrépito, mas eu teria que tomar cuidado ao fazer isso…
— Não precisa se preocupar, é normal estar preocupado, pois nunca se sabe quando poderá ser atacado.
— Sendo assim. Irei seguir com a minha ronda, podem ficar a vontade até amanhã.
— Agradecemos.
O corvo se retira a passos pesados, batendo as pesadas placas de metal umas contra as outras a cada passo que dava.
— Sorte? — Kashisujo fala me encarando.
— Sim, muita sorte, vamos aproveitar para ir ao alojamento e pensarmos como seguiremos daqui para frente.
— Entendido!
Saímos do prédio principal, e seguimos até onde aparentava ser os alojamentos, o nosso quarto três, cinco, dez, como era indicado no chaveiro, possuía duas camas, uma mesa de centro e uma escrivaninha em sua lateral.
— Perfeito, poderemos passar a noite aqui sem problemas maiores.
— Imagino que o senhor já queira iniciar o treinamento.
— Sim e não, afinal gostaria de saber mais sobre essa sociedade, no entanto deixarei para outro dia.
— Começaremos sincronizando o seu corpo com a sua mente, pois apesar de se lembrar de muita coisa o seu corpo ainda emite ondas opostas a de sua origem, isso pode acabar destruindo com o seu corpo ou mente.
O que ela falou possuía um sentido, eu já não era o mesmo de dias atrás, fui transformado pelas forças de um antigo artefato, que me apresentou o passado.
— Sente-se e relaxe o corpo, viaje por ele sentindo seus órgãos, como se pulsassem em suas mãos.
Seguindo as instruções da Kashisujo me sento fechando os olhos e tentando relaxar o meu corpo, mas no fim… Eu havia me ligado ao Universo e não ao corpo…
Ao me redor as linhas que ligavam os objetos entre seus planos de verdade, poderiam ser rompidos a qualquer momento, quebrando fatos históricos que poderiam alterar o tempo, que flui em uma linha única.
Usando um poder desse tamanho eu poderia mudar os fatos que causarão a morte de milhares no passado, mas o que poderia acontecer comigo nos dias de hoje?
Apesar da situação, eu estava em uma boa posição, podendo escolher um lado pelo qual lutar…
— Kardurins… — Uma doce voz chega até o meu ouvido em meio a aquelas infinitas linhas do tempo.
— Já estava sentindo a sua falta…
O mundo ao meu redor é destruído, como se fosse vidro, levando-me para um grande campo de rosas, e acima de uma colina um guarda sol acima de uma mesa com bolos, xicaras e um bule.
— Também senti a sua falta.
Sigo para a mesa na colina, e deparo-me com uma doce jovem bebendo uma xicara de chá enquanto a brisa da manhã bate sobre seus belos cabelos rosados que dançam em meio ao ar.
— Aceita um pouco?
— Agradeço. — Ela pega uma das xicaras vazias e aos poucos a enche com o chá do bule, antes de me entregar.
— O que veio tratar comigo, para ter conseguido romper as passagens do universo?
— Acabei caindo aqui no acaso, mas fico extremamente feliz em poder te ver novamente antes de minha iminente morte.
— Você ainda acredita nela?
— Tudo que é vivo uma hora morre, há minha hora só foi adiada alguns milênios, mas acho que em breve poderei ter o meu descanso.
— Da ultima vez que você veio para esses jardins, eu lembro que você disse a mesma coisa, isso após tentar me matar.
— Realmente, mas naquela época eu era mais violento, afinal havia entrado em uma guerra em busca das engrenagens da verdade.
— E até hoje a única pista que você tem é a zona nula.
— Sim, mas eu estou pensando em desistir dessa busca, e focar no fim dessa nova guerra… Não quero mais ver o povo sofrendo.
— Fico feliz em ver que você mudou, mas e como fica nós?
— Isso eu ainda não sei… Mas encontrarei uma forma de revê-la antes do fim dos tempos.
Se eu desistisse da Verdade agora, poderia ser o fim de minhas visitas a minha Deusa, mas não podia mais sacrificar os outros pelos meus desejos.
A desistência pode ser uma boa opção, mas em troca eu perderia todo o avanço já feito… Talvez as histórias devam ter um final normal, nem feliz, nem triste, só normal…
— Bom, agradeço a conversa, mas já deve ter se passado muitas horas lá do outro lado, é melhor eu retornar antes que possa causar problemas.
— Mas você sequer tocou em sua xicara.
— Me desculpe…
E assim como antes o mundo se despedaça ao meu redor me levando para a escuridão, aos poucos eu abro os meus olhos e vejo o escuro quarto me meio a noite.
A Kashisujo já estava deitada dormindo, ela sabia que eu demoraria…
Sigo até a janela do quarto e vejo a escura noite iluminada apenas pela lua e as estrelas.
— Será que eu realmente deveria esquecer toda a minha jornada?
O mundo já não é mais o mesmo, a guerra já havia acabado, e no final nem o branco nem o preto venceu… Hoje existe o cinza apenas, e uma guerra contra os deuses.
As pessoas hoje não são tão influenciadas mais por causa desses lideres, afinal quem vai a luta é eles mesmos e não apenas um exército em si.
Será que os seres teriam uma vida melhor se as divindades não existissem?
A desculpa usada pelos lideres da igreja para a nossa existência é para evitar os problemas que poderiam ser causados pelo livre arbítrio, mas se o povo não for livre, nunca encontrará a sua verdade.
As pessoas não são tão fracas ao ponto de não saberem o que é necessário para a vida, ou será que são tão idiotas que precisam ser guiadas cegamente por alguém superior a elas?
Talvez com a Verdade em mãos, muita coisa possa mudar, mas espero que caso eu siga esse caminho, mais ninguém sofra.
— Devo descansar um pouco a minha cabeça, talvez assim eu chegue à conclusão.
Sigo até a cama livre deitando-me e fechando os olhos esquecendo a minha existência naquele colchão macio…