Um Alquimista Preguiçoso - Capítulo 124
No pátio em frente à casa do 9º Ancião, um clima tenso pairava no ar, deixando o ambiente em volta pesado e carregado de hostilidade à medida que os dois grupos trocavam olhares ameaçadores. A vantagem que o invasor tinha era notável e evidente para todos, mas após as palavras agressivas do tio Chang, o que se seguiu foi uma mescla de repulsa por parte dos agressores e uma elevada confiança apresentada pelas expressões formadas nos rostos dos garotos.
Insatisfeito por ter suas exigências negadas, Xiao Kun fechou o cenho e bufou duas vezes.
― Eu esperava que você fosse mais prudente ― ele começou a falar. ― Mesmo tendo sido considerado um praticante promissor no passado e conseguido um cargo alto na Família por indicação daquele forasteiro, nos dias atuais, eu sozinho sou o bastante para pressioná-lo… Parece que eu o subestimei. O afeto por seus filhos não é tão grande quanto imaginei.
― Não ouse falar do meu filho e da minha filha! ― ameaçou o tio Chang, elevando o tom.
― O que acha que irá acontecer se tentar se opor a nós? ― retrucou o 4º Ancião, sugerindo uma sutil intimidação. ― Caso tente nos atrapalhar, serão os seus descendentes que irão pagar. Enquanto luta para tentar nos impedir, você ouvirá sua prole implorar por ajuda sem poder fazer nada. ― Nesse momento, os dois indivíduos que faziam companhia ao antigo membro dos Xiaos deram um passo à frente. ― Escolha com bastante cuidado suas ações de agora em diante ― voltou a falar após uma breve pausa ―, pois isso determinará quanto tempo de vida resta às suas crianças.
― Maldito! ― rosnou o tio Chang baixinho. Sua vontade era ignorar qualquer sentimento de prudência que o impedia de avançar contra aquelas pessoas e travar o tipo de batalha que um cultivador de verdade não pode recuar. No entanto, os dois inimigos desconhecidos o obrigavam a ser cauteloso, dado que os inexperientes parados logo atrás poderiam sofrer com suas ações.
Era uma situação delicada e mesmo ele sendo um dos grandes nomes da Família Xiao, era algo que não podia ignorar. Suas escolhas a partir desse instante poderiam determinar o futuro daquelas crianças incapazes de se proteger de poderes tão desiguais. E embora estivesse tentando passar confiança, com o peito estufado, a cabeça erguida e o olhar determinado, seus pensamentos estavam em conflito, impedindo de seguir aquilo que julgava ser a melhor decisão.
Foi então que, ignorando todo o dilema do pai, Chan deu um passo em frente, afastando-se dos demais e assumindo a liderança do grupo. Seu rosto expressava uma raiva profunda, com as narinas dilatadas, os olhos semicerrados, veias saltando dos braços em cujas mãos se encontravam fechadas.
― Você tem mesmo muita coragem para vir aqui, na minha casa, e ameaçar a minha família, seu desgraçado! ― O desprezo e a cólera que sentia fizeram suas palavras soarem ásperas, trazendo um impacto inesperado que fez os invasores estranharem o acontecido.
Notando a atitude que o filho estava prestes a tomar, o tio Chang esticou o braço e proferiu em voz alta, na tentativa de pará-lo:
― Espere, Chan! Fique atrás de mim e não faça nada! ― Seu tom era de urgência.
Porém o filho ignorou a ordem do pai e continuou avançando a passos lentos, mas que carregava um peso tremendo toda vez que batia o pé no chão.
― Acha que pode vir aqui e insultar o meu pai, a minha irmã… meus amigos!? ― Chan fez um movimento e da Bolsa de Armazenamento que carregava, tirou duas espadas que saltaram direto para suas mãos.
As armas, iguais em cada aspecto, eram simples e curtas, com sessenta e cinco centímetros de comprimento que iam do pomo em forma de disco até a extremidade perfurante. A estrutura de ambas não apresentava curvaturas de qualquer tipo― eram objetos diretos e concebidos para a destruição eficaz do inimigo. Tratavam-se de espadas de empunhadura única, dotadas de guardas pequenas e arqueadas para frente, além do fio duplo, responsável por torná-la ainda mais perigosa.
― Não seja estupido! ― bronqueou o tio Chang, elevando a voz. ― Você não é o Zhuang!
― O que meu pai tem a ver com isso? ― indagou Ning, assistindo de longe a atitude ousada do colega.
Apesar da ordem e da bronca que recebeu, Xiao Chan não estava disposto a recuar. Demonstrando toda a valentia que possuía, ele brandiu as espadas, pisou firme na grama e abaixou a cintura.
― Novo Patriarca?! Entregar o Alquimista?! Que monte de besteira! ― vociferava ele, deixando toda sua indignação transparecer. ― Eu vou te ensinar a nunca mais mexer com minha família, seu desperdício de espaço!
De repente, uma luz azulada banhou a lâmina de suas espadas, tornando-as ainda mais afiadas do que parecia ser. E então, ignorando por completo os pedidos do pai, ele chutou o chão e disparou contra o 4º Ancião.
― Garoto tolo! ― grunhiu Xiao Kun, que não demonstrou o menor sinal de preocupação diante da tentativa de atacá-lo.
Ignorando a ofensa, Chan cruzou o gramado a passos firmes e quando chegou a poucos metros de distância do alvo, balançou as espadas ― uma na diagonal e outra na horizontal ― exercendo toda a força de seus braços. Dois brilhos cortantes foram disparados em sincronia, feito linhas afiadas prontas para retalhar o inimigo.
Foi nesse momento que o homem alto e de nariz pontudo se moveu.
Ele tomou a frente do bando, ficando no caminho do ataque, e com um movimento impetuoso invocou uma fumaça preta que encobriu as duas lâminas azuis, fazendo-as desaparecer sem deixar qualquer vestígio. Em seguida, deu um salto e flutuou sobre a cabeça do jovem praticante. Sua mão direita foi envolvida por uma neblina densa e escura, pronto para contra-atacar.
― Cuidado! Atrás de você! ― De repente o 4º Ancião Kun soltou um grito alarmado enquanto mirava um ponto no alto. Mas era tarde demais.
Quando o estranho sujeito alto e de nariz comprido inclinou o pescoço e olhou para cima, deparou-se com um homem de ombros largos, cabelo azul e barba curta, bem desenhada, logo acima de sua localização, feito uma aparição imponente.
― Nem pense em encostar no meu filho! ― rugiu o tio Chang, que desferiu um soco contra a cabeça do misterioso Espirituoso.
Seu golpe foi tão forte e implacável que o outro lado sequer teve tempo de se defender. Tamanha foi a força e a fúria usada para lhe ferir que ele mergulhou em direção ao solo feito um escudo sendo arrastado por uma lança irrefreável, do tipo que se tivesse percebido o ataque ainda não teria conseguido freá-lo.
O que se seguiu foi uma colisão estrondosa, que criou uma cratera com dois metros de diâmetro. A cabeça do homem alto foi cravada a um palmo e meio de profundidade e seu corpo se entregou a uma abominável paralisia na qual nem mesmo o sutil movimento de respiração podia ser notado. Suas pernas caíram livres sobre o gramado e seus braços não possuíam disposição para tirá-lo daquela situação. Era uma cena horrível de se olhar ― não pela visão perturbadora, mas pela sugestão deixada.
― Maldito… Você tem noção do que fez? ― grunhiu Xiao Kun, apavorado.
― Uf! ― Embora seu rosto continuasse tão rígido quanto antes, os olhos do segundo invasor deixaram transparecer um espanto angustiante.
Por outro lado, dando pouca importância aos resmungos e lamentações daqueles que haviam se colocado como seu inimigo, o tio Chang se levantou, tirando sua mão de dentro da terra, e voltou-se para o afilhado e os outros.
― Pequeno Ning, pegue Shui e Jiao e saia daqui. Procure um Ancião aliado e peça proteção. ― Sua voz carregava uma seriedade não expressada em dias normais. Seu corpo estava tenso, mas a convicção apresentada por suas linhas faciais era inegável. ― Chan, vá com eles.
― Mas, papai, você não pode enfrentar três Espirituosos sozinho! ― alegou o filho, preocupado.
― Agora são dois! ― retrucou o 9º Ancião, exibindo o punho coberto de sangue.
Diferente do colega que estava hesitante em se afastar do pai, Xiao Ning não esperou por uma segunda ordem de recuar.
― Tome cuidado, tio! ― Ele gritou enquanto se preparava para sair junto das garotas. Jiao foi a primeira a acompanhar seus passos; sabia que não teria muita utilidade ali. Shui, por outro lado, permaneceu parada no mesmo lugar, segurando a espada que balançava incerta em suas mãos trêmulas.
Quando virou a cabeça e notou a expressão de insegurança no rosto da amiga, Ning, sabendo que precisavam sair dali o quanto antes, deu meia volta e agarrou o braço de Shui à medida que a arrastava para longe dos inimigos.
― Se a gente ficar, vamos atrapalhar o tio Chang ― alegou ele, precisando usar de força para puxá-la.
A dedicada filha que compartilhava o tom de azul do cabelo com o pai, ainda se mostrou bastante relutante em se afastar. Apesar da angústia que marcava seus olhos, ela estava muito quieta, perdida, sem saber o que fazer. Mas no fim, Shui acabou se rendendo e se permitiu ser levada para longe da confusão.
Xiao Shui, Ning e Jiao se afastaram juntos, percorrendo a passos largos o chão gramado que os separava da saída. O único que permaneceu no local, além do 9º Ancião, foi o seu filho teimoso, que estava dividido entre obedecer o pai e seguir a irmã.
No entanto, o Alquimista não tinha qualquer dúvida quanto ao que precisava fazer. Aqueles eram inimigos poderosos demais para o seu atual nível de poder. Sem ao menos ter avançado para o Reino do Despertar ou treinado técnicas melhores, sequer poderia se defender da impetuosidade de um Espirituoso.
Conforme os três se afastavam, Xiao Jiao, que exibia o mesmo semblante determinado de quando lutou no festival, olhou de lado e falou:
― Eles estão atrás de você, então se alguém tentar nos atacar, fuja o mais rápido possível ― aconselhou. ― Eu irei segurá-los, não importa o que aconteça. ― O tom de voz deixava claro que ela estava pronta para ser a pedra no sapato de qualquer um que aparecesse.
― Agradeço a oferta ― começou Ning ―, mas eu ficaria com um gosto amargo na boca se deixasse uma criança se sacrificar por minha causa. ― Sua voz indicava uma seriedade pouco usada durante conversas cotidianas e a tímida discípula da 2ª Anciã percebeu isso, pois não voltou a insistir no assunto.
O grupo estava conseguindo se afastar com sucesso do perigo. Já não faltava muito para alcançar os limites da propriedade e enfim voltar pelo mesmo caminho que haviam usado para chegar ali.
― Não deixe o Alquimista fugir! ― Porém, nesse momento, Xiao Kun soltou um berro preocupado, que não parecia ser direcionado para o aliado ao seu lado.
E de repente, atendendo a ordem que lhe foi dada, um sujeito surgiu do nada, saindo de dentro da escuridão proporcionada por um punhado de arbusto, e se atirou contra os fujões feito um vulto difícil de ser detectado.
― Espiral Horizontal Menor! ― rugiu.
As garotas sequer tiveram chance de reagir, pois quando perceberam, o estranho já se encontrava diante de seus olhos. Xiao Ning, por outro lado, notou no último instante que estava sendo atacado e num ato instintivo parou o cabo da lança em frente ao peito, como se aquilo fosse um poderoso escudo.
Uma coluna de ar giratório se chocou contra a arma, que devido a sua característica flexível se dobrou feito um bambu verde. A investida repentina acertou no peito do Alquimista, enviando-o de volta por todo o caminho percorrido. A violência do golpe foi tamanha, que o preguiçoso só parou após colidir contra a parede do salão de visitas que fazia divisa com a casa principal.
Xiao Ning não teve a menor chance de amortecer o impacto. Quando suas costas atingiram a madeira rígida, uma sensação de dor e dormência passageira tomaram conta de seus braços e pernas, deixando-o desnorteado por um instante.
― Ajude-o! ― exigiu o tio Chang, mirando o filho.
― Deixa comigo! ― Xiao Chan não fazia ideia da força do inimigo, que julgando pela aparência parecia ser um fracote, pois além de ser extremamente magro tinha pernas tão finas quanto gravetos. Mas era difícil ter qualquer real conclusão a seu respeito, já que assim como os outros, sua Energia Espiritual estava sendo escondida por alguma coisa perversa. No entanto, o valente andarilho não hesitou sequer por um segundo quando mudou de direção e partiu ao socorro do amigo.
Enquanto avançava, suas espadas foram banhadas por luzes azuis que envolveram as lâminas, formando linhas finas e cortantes. Estava pronto para parar o estranho que apareceu do nada.
Mas então…
― Você não vai interferir ― grunhiu o 4º Ancião, balançando o braço direito de uma forma bastante peculiar.
E da ponta de seus dedos diversos cipós finos que se entrelaçavam formando uma corda verde volumosa foram disparados, contornando o tio Chang feito uma víbora que pressente o perigo e avançando contra o Despertado que tentava ajudar o amigo caído.
Xiao Chan notou a aproximação com o canto do olho e saltou para trás, evitando o amontoado de cipós que deu um bote em sua frente, batendo a ponta contra o chão, bem no lugar em que estava a um instante atrás. O impacto foi tão forte que nacos de terra e grama foram arrancados, causando um risco profundo no chão.
O andarilho de cabelo escuro olhou para trás, mirando o atacante, e depois para a linha que se colocava em sua frente. Era uma ameaça clara de que não deveria se envolver.
Nesse meio tempo, Xiao Ning, um tanto grogue pela pancada, ergueu a cabeça e escorou usando os braços. Sua visão estava embaçada, mas pôde ver o inimigo se aproximando a passos largos, pronto para subjugá-lo de uma maneira definitiva. E embora ainda estivesse abalado, foi com espanto que percebeu…
― Ei! Tu é o Tu… não é?!
― Depois do que aconteceu na floresta de bambu ― ao ser reconhecido, o atacante magricelo não resistiu e começou a falar ―, minha vontade é a de acabar com sua vida aqui mesmo… Mas infelizmente eu tenho ordens.
Disposto a colocar um fim naquilo que falhou em fazer, ele saltou, exibindo uma mobilidade impressionante, e se preparou para atacar:
― Espiral Descend…
Porém, antes que tivesse a oportunidade de finalizar, Xiao Jiao de repente apareceu ao seu lado ― ofegante como se tivesse sido atirada aos céus por uma catapulta ― e com a impetuosidade de uma fera selvagem, acertou-lhe um chute no rosto tão forte que jogou Tu de volta para o chão, para longe daquele que tentava proteger.
Xiao Ning, que usou o cabo da lança para se colocar de pé, olhou com certo espanto para a garota que caiu ao seu lado, os punhos erguidos, pronta para continuar a luta.
― Você chutou um Despertado de 7ª Camada desse jeito… Ainda bem que somos amigos… Não somos?
― Ele está se levantando! ― alertou Xiao Jiao, ignorando o comentário.
E de fato, apesar de ter recebido um golpe direto, Tu se levantou sem nenhum problema. Tirando a bochecha vermelha, marcada pelo formato da sola de um sapato, e a expressão raivosa que se formou em seu rosto, ele parecia muito bem, como se o chute não tivesse surtido efeito.
Zangado e frustrado por ter sido atrapalhado, o praticante que agora tinha a missão de capturar o Alquimista sozinho, avançou um passo, preparando-se para lançar uma nova ofensiva.
― Antes de te entregar, eu vou te dar uma surra…
― Lâmina Aquática!
Três objetos em forma de meia lua, compostos por água e gelo, foram disparados em alta velocidade contra Tu, que foi obrigado a dar um salto para trás, afastando-se ainda mais de seu objetivo.
Ning e Jiao olharam para a direção em que veio o ataque e a alguns metros de distância avistaram Xiao Shui segurando a espada com as duas mãos, numa pose ofensiva. Seus braços tremiam e a expressão em seu rosto era de hesitação, angústia, a mesma que apresentou após retornar ao palco. Mas mesmo ela sabia que não podia ignorar a situação crucial que se desenrolava.
Tendo sido frustrado duas vezes de seguir adiante, Tu, assombrado pela amarga derrota que sofreu num passado não tão distante assim, revelou um semblante ominoso. Seu rosto descarnado se contorceu, revelando feições horrendas, e marcas de veias pulsantes começaram a aparecer ao longo de todo seu pescoço. Ele virou a cabeça de lado, ainda mantendo a atenção nas garotas e no alvo, e perguntou:
― Eu posso matá-las, certo?
― O único que nos interessa é o Alquimista ― respondeu o 4º Ancião.
As garotas ficaram apreensivas com o que escutaram e o mesmo podia ser dito do tio Chang que fechou o cenho. Xiao Ning, por outro lado, abriu um sorriso confiante.
― Se é assim, isso facilita as coisas ― declarou ele. ― Chan! ― chamou em voz alta. ― Pode ajudar o tio, mas tome cuidado. Você não tem força suficiente para enfrentar um Espirituoso. Mantenha distância e concentre-se em atrapalhá-los.
― Hm… Essa é uma grande mudança de atitude ― comentou Tu, percebendo que o outro lado estava se tornando mais ofensivo. ― Acha que tem alguma chance!?
― Ora! É muito simples ― disse Ning, erguendo sua lança e se apresentando para a batalha. ― Como da outra vez, você não pode me matar e duvido que seja capaz de me capturar… como da outra vez. ― Suas palavras transmitiam uma convicção inabalável. Apesar da evidente desvantagem, ele estava pronto para aceitar o desafio.
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