Trupe Elemental - Capítulo 76
Era como se o tempo tivesse parado completamente, os sons, as sensações, não havia como sentir nenhuma delas. Apenas ele estava aqui, com aquele sorriso de deboche em seu rosto. Ele observou tudo, e esperou o seu momento para aparecer, sabendo que a hora chegaria, pois ela iria chegar.
— Olhe para vocês dois, praticamente derrotados por um ser tão inferior como este, simplesmente decepcionante. — Ele disse.
— O maior carrasco do reino e o melhor atirador que eu já vi, não foram capazes de derrotar uma criatura tão simples e fraca, você é patético, John. Ah, correção, a forma que você age e luta que é, haha. — Completou.
— Bem, se podemos usar a desculpa que seu amigo Matt está em seu pior momento devido às circunstâncias, muito longe do que um dia ele foi, então, é de total responsabilidade sua não ter conseguido matar este monstro. — Ele disse.
Eu não entendo como isso está acontecendo. Achei que após o ritual com a Mary as coisas iriam melhorar para mim, achei que teria mais controle sobre as situações caso chegassem nesse nível. Mas ao que parece, ele apenas ganhou mais controle dentro de mim, e agora faz o que bem entender. Eu não suporto isso!
— Se você tivesse me escutado, John. Nada, eu repito, nada disso teria sequer acontecido. Mas esse seu… esse seu dilema estúpido de não agressão, é a coisa mais rídicula que eu já ouvi. Acha mesmo que pode ter sua redenção desta forma? Ninguém além da Mary e ele sabem sobre você. Ninguém vai aceitar o seu perdão, talvez eles aceitem… Talvez. — Ele disse, zombando de mim.
— Escute, eu posso resolver as coisas para você, mas preciso que me aceite de volta, eu não posso fazer isso sem a sua permissão, John. Eu posso te ajudar! Eu sou o único que te entende, John! Nós podemos fazer isso juntos! — Ele ia dizendo.
— Eu sei que não consegue falar, e que deve estar pensando “Se eu deixar acontecer, você vai matar o Matt, e vai caçar os outros.” Humph, é uma possibilidade, porém não é o que mais me interessa no momento. Na verdade, tem uma coisa que eu quero fazer mais do que isso agora, é matar essa criatura pestilenta. Eu odeio perder para seres tão fracos como esse. — Ele disse, olhando para o Rafflesia em êxtase.
— Ah, John. Esse você, me irrita muito. Mesmo tendo conseguido suas habilidades de volta com ajuda daquela mulher, você em algum momento chegou a usá-las quando teve chance? Não. Você tem medo de ferir os outros, de se ferir. Mas eu já vou te adiantar, John. Você já está morto, só não percebeu ainda. — Completou.
Gargalhando, ele colocou seu dado próximo a cabeça e fez um gesto curto, indicando um pensamento. Ia me dizendo várias coisas, sobre como eu estava errado esse tempo todo e de como eu estava agindo como um tolo. Eu admito, ele estava certo em partes. Eu ainda estava vivendo do passado, e me recusava a enxergar o futuro, mas não era algo fácil de se pensar. Na verdade, era bem mais complicado do que eu imaginava. Era um conflito de personalidades e emoções simultâneas.
— Você vai desaparecer, John. E eu, eu vou voltar para o lugar que pertenço, do lugar que você tomou de mim. — Ele disse para mim, olhando bem em meus olhos.
— A Mary e Ele, são as duas ovelhas negras que levaram a mim e os outros ao caminho da ruína, mas você se recusa a ver isso, ainda acha que eles são seus amigos do passado, mas eles mudaram em algum ponto, e você continuou estagnado, sem fazer nada, deixou que tudo isso acontecesse. — Explicou.
— Deixou que eles te substituíssem por uma marionete, que segue ordens ridículas de si mesma. Você não é real, John, você é apenas um reflexo de quem um dia eu sonhei em ser como pessoa. — Completou.
Ele se manifestou perto do meu ouvido, sua voz calma, reconfortante e ao mesmo tempo amedrontadora me disse algo. Definitivamente não o que eu gostaria de ouvir naquele momento, mas sim o que eu precisava ouvir talvez. Uma chama de esperança naquela noite fria, o mal necessário como eles dizem.
— Mas tudo isso pode mudar agora. É muito simples, John. Você só precisa me aceitar de volta, precisa se aceitar como é. Basta você dizer “Sim” e eu cuidarei do resto para você, inclusive, posso salvar o Matt, haha. — Ele sussurrou.
— VAMOS, JOHN! Diga a palavra, se liberte dos grilhões que te prendem a este mundo sujo e cruel! Liberte seu verdadeiro eu! deixem que conheçam o nome do Ceifador Enluarado! — Ele gritou.
Ainda relutante, eu olhava ao meu redor na esperança de ver que algo havia mudado, mas nada tinha acontecido. Matt ainda estava lá, caído. Rafflesia ainda estava lá, me suspendendo no ar. E eu aqui preso com seu veneno correndo dentro de mim. Era só uma questão de tudo finalmente desmoronar. Eu achei que conseguiríamos comprar tempo para que os outros chegassem, mas não foi o caso. A única opção que me resta é fazer isso… mas se eu fizer, sabe-se lá o que vai acontecer comigo. Talvez eu não consiga mais voltar, talvez ele fique no meu lugar para sempre, mas sempre foi assim. Eu não sei por que estou com tanto medo. Eu tenho medo de morrer.
Eu tenho medo dele, tenho medo de quem eu era. Tenho medo de me encontrar com cada uma daquelas pessoas que tiveram suas vidas ceifadas por mim. Tenho medo de nunca conseguir me encontrar neste mundo. Eu fui feito por estes sentimentos, porém eu mesmo não consigo entendê-los. É muito cruel com alguém que nasceu há pouco tempo, no fim, não passo de uma solução temporária para mim mesmo. Só me resta deixá-lo terminar o trabalho para mim, afinal ele sou eu, e eu sou ele.
— Sim…! SIM! EU ACEITO! — Eu gritei, finalmente dizendo o que ele queria.
— Já era hora voltar…! — Ele sussurrou, desaparecendo em seguida.
Em um instante, o tempo congelado voltou ao normal, como se apenas um segundo tivesse se passado. A Lua escondida pelas nuvens no alto do céu voltou a aparecer, desta vez brilhando mais do que nunca. Iluminando aquele pequeno lugar onde acontecera o embate. Uma fagulha de persistência, se formou, Matt estava lutando para se manter consciente, mesmo paralisado pelo veneno de Rafflesia em seu corpo, ele reuniu a pouca força vital que lhe restava e em um último ato, canalizou suas chamas para formar uma ave que voou em direção a John e o libertou dos chicotes.
Conseguindo escapar da investida que o havia prendido, John recuou para longe. Já muito diferente de antes, mais calmo perante aquela situação. Ele limpou um pouco da sujeira que se formou em suas vestes, e olhou diretamente para Rafflesia com um olhar confiante. O monstro que antes achou ter vencido, agora precisava derrotá-lo novamente. Ambos estavam furiosos, prontos para se confrontarem.
Se reerguendo, John logo percebeu que havia algo o observando nos morros logo acima dele, mas resolveu ignorar, ao contrário de chamar sua atenção, ele preferiu que quem estivesse lá, se certificasse de ver o que ele estava prestes a fazer ali.
— Hum, olha só o que você fez. Você machucou meu amigo, e não só me machucou como também me humilhou. Não foi muito elegante da sua parte. — Disse John.
— Eu adoro o fervor da batalha, a sensação de que um de nós pode perder no próximo golpe. É algo único. Mas tem uma coisa que eu não gosto. E essa coisa é ser derrotado por inimigos tão fracos, ao ponto de se sentirem superiores a mim, e você é um deles, e por isso vai perder, aqui e agora. — Completou.
Fazendo um pequeno corte em sua mão esquerda, John despertou o poder de sua espada, a Usurpadora. A lâmina branca foi tomada por trevas e assumiu sua forma negra, tornando as runas ocultas visíveis novamente. Ele pegou e despejou seu sangue sobre ela, que resultou em um pulso elemental ao seu redor, forte o bastante para afastar tudo o que estava em sua volta para longe.
A espada imbuída com seu sangue, fez com que as runas fossem despertadas, tomando uma tonalidade branca em contraste com a parte negra da lâmina. Ao mesmo tempo que a Usurpadora se tornava mais forte a cada segundo, ela também ia drenando a energia vital de John e dos outros ao redor.
— Ah, é tão boa essa sensação de liberdade. Vou me certificar de fazer bom uso dela enquanto eu posso. — Disse John.
— Eu tive uma chance contra aquele golem, mas eu acabei me precipitando e a desperdicei, não farei o mesmo contra você. — Completou.
No mesmo instante, Rafflesia contra-atacou com inúmeros chicotes vinhas carregados com seu poderoso veneno paralisador, John desviou de cada um deles com destreza e agilidade, sem nenhum esforço. Com uma velocidade incrível, John avançou entre os chicotes, dilacerando todos eles em seu caminho, chegando perto o suficiente para atacar Rafflesia diretamente, desferindo um poderoso golpe contra ele e suas flores, destruindo todas elas em sequência.
De um momento para o outro, o rumo da batalha havia mudado drasticamente para ambos os lados. Rafflesia e suas flores que estavam com uma enorme vantagem, agora estavam tendo dificuldades para lidar somente com um oponente. A expressão de John, que antes era de aflição, se tornou um olhar e um sorriso amedrontador, ele estava se deleitando com toda aquela situação.
— EU VOU TE EXTIRPAR DESTE MUNDO, RAFFLESIA! — John gritou, apontando sua espada para o Rafflesia, que atacou logo em seguida.