Trupe Elemental - Capítulo 39
Uma escuridão obstruiu minha visão, e quando me dei conta, eu estava em pé segurando minha espada, havia quebrado algumas coisas no quarto. Olhando em minha volta percebi que Matt estava me observando da porta sem dizer nada.
— O que você tá fazendo aí? Não deveria estar dormindo? — Perguntei.
— É. Eu estava dormindo, mas você não parava de gritar, então resolvi ver o que estava acontecendo, e quando cheguei aqui adivinha só. Você estava igual um lunático partindo as coisas no meio com essa espada idiota e falando coisas sem sentido algum. — Matt respondeu. — O que é isso? Mais um daqueles seus episódios estranhos? — Perguntou.
— Me deixa em paz, não quero falar sobre isso agora, vá embora. — Respondi.
— Hmph, você que sabe. Bem, agora que você me acordou de qualquer forma, irei dar uma saída, é o nosso último dia de folga, vou aproveitar. Você deveria também. Até mais tarde, se cuida John. — Disse Matt.
Quando Matt saiu, eu me sentei na cama e comecei a pensar sobre aquilo que aconteceu no “sonho” se é que posso chamar dessa forma. Eu estava tremendo, olhei para as minhas mãos e de relance, elas estavam encharcadas de sangue e à minha volta estavam vários corpos, mas foi extremamente rápido e quando olhei novamente, não havia passado de uma ilusão da minha cabeça. Eu não sei o que está acontecendo comigo.
— Bom dia, John! Quais são os planos para hoje? — Sylas apareceu de repente perguntando. — Sylas? Onde você esteve esse tempo todo? Eu te chamei ontem a noite para conversar, mas você nem se quer deu o trabalho de me responder se queria ou não. — Disse a ele.
— Ah… isso, é… Bem. Eu estava repondo minhas energias, foi por isso que não vim para conversar contigo, isso! — Ele respondeu. — Mas você não tem feito nada nesses últimos dias, porque precisaria repor suas energias? — Perguntei.
— É, você está certo… mas, eu não estava me sentindo bem para conversar, foi por isso que não respondi ao seu chamado, é verdade. — Sylas respondeu.
— Huh, tanto faz. Eu queria te perguntar uma coisa, Sylas. — Eu disse.
— Uh? Claro, claro! Pergunte o que quiser. — Disse Slyas. — Você sente medo de mim, ou alguma vez já sentiu? — Perguntei. — Hum… eu acho que não, admito que no começo fiquei um pouco relutante sobre você, mas em geral, e é claro na minha opinião, você não é uma pessoa que eu teria medo. — Respondeu.
— Eu… estou com medo de mim mesmo. — Disse para ele. — Estive pensando um pouco sobre isso esses últimos dias, esse sou realmente eu? Quem é aquela pessoa que diz ser eu? E se aqueles dias horríveis retornarem, o que eu vou fazer? Não quero fazer aquelas coisas novamente. — Completei.
Sylas ficou me observando por alguns segundos e então disse:
— Ugh… John… Eu, não sei o que te dizer, parece que é um assunto delicado, olha, eu não sou muito bom com palavras. Mas você sabe que se precisar da minha ajuda eu estarei aqui por você, somos amigos. — Sylas respondeu.
— É isso que estou tentando te dizer. Você é meu amigo ou do “verdadeiro”? Ao meu ver, somos o oposto um do outro. — Eu disse. — Não me interessa se você é o verdadeiro ou não. Para mim você é, e sempre será o John. — Respondeu.
— Eu tenho medo de colocá-los em perigo, tenho medo de machucá-los. Se eu voltar a ser quem eu era, será que ainda me lembrarei do rosto deles? Será que serei eu capaz de… — Quando eu estava prestes a completar minha sentença, senti uma forte dor de cabeça.
— É óbvio que não. — “Ele” apareceu na minha frente dizendo.
Ligeiramente me levantei, e com minha espada acertei um golpe em seu pescoço, ele desapareceu como poeira voando no ar. Eu pude ouvir suas palavras: “O selo está se deteriorando.” Ecoaram em minha mente.
— Hã?! O que foi isso, John?! Você finalmente ficou maluco? — Sylas disse assustado. — Me desculpe, não foi nada… foi… reflexo. — Respondi,
— Reflexo? Tá brincando comigo, não é? Ei, aonde está indo?! — Ele perguntou.
— Treinar. Vou treinar um pouco lá fora. — Eu respondi.
Deixando o quarto, na saída tranquei a porta com as chaves que Hector me deu, porém não sei onde posso encontrá-lo para devolvê-las. Talvez mais tarde eu pense sobre isso, por hora vou procurar um lugar tranquilo e sem barulho para treinar um pouco antes de partirmos amanhã.
Caminhando pelas ruas da cidade, resolvi passar pela rua em que fica o mercado. E numa das barracas estava Sarah, comprando algumas frutas. Eu pensei que se eu passasse direto sem dizer nada, ela não me notaria. Me enganei.
— Ah! Olá, John! Você e Matt não retornaram ontem a noite para a guilda, fiquei um pouco preocupada, haha. — Ela disse. — Bom dia, Sarah. Nós… passamos a noite fora, não se preocupe, não aconteceu nada. Matt saiu para dar uma volta, então resolvi fazer o mesmo. — Respondi.
“Hum… não posso dizer para ela que Hector nos deu as chaves da casa dele e depois desapareceu sem nos dizer nada, ela estranharia com certeza.” — Pensei comigo.
— Certo, certo. Onde está indo? Algum lugar em mente? — Ela perguntou.
— Eu estou procurando um lugar calmo para treinar um pouco com a espada, nada de muito especial, mas preciso me manter em forma. — Eu disse. — Oh, sei. E que tal nas planícies próximas dos portões? É bem espaçoso lá, e duvido que terá algum barulho para lhe atrapalhar. — Sarah respondeu. — É uma boa ideia, talvez é para lá que irei então, obrigado pela sugestão. — Disse para ela, indo embora.
— Ei, espera, John! Se importa se eu te acompanhar? É que… não tenho nada para fazer hoje além de ficar em casa… seria bom passar um tempo fora. — Ela disse.
— Heh, tudo bem. Você viria do mesmo jeito se eu falasse que não. — Respondi.
— Hahaha, sabe bem das coisas! — Ela respondeu, rindo.
Com a companhia de Sarah, fomos juntos até as planícies que ficam próximas da Cidadela, ela estava certa. É um lugar bem calmo e sem qualquer barulho que a cidade tem, além do clima que está ótimo para um pequeno treino ao ar livre. Uma brisa aconchegante sopra por todo o campo. O único barulho que consigo ouvir, são de alguns pássaros cantando nas árvores.
Sarah se sentou em um tronco caído de uma árvore, e por lá permaneceu observando John por horas treinando com sua espada. Ele repetia os mesmos movimentos várias e várias vezes, imitava golpes que poderiam ser usados em uma batalha real, realizava cortes nos troncos das árvores para medir sua força, repetindo este processo inúmeras vezes.
— Incrível, você tem um dom para espadas, John! — Disse Sarah.
John que estava realizando movimentos rápidos, quando ouviu o que Sarah havia dito, parou rapidamente e olhou para ela.
— Você vai ter que me desculpar, Sarah. — Disse John. — Mas eu lutei e treinei por muito tempo para chegar onde estou. Eu não nasci com um dom. Eu batalhei, e muito para conquistar minhas atuais habilidades, por favor não diga isso. — Completou.
— Ah… me perdoe, eu não quis ofender. Só queria elogiar. — Sarah respondeu.
— Não tem problema, só estou te explicando. — Disse John.
— Você já mencionou seu mestre antes. Disse que ele te ensinou a lutar. Que tipo de pessoa ele era? É claro, não precisa responder se não quiser… — Sarah perguntou.
— Meu mestre? É… ele era uma pessoa incrível e incomparável. — John respondeu enquanto treinava seus golpes. — Tudo que sei é graças a ele. Ele me ensinou sobre tudo que sabia sobre a espada, eu sou muito grato por o ter tido como mentor. Minha família era muito pobre, meus pais não tinham como pagar alguém que pudesse me ensinar, e mesmo assim ele me aceitou em sua academia. Ele nunca me julgou por ser quem eu era, diferente dos outros alunos. — Completou.
— Uau, você está falando assim, tenho certeza que ele era alguém incrível que todos respeitavam. Eu nunca tive a oportunidade de ser treinada, então as coisas que sei fui aprendendo por mim mesma. — Disse Sarah.
— E mesmo assim… eu falhei… — John sussurrou. — Hã? Você disse algo? Eu não consegui ouvir. — Sarah perguntou. — Não… foi nada. — John respondeu.
Após aquela pequena conversa John continuou treinando, e logo depois de um tempo Sarah lhe fez outra pergunta.
— E sobre seus pais, John? Não sente saudades deles? — Sarah perguntou.
— Faz muito tempo que eu não falo com eles. — John respondeu. — Estão vivos, antes que pergunte. Eu só perdi o contato com eles, quem sabe algum dia nós iremos nos encontrar novamente. — Completou.
— Eles são… comerciantes que viajam por todo o continente, vendendo tudo que você pode imaginar, então é um pouco difícil manter o contato com eles. Talvez esse tenha sido o motivo deles terem me incentivado a aprender esgrima. Eu ficava na academia enquanto eles saíam mundo afora tentando ganhar dinheiro. — Disse John.
— Sei como é. Também faz um certo tempo que não visito meus pais. Eles ainda moram na minha antiga aldeia. Acho que vou visitá-los quando tudo isso acabar quem sabe. — Sarah disse.