Tribo dos Anjos Caídos - 0.1
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╰────1082 palavras
É inevitável, se você quer ser bem sucedido na vida tem que aprender a aguentar socos de um punho de metal. Afinal, em vários momentos, você vai sentir como se as adversidades fossem um carro o atropelando, exatamente a mesma sensação com a qual a mulher mais rica das Doze Tribos começou sua história.
Assim como em qualquer outro conto inspirador, este se inicia numa arena de batalha. O chão é de um material negro resistente o suficiente para ter apenas alguns arranhados, mesmo depois de tantas batalhas, e mesmo assim é escorregadio e reflete bem os feixes de luz verde que preenchem o edifício em forma de caixa preta que chamam de O Palco. Talvez o nome venha do imenso palco todo iluminado por luzes verdes, onde o DJ Alok frita ao som de Vale Vale, cujo volume no máximo leva a multidão à…
⎯⎯ Ei! ⎯⎯ A garota no centro da arena desvia do pedaço de vidro. Ainda está tonta do golpe anterior, e focar no adversário se mostra mais difícil do que previu. ⎯⎯ Cê não vai deixar a descrição terminar, seu mal educado?
A multidão vai ao delírio. Restos de lanches voam sobre a arena. O narrador desportivo desnecessário solta suas baboseiras:
⎯⎯ O patinho feio se tornou feio por ser único ou se tornou único por ser feio? Quem vencerá essa luta: Duck, aquele que luta com repúdio e uma armadura super tecnológica de pato ou Cha Hi Warren, a menina com uma espada e um sonho?
⎯⎯ Hexânio¹! Eu sabia que não era a única que viu a cabeça de pato. ⎯⎯ Cha escarra sangue.
⎯⎯ Não é uma cabeça de pato! ⎯⎯ grita, à frente de Cha, o cara com um traje robótico branco e azul feito de metal. Por coincidência, o capacete tinha visores em forma de olhos e uma aba que parecia um bico, tornando-o quase idêntico a uma versão bombada de uma fantasia de Pato Donald da Disneyland.
⎯⎯ Olha, parece muito uma.
Duck rosna e joga os punhos de metal num arco violento para a frente, tentando acertar as pernas de Cha com uma sequência de socos desenfreados, mas ela salta no momento certo para usar sua cabeça de pato como trampolim, pousando suavemente alguns metros atrás do adversário. Claro que a parte suave foi enquanto ainda estava no ar, pois escorregou os tênis surrados e quase caiu para fora da arena. Arregala os olhos para trás, mas o rio de gente que a cerca nem está ligando. Não se importam com a própria segurança, desde que se divirtam. Na verdade, não parecem se preocupar com mais nada.
Cha balança a cabeça. Decide seguir o exemplo da manada. Seu corpo todo dói, e se ela não acabar com tudo logo, não demorará muito para estar colhendo vegetais pela raiz.
Ela só precisa acertar um golpe. Passa por sua vista um flash da clara memória de poucos milésimos atrás, enquanto ainda se via de cabeça para baixo no ar: dois quase invisíveis cabos de alimentação exatamente onde ficariam os calcanhares do traje robótico de Duck. Mas ela só precisa de um. Só precisa encontrar um jeito de escorregar por debaixo de suas pernas e cortar a energia, literalmente.
O adversário grandalhão gira o dorso e a encara, os punhos grandes o suficiente para esmagar a cabeça da garota magrela em uma só palma.
Ela está apenas com a metade de baixo da armadura de sucata, as calças legging cheias de buracos e a velha blusa laranja. Os cabelos, mesmo curtos, grudam no suor de seu rosto machucado. As pupilas, tão finas quanto o medo as comprime, fazem o verde de suas írises parecerem enormes. Em outras palavras, se ela for acertada mais uma vez, provavelmente virará estatística para os jornais. Talvez seja melhor desistir. Continuar viva é muito mais importante, certo?
⎯⎯ Aí, patinho. ⎯⎯ Provoca Cha com um sorriso de dentes vermelhos. ⎯⎯ Achei que patinho feio ficava bonito quando crescesse. Quando você vai crescer?
Isso faz Duck finalmente perder a cabeça. Ele salta para a frente numa investida de quaterback, os punhos de metal em riste. Ao mesmo tempo, Cha se posiciona: uma perna esquerda para a frente, uma direita para trás, joelhos flexionados e coluna retesada. Um deslize, e será mandada para o céu. Um corte certeiro, e ganhará uma bolada que nunca antes teve em mãos. Ganhar ou perder, assim como sempre foi em sua vida.
É quando comete o erro de, sem querer, tocar no cabo da espada.
De um segundo para o outro, imagens inundam sua mente, como telas de propaganda num aplicativo, mas essas se tornam cada vez mais reais à medida que os milésimos passam: grãos de arroz cobrindo o chão, as cinzas de uma lareira apagada, dois cobertores brancos, uma manta prateada cheia de fiapos. A última é a mais real de todas, um punho branco agigantando-se sobre ela, não o branco das nuvens ou de uma folha de papel, mas sim o da inflexível morte, e a música eletrônica se esvai de uma só vez.
Não precisa choro, é só brincadeira. Por acaso não sabe que o protagonista tem o poder de sobreviver até o final da história? Mesmo alguém inconsequente como Cha Hi Warren. Mas por que ler, você deve estar se perguntando, se o final já é previsível? É óbvio que essa história é só mais uma com ação até o máximo, romance na medida certa, aventura por terras e culturas além da imaginação e personalidades completamente apaixonantes. Quem se interessaria por isso?
Você tem razão, isso é bem previsível. Por isso Cha Hi e seus amigos existem. Pois, mesmo que seu mundo seja puramente a velha Jornada do Herói, eles são tudo, menos heróis. Na verdade, essa não é só mais uma história com ação até o máximo, romance na medida certa, aventura por terras e culturas além da imaginação e personalidades completamente apaixonantes. É sobre como uma órfã sem um tostão furado e dividas até com a mãe do ex-namorado se tornou a mulher mais poderosa das Doze Tribos. É sobre como as figuras mais desnaturadas, loucas e perigosas da sociedade formaram uma família. Como uma equipe de indivíduos completamente egocêntricos salvou o mundo da escravidão. Pois essa história é sobre isso: liberdade.
O que é liberdade para você?
De toda forma, agora que decidiu continuar lendo, mostrarei o resultado da luta.
¹Hexânio= gíria gerada a partir da contração de “Hexafluoreto de Urânio”, resultado da mistura de Flúor, Urânio, Carbono e Potássio, ou seja, FUCK. Completamente ficcional.
Prévia do capítulo 0.2
A multidão os cerca rapidamente. Panelas, forcados, facas, machados, e o maior dentre eles veste roupa de cozinheiro e empunha uma ameaçadora espátula.