Trabalhe! - Capítulo 54
Teria cada pessoa uma vida certa a ser vivida?
— Então… vai me deixar aqui até quando? — Tati reclamou.
— Foi mal, foi mal, tava só… enrolando um pouco, vamos logo. — Dessa vez as palavras saíram fácil, já tinha me decidido. Até tinha alguma ideia sobre tudo, só faltava conseguir colocar as palavras.
Vendo minha convicção, Tati me olhou com admiração. — Entendo, você é incrível, parece que nem vai precisar da minha ajuda.
— Não diga isso, mesmo agora, estou tremendo de inseguranças.
Novamente, com admiração ela me olhou. — Sim, justamente isso que é incrível, a maneira como fica em pé e convicta em frente ao seus medos.
— Tá, tá, chega de quer falar bem de mim. — Interrompi, aquilo não ia levar a lugar nenhum. — Qualquer um pode fazer isso.
— Mas… — E ela insistia nesse assunto.
— Tá, vamos lá… — decidi explicar um pouco mais — não sou especial, definitivamente não sou, bota isso na sua cabeça! — Sério, era importante deixar isso claro, por isso foi muito enfática. — Sou normal, mas todos à minha volta agem como se não fosse…
Parei um pouco e me deitei na cama. Falar deitada era tão melhor, mas não vou entrar nesse adendo agora.
— Sério, todos sempre esperavam que eu faria algo completamente anormal desde de sempre! — desabafei um pouco. — Não vou ficar reclamando, mas, pelo menos você, podia ser diferente. Enfim, isso foi parte do que me tornou o que sou hoje e não tenho nada contra assumir responsabilidades e liderar.
De forma um pouco desconexa e confusa, expliquei algumas coisas que estava pensando e espero, com isso, ter explicado para ela que era um ser humano completamente comum.
Aí respirei fundo e resolvi continuar no tema: o que eu sou. Achava que só quando colocasse em palavras, conseguiria me entender.
— E, além dos elogios e pressão, a segunda coisa que me formou deve ter sido o Iky… — Olhei para o nada. — Foi uma pessoa que me motivava, era empático, justo, calmo, bom líder, alguém que não fugia nunca e era leal a sua ética e moral… leal a si mesmo. Êh, idealizei ele bastante e acabei seguindo algo próximo a esse ideal.
Ai teve um problema: não existe uma ética sem falhas. Para começo de conversa, a covardia é sempre ruim? Mas não vem ao caso agora.
— Então, para essa criança sonhadora, o que dão? Expectativas, poder, oportunidades, elogios, dificuldades, desejos, autonomia, além de resultados, o final foi óbvio.
— Qual o final? — Ela perguntou quase inocente, de forma inconsciente, como uma criança inconsequente, uma dúvida que brota genuinamente.
— Acreditei que tinha me tornado esse humano ideal, acreditei genuinamente que tinha alcançado um pináculo, ou algo parecido, por isso parei de duvidar, ninguém duvidava de mim, pelo contrário vez atrás de outra dei conselhos e mostrei aos outros seus erros.
Ok, foi uma conclusão meio arrogante a qual cheguei, mas não vamos ficar falando sobre isso. E continuei meu monólogo:
— Entende quanta confiança acumulei dessa forma, era difícil para mim imaginar estar errada, era o ideal de humano que imaginei personificado.
— E o que mudou?
— Simples, a primeira dúvida surgiu, como ajudar o homem que um dia idealizei?
Entenda, Iky sofreu um trauma, conseguia entender isso. Sabia, ele não era mais o mesmo, na verdade, não foi só ver ele e meu ideal quebrou do nada, minhas memórias ainda existiam. Além do mais, ele ajudou a criar meu ideal, mas nunca realmente foi o meu ideal.
Foram essas e outras, que me permitiram continuar acreditando nesse ideal, pois ainda via nele validade. E continuei:
— Foi então que Iky, ao me tratar de novo, ao me tratar como uma pessoa qualquer, conseguiu ir aos poucos quebrando essa confiança. Tipo assim, ele acreditava, no fundo, no mesmo ideal que eu, na real, no começo ele até que aumentava minha confiança, até que…
— Até?
— Ele me pediu em namoro e não sabia como responder. Não só isso, várias e várias perguntas, a quantidade de duvida que ele conseguiu me gerar é impressionante, porra! — reclamei de brincadeira.
E Tati ainda estava olhando com muita atenção. Ok, só faltava a parte final, achar minha solução e colocar em palavras.
— No começo foi daora, uma volta a antigamente, e, convenhamos, viver sendo um ideal é desgastante, mas… ter dúvidas começou a ser mais difícil do que eu esperava, principalmente quando a maioria das pessoas ainda esperava que eu decidisse tudo em instante. — Com isso, resumi meu “grande” problema na vida
— Desculpa. — Porra! Quantas vezes já disse para essa garota não pedir desculpas! Sabia no que ela pensava, algo como: desculpe por não ter notado antes ou por ter colocado tanta expectativa, mas fod-se! Não queria desculpas.
De qualquer forma, podia acabar de conversar o resto com o Iky, por isso acabei com uma bronca. — Sem pedir desculpas! Até porque, queria te agradecer por ser meu segundo porto seguro nesta vida.
Pelo menos, nossa amizades ficou mais forte.
É isso, tchau.