Trabalhe! - Capítulo 45
Dia 3
10:16
Me troco, pretendo ir tomar um café de manhã com Lê. Oficialmente, faltarei no trabalho hoje para ter uma reunião.
— Vamos? — Quem me chama é a Susi. Obviamente, contei sobre o que farei hoje, até porque preciso dela para poder faltar no trabalho. Além do mais, esconder coisas dela é inútil.
— Ola. — Logo já estou cumprimentando meu velho amigo. Claro, ele olhou com dúvida e perguntou sobre eu estar acompanhando.
— Sou a dona… digo, namorada dele. — E a Susi se apresenta assim. Me pergunto se foi a melhor ideia do mundo trazer ela junto… mas bola pra frente, não tem o que fazer agora.
Meio surpreso pela apresentação, Felipe ainda a cumprimenta com um “oi”. Tem as apresentações e todo esse bla bla bla e finalmente nos sentamos para comer.
O local escolhido foi um café, porque tem comida boa, principalmente para uma manhã fria como a de hoje. Sim, tenho que dizer que é um bom lugar, ambiente aconchegante, estilo rústico e… será que eu consigo pagar?
Nos sentamos, pedimos bebidas e… — Apenas confirmando, todos aqui tem bastante tempo livre, certo? — Susi é a primeira a falar.
— Tenho quanto você me deixar ter, haha! — respondo.
— Hoje vai ser um dia para não fazer nada, tô de boa, tenho o tempo que for necessário.
Depois da pergunta inesperada, Susi não toma a frente de primeira, ela parece saber exatamente o que quer dizer, mesmo assim não consegue falar. Isso dura apenas 15 segundos, até que ela cansa de esperar.
— Nesse caso, Iky, — ela olha para mim seriamente. — por que não começa nos contando o que nós dois não sabemos.
— Êh… — Mesmo já esperando essa pergunta, ainda parece impactante; quando ouço, sinto um arrepio.
Felipe ri um pouco. — Entendo, imagino que você tenha sido a causa da mudança dele, fico feliz.
Então ele ficou preocupado comigo depois de tudo, de certa forma uma sensação de calor me enche, ao ponto que me sinto confortável para falar.
— Fico feliz de ter conhecido vocês. — Ai acabo dizendo algo vergonhoso, porra! Agora eu não quero nem olhar para a cara deles, preferia apenas sumir daqui… ahan! Respira, não posso mostrar a vergonha, seria pior.
O silêncio desconfortável vai se formando…
— Seu pedido. — Obrigado garçom elegante! Consigo relaxar um pouco.
Enfim, ele trouxe as bebidas pedidas, para Susi um chocolate quente, já nós dois escolhemos café.
Roda, roda, roda, começo a mexer no café com a colherzinha, olho para o pequeno redemoinho formado por um longo tempo. Merda! Ainda não relaxei direito, porra. Quero saber o pior, Susi está me olhando com uma cara de quem não vai me deixar escapar dessa vez.
Respiro fundo. — Se querem saber, vou falar. Desculpa, Felipe, mas vou ter que ser um pouco repetitivo, Susi ainda não sabe de tudo.
Merda, por que tinha que dizer isso? Que saco… Não tem jeito, eu vou ter que contar.
— Só uma coisa onde tínhamos parado mesmo? — Foi mal, o nervosismo está acabando com a minha mente, que saco!
— Suspiro! Parou quando tinha brigado com o Gustavo.
— Bem, depois daquilo; meio que na mesma época, comecei a ir no psicólogo, apesar de bastante a contragosto. — Olho na direção do meu amigo. — Mas, agora que olho para o passado, foi uma boa decisão.
Hesito um pouco antes de continuar, mas honestamente enrolar ou prolongar mais sobre isso seria apenas agoniante, vamos! Decido fazer isso de forma rápida, sem mais pausas, por enquanto só preciso falar, posso pensar sobre depois.
Não pense, não pense, não pense. Não preciso me preocupar com coisas inúteis agora, apenas lembrar e contar.
— Nunca falei; mas, na época, tive que ir até para o psiquiatra tomar remédio e tudo. — Inclusive, foi uma merda, isso é parte do porque eu não gosto desse tipo de profissional. Sim, estou errado, mas não é da sua conta.
Outra coisa, achei que Felipe iria se surpreender com a informação, mas ele age como se fosse só o esperado, acho que ele já tinha descoberto, merda!
— Falando do braço, tentei cirurgias, mas sem sucesso, o único tratamento possível era uma prótese, a qual meu plano de saúde não cobria. Já não tinha qualquer dinheiro, mesmo que melhor psicologicamente, depois de dois anos do acidente me vi quase sem opções.
Os dois tão ouvindo bem atentos, em particular, a Susi parece desconfortável quando falo da falta de dinheiro, talvez um leve sentimento de culpa. No fim, ele sempre foi o tipo de pessoa que se culpa demais por tudo e eu também não ajudei.
Voltando à história, continuei. — Fiquei desesperado, mas disfarçava meu medo com otimismo. Não lembro exatamente, mas acho que foi mais ou menos nesse tempo que… — Olho na direção do meu amigo, quem completa antes de mim.
— Foi quando eu tive que sair do país. — Ele faz uma puta cara de culpa que me deixa mal, por que todo mundo tá se culpando agora?! Vai tomar no cú.
— Sem culpinha por aqui, não precisam ficar se sentindo mal, puta porre! — Acabo falando sem querer, na real, já faço tanto isso, que estou começando a achar que é doença.
Posso ser um babaca de vez em quando(ou quase sempre), mas eu honestamente penso assim, culpar os outros é inútil principalmente pessoas que sempre quiseram meu melhor… Ahan! Também não vou continuar nesse assunto.
— Continuando, o resto pode ser bem idiota; mas, de uma forma ou de outra, consegui ganhar dinheiro o suficiente para não morrer operando na bolsa, ai aconteceu uma pequena crise.
Tomo um longo gole de café. O sabor de merda, o calor que queima a boca, o cheiro de que me lembra a merda do Starbucks, tudo isso é captado pelo meu cérebro que relaxa um pouco.
— Na época, já estava endividado, não tinha como conseguir um emprego, precisava dar um jeito de ganhar sempre. Sim, não era uma forma de viver sustentável a que tinha e, naquele momento, deu errado, não perdi tanto assim; contudo, para que nada tinha, foi o tiro de misericórdia.
Minhas mãos tremem um pouco, um saco! Sempre que penso no passado meu corpo dá uma dessas, eu fico com medo, me sinto mal, é um saco! Nem sei para que estou contando tudo, devia só seguir sem pensar sobre… que saco! Que saco!
— Nunca contei isso para ninguém, mas eu realmente pensei em, pensei em… — Cansei! Não quero lembrar! Não quero lembrar! Não quero! Não quero! Não quero! Não quero! Não! Não!
Pera… Um pouco molhado, estranho.
Splat!
Um desastre, acabo derrubando café. Porra! Sério que fiz isso? Ainda tinha que ser bem em cima do braço que eu ainda tenho, porra! Isso queima pra caralho, puta dia de merda!
Cansei dessa merda, fodasse, nada disso está acontecendo, sim! vou só ignorar, é só esperar que uma hora some, as memórias, a queimadura, tudo some… Só some logo, inferno de dor!
E é só eu falar que piora, agora é minha cabeça. Sério, ela dói, dói e dói muito, porra! Isso dói muito, odeio essa mer….
— Iky. — Uma voz preocupada me chama. Então sinto um toque suave e quente na minha mão.