Trabalhe! - Capítulo 4
Dia 2
Meu curto final de semana acabou, sou portanto obrigado a voltar. Sem motivação me levanto, agora é só me trocar e… Merda! Não encontro minha luva em lugar nenhum… Enfim, depois de muita procura, encontro e visto minha luva branca.
Chegando no escritório, encontro um lugar vazio. Apenas o esperado, afinal sou obrigado por um certo alguém a chegar bem mais cedo do que o necessário. A parte boa é que posso aproveitar o tempo sozinho para…
— Chegou mais cedo? — Avisto uma intrusa, então pergunto.
— Sim, bem é que eu queria falar com você. — Ana responde, enquanto baixa o olhar e começa a mexer com as mãos. Seu desconforto está nítido, principalmente em sua voz, que vai ficando mais baixa, ao ponto de não dar para ouvir.
Não estou com pressa nem nada, por isso digo calmamente: — Desculpa, o que você disse, não consegui ouvir?
— Não foi nada demais! — Ana diz e move as mãos rapidamente, fazendo um gesto de negação. Pode ser só impressão, mas ela parece ansiosa. — Só cheguei mais cedo por coincidência. — Ela acaba de falar, dessa vez com a voz mais baixa.
— Ok, fica a vontade — respondo desinteressado. Está mais que óbvio que alguma coisa aconteceu, acho que ela quer falar comigo, mas não quero problema.
ooo
E não é que 8 horas passaram em um piscar de olhos. Já no meu primeiro dia de trabalho em fevereiro me fodi, porque Susi decidiu que eu vou começar a ir nas reuniões por mim mesmo.
Então, antes ela tinha só nos dado um resto de trabalho, quase pronto. Agora, tenho que conversar com o cliente, ver o que ele quer, negociar preço, tudo. Mal voltei e já tive que trabalhar.
Por sorte, eu tenho larga experiência em enrolar pessoas e ficar fingindo que sei sobre o que estou falando. Além disso, também não é a primeira vez na vida que faço algo do tipo, na época que não era inútil, tive que negociar muito.
Sério, não acho que vão acreditar, mas houve um tempo em que eu trabalhava de verdade. Claro, isso foi há muito tempo, hoje em dia, eu estou convicto na minha filosofia de vida: empurrar com a barriguismo, ou procatinismo, para aqueles adeptos de nomes mais curtos.
Dia 10
Finalmente consegui concluir 1/5 do trabalho! Incrível, né? E, em minha defesa, estamos atrasados, mas só nesses 10 dias, tive que trabalhar mais que no mês passado inteiro. Não é o que eu queria, mas contra ameaças, não há o que ser feito.
Até por isso, comecei a ficar até mais tarde no escritório. Não que eu esteja trabalhando tanto assim, é só que estou enferrujado, por isso demorou para acabar coisa simples. No fim, faz muito tempo desde a última vez que fiz coisas desse tipo.
Inclusive, comecei a conversar mais com a Ana, primeiro porque ela parece não ter mais com que falar, segundo porque ela fica direto até tarde também.
No momento estou no meio de mais uma tarde comum, com só uma pequena diferença, uma briga. No caso, tudo começou com Caio reclamando, porque a Ana não tinha acabado alguma coisa.
— Não dá para demorar tanto tempo com uma tarefa simples! — Caio é barulhento como sempre. Vale dizer, ele não é programador, então acho um pouco injusto, ele querer julgar o que é fácil ou não, numa área que desconhece.
De qualquer jeito, não me importa, nessas horas Eichy sempre aparece e…
— Ei, calma aí. — E olha ele aí, aparecendo para tentar acalmar a briga. Tivemos esses problemas algumas vezes na semana passada, mas nem preciso me envolver.
Só tem uma coisa que me incomoda, Eichy joga muita a culpa para Ana. Não é problema meu, mas não gosto muito disso, sei lá, acho que vou voltar a jogar.
A propósito, continuo observando de canto de olho a situação. Depois de acalmar a discussão Eichy diz para Ana se focar no trabalho, motiva todos e fica indo de um lado para o outro “ajudando”(conversando com) todos.
Talvez se perguntem: você não vai fazer nada? Respondo logo que não, vai ser muito trabalhoso, além do mais, lembram do Gabi? Amigo do Eichy, então, ele sempre acaba fazendo a parte dele e do amigo, por isso não tem problema.
Falando sobre o Gabi, deixa eu ver como ele está… Êh, ele me parece bem cansado. Definitivamente não iria querer ter amigos como os que ele tem.
E ana, vejamos como ela está indo? Hummm! Qual seria a melhor palavra: muito mal ou péssimo? Enfim, Ana está um pouco pálida, suas pernas tremem continuamente, ela precisava conseguir relaxar mais.
Sério isso? Sorrateiramente, Eichy acabou de pedir para Ana, que não sabe dizer não, para organizar uns dados para ele. Que filho da puta! Mesmo eu não tenho feito muito isso, porque ela está muito ocupada e…
Opa! Esquece, vejo uma notificação nova, ganhei um prêmio especial no jogo que estava jogando anteontem. Eba! Vai ter mais um evento especial às 18:00.
Não, pera! Eu só estou enrolando, assim nunca vou acabar o que tenho que fazer. Olho para o relógio, já são 15:11, assim não dá.
Ok, deixa eu ver… Pronto, escrevi minhas metas do dia, quando acabar essa lista poderei jogar, agora vamos!
ooo
— Ha! Ha! Ha! — Estou até respirando pesado. Ufa! Finalmente acabei, isso foi cansativo. Olhando pelo lado bom, agora vou poder jogar o… Merda! Já passou da hora, fiquei tanto tempo trabalhando, que não consegui jogar, bosta!
Já que não tenho nada para fazer, acho melhor ir para casa… Pit! Pat! Pit! Pat! Estava pensando em sair, mas um som de digitação me chama atenção. É a Ana, tinha até esquecido que ela estava ali.
Por algum motivo, paro para ficar olhando, enquanto fico perdido nos pensamentos. Ela aparece meio absorta no seu próprio mundo… Pi! Pi! O relógio apita avisando que já são 20.00.
— Nem vi o tempo passar… — murmuro para mim mesmo surpreso. E ela continua ali, mesmo que todos já tenham ido embora a um bom tempo.
Não posso deixar de achar Ana estranha, por ainda estar aqui. Eu, por exemplo, só fico aqui até mais tarde para parecer responsável e porque a internet aqui é melhor.
— Ei, posso te perguntar uma coisa? — Ana vem até mim do nada e em completo silêncio. Eu quase solto um gritinho de susto, por sorte, consigo me segurar e evitar a auto-humilhação que seria isso.
— Claro, a vontade — respondo.
— Bem… Eu tenho feito alguma coisa errada no trabalho? — Ana está tão encolhida agora, que acho que ela pode acabar virando uma bolinha tipo o sonic.
— Claro que não, na verdade, você tem se esforçado mais que todos….êh, eu até ia te elogiar por isso. — Só que não, eu não sou de me dar ao trabalho de ficar elogiando os outros, mas acho que é uma boa mentira a ser dita no momento.
Continuando, eu acho que é bom avisar para ela: — Só uma dica, não exagere ao ponto disso fazer mal pra sua saúde, ok? Mas… por que perguntou isso do nada?
Ana parece muito preocupada. Ela até aproxima a mão do peito e curva as costas, numa posição defensiva. Resumindo, ela entra no modo bolinha. Por fim, com uma voz surpreendentemente clara, apesar de baixa ela diz:
— Êh… como você sempre teve o costume de observar o que estamos fazendo de canto de olho, e na última semana tem olhado mais para mim, fiquei preocupada. Além do mais, estão sempre gritando comigo, porque estou atrasando os projetos.
Espera! Como ela consegue saber para onde estou olhando de canto de olho Isso é assustador, sério, é muito assustador.
Outra coisa, não sei se foi alucinação, mas o coração bateu tão rápido, quando ela falou, que deu para sentir a distância.
Enfim, para variar, fico empático e com um pouco de pena, do quão nervosa ela está, por isso tento a acalmar dizendo:
— Pode relaxar, sem problemas, você vem fazendo um excelente trabalho, tenha mais confiança. — Já disse que ganhei o prêmio de melhor coach do século?
Deixando de lado minha inabilidade de pensar em boas palavras para dizer. Podemos olhar o lado bom, Ana é fácil de motivar, tanto que ela está sorrindo honestamente aliviada agora e até sua postura ficou mais um pouco mais confiante.
Ao olhar para seu alívio, entendo toda angústia que estava passando, acho que já passou da hora de ser honesto. Suspiro! Não consigo mais ignorar isso, não queria mais trabalho ainda assim…. Que saco!
— Ana, se não estiver dando conta pode me pedir ajuda e não se preocupe, vai dar tudo certo. — Por algum motivo passo a mão na cabeça da garotinha, bagunço seu cabelo e digo aldo idiota com um sorriso gentil.
Suspiro internamente. Agir dessa forma me lembra da época do orfanato, se não me engano já disse algo muito parecido…. Esquece, não tem motivo para pensar ou voltar para o passado.
Outra coisa, já estou arrependido. Espero que ela não venha pedir minha ajuda, até porque eu não acho que consiga ajudar. Mesmo assim, não consigo ignorar, por isso abro meu computador e decido fazer algumas coisas.
Claro, não espere muito, estou com preguiça, afinal.