Trabalhe! - Capítulo 30
Dia 1
3:41
As crianças estão correndo de um lado para o outro, apenas o esperado de um orfanato, mas ver tanta energia assim já me deixa cansado. Acabei de lembrar, odeio crianças, fazia tempo que não via uma por isso esqueci.
Ok, agora não é um bom momento para ficar pensando nisso, eu deveria… Não, pera, agora que eu paro para pensar… — Por que a gente veio aqui mesmo? Quer fazer alguma coisa?
Eu sei, muitos dos meus problemas começaram nessa porra de orfanato e tenho um ou outro trauma relacionado a ele, mas não sei bem o que podemos fazer simplesmente o visitando.
— Êh… — E parece que não sou o único perdido. — Que tal visitar algum lugar que vá te levar a uma epifania e se tornar uma pessoa menos ruim?
— Não seria melhor?
— O que acha? — Acho que responder uma pergunta com outra e trapaça! Não vale, alô admin tem que banir a Susi!
Enfim, não tem muito o que fazer. — Quer ir lá dentro?
A garota dá de ombros concordando. Chegamos até aqui sem pensar em nada, por que não continuar assim? Por que não ir comprimentar todos aqueles velhos de merda? Ah! Sim, posso admitir que estava errado naquela época, nem por isso vou deixar de odiá-los.
Entramos no lugar, não foi muito difícil, não que eles tenham lembrado de mim, é só que reconheceram a Susi. Ela está sempre envolvida com caridade em particular para instituições como essas, por isso essa galera toda sabe muito bem quem ela é.
Aparentemente, apesar da sua inicial tentativa de esquecer e apagar o tempo como órfã, as memórias nunca saíram dela e mais velha e rica ela não poderia deixar de querer ajudar.
Não que seja problema meu, ou eu ligue.
Além do mais, ela já foi visitar o lugar várias vezes, na verdade, na wikipedia a primeira coisa que você encontra sobre essa porra de lugar é o fato de que Susi viveu aqui por um tempo. Por outro lado, não há uma menção sequer ao seu incrível rival que a obrigou a não ser preguiçosa e fazer as coisas, direito, não é justo!
Brincadeiras à parte, continuamos no nosso tour turístico pelo passado. Como um todo, não tem nada demais aqui. Para começo de conversa, eles reformaram e mudaram a porra toda, salas, professores e até as paredes mudaram, não tem nada para me dar nostalgia aqui!
Nada!
Não sei se a Susi queria me fazer lembrar de memórias boas, ou talvez seu lado sádico quisesse trazer memórias ruins de volta, mas aqui não tem nada. Definitivamente, não tem nada.
Não tem como eu me ver nessas crianças, elas são todas muito burras, imperativas e essa nova geração provavelmente está perdida! Ok, estou brincando, não fiquei tão velho assim, ainda. E, não se esqueça, se me usar de parâmetro, não tem como piorar.
Finalmente chegamos no bosque, era o lugar onde passa um bom tempo, gostava de ficar pensando aqui. Um lugar pequeno, bem, para uma criança seria considerado grande, mas não tem nada aqui.
7 árvores velhas, um escorrega, alguns protótipos de humanos correndo de um lado para o outro, nada mais.
Dito isso, essa é provavelmente um dos lugares que menos mudou, posso dizer que quase sinto nostalgia estando aqui. Não, quase é exagero.
Já que chegamos até aqui, posso pelo menos ir sentar no meu antigo lugar favorito, embaixo da maior árvore do lugar.
Ok, não sei se ainda é a maior, mas é uma envolta por um pequeno barbante vermelho, um trequinho que coloquei há muito tempo atrás e aparentemente ninguém tirou.
As crianças estão mais interessadas no escorrega ou nas áreas abertas onde podem correr. Já a galera da administração, depois que explicamos o motivo da visita eles só nos deixaram de boa. Não é como se fossemos causar qualquer problema.
— Iky, — por algum motivo Susi me chama. Não só isso, ela até começa a chegar mais perto, isso é quase romântico. Digo quase, porque a merda da minha vista está embaçada, não consigo nem apreciar essa cena direito.
Merda! Parece que virei míope em um segundo! Sério, o que está acontecendo comigo?
— Essa é a primeira vez que vejo esse seu lado. — Por que ela está esfregando essa merda na minha cara?
Tento expressar minha raiva em palavras, mais falho, porra do som não sai direito! Foda-se também, desisto.
— Que foi, está irritado com alguma coisa? — Sim, principalmente com esse seu olhar presunçoso! — Enfim, você sabe como usar, né?
Susi só me dá o lenço, ok, acho que tenho que admitir, eu cometi um erro, um erro que nunca tinha cometido antes.
As lágrimas continuam a rolar pelo meu rosto, não no modo exagerado de One Piece, só uma ou duas pequenas finas linhas de água, mas… essa merda é salgada! Que saco!
Fico emocional.
É inevitável, já fugiu completamente do meu controle e, por algum motivo, me sinto frustrado, um sentimento que tinha decidido jogar no lixo.
Entenda, vagabundos não se frustram, porque eles não querem nem tentam conseguir nada, assim que eu vou viver, porra!
Recebo um cafuné. — Tudo bem ter falhado, sei que deu seu melhor, podia ter feito melhor, mas num geral diria que você deu azar. — Não me trate como criança!
Tiro a mão na minha cabeça, mas a garota só acha engraçado, provavelmente só estou agindo como ela esperava.
Crianças, crianças e mais nada, não consigo encontrar nada para chamar minha atenção, porra! Eu só precisava de uma distração, só uma.
— Sei que teve várias derrotas em sucessão, mas você sabe que só fugir não vai mudar nada, nem sempre a culpa é sua. — Cala boca.
Me levanto, por algum motivo não consigo ficar sentado. Merda! Nunca tinha chorado em público antes, acho que realmente fiquei velho, não consigo nem mais segurar meus fluidos corporais direito. O que falta agora, usar fralda geriátrica?
— Ei! Se quiser, eu posso te ajudar. — Uma mão é estendida para mim. Lembro que da última vez que a Susi me ofereceu isso eu aceitei e acabei sendo obrigado a trabalhar depois de um ano.
Acabo apertando a mão dela por algum motivo. — Obrigado. — As palavras saíram sem eu querer, sei lá, minha boca deve ter vontade própria.
Meu corpo até treme um pouco, sinto aquele friozinho na barriga de quando a montanha russa está prestes a descer.
Começo a juntar as ideias e, mais uma vez, minhas cordas vocais entram em greve e trabalham como bem entendem. — Acho que eu realmente me apaixonei por você no final das contas.
Susi apenas ri um pouco. A resposta mais nula possível, não foi um riso confiante, nem de deboche, foi simplesmente neutro.
Se tivesse que traduzir para texto seria um “kk”, nada mais, um riso muito curto para ser considerado honesto ou devido a achar algo engraçado, é só uma resposta sem significado para não deixar o outro lado no vácuo.
Sim, eu não quero pensar sobre nada do que eu disse nem sobre o que estou sentindo, por isso preciso pensar em coisas aleatórias.
Que saco! A Susi realmente consegue entrar na minha cabeça.
Um sorriso, uma postura reta mais confiante, falhas e frustrações, talvez uma conquista no final disso tudo. Consigo visualizar uma nova versão de mim mesmo por alguns segundos.
Me sinto tentado a mudar, mas…
Droga! Não vou deixar ela entrar na minha cabeça tão fácil! Não tem nenhuma chance de eu abandonar o vagabundismo, ela já virou minha religião, meu norte!
Vou até a árvore na minha frente e arrependo o barbante em volta dela, então minhas emoções se acalmam e me sinto mais relaxa.
Olhando de volta para a Susi, posso ver a mais pura raiva surgir no seu olhar. — Você?
Eu sei o que ela quer perguntar e sei a resposta, mas não vem ao caso agora.
19:40
E de alguma forma nossa conversa acabou ali, sem um fim. Depois daquilo devo ter feito alguma piada para deixar o clima mais leve, Susi riu de leve mesmo que irritada por dentro e foi isso.
Não sei se fiquei mais próximo ou distante dela, mas esse dia finalmente acabou, graças a nosso bom senhor vagabundo.
Sim, decidi assumir a nova religião de vez. Temos até um deus onipotente que não faz nada por preguiça e criou a humanidade e o universo por acidente e ficou com preguiça de apagar.
Ainda precisava ajeitar uns detalhes do livro sagrado, mas já viram o tamanho da bíblia? Mó preguiça de escrever um texto desses, não escreveria nem metade disso.
Podemos dizer que hoje foi a minha vitória, por mais que o mundo se colocasse contra eu mantive minhas convicções!
23:40
Para variar, não consigo pegar no sono com facilidade.
Só que merda eu estou fazendo com minha vida?
Dúvidas e pensamentos inconvenientes começam a surgir, no fim, foi um empate, não uma vitória.
O jeito é jogar videogame para me distrair.