Trabalhe! - Capítulo 27
Dia 1
11:13
— Quer ir visitar o orfanato? — Eu sei, ela já não tem mais aqueles problemas de antes, mas ouvir a Susi sugerindo ir visitar aquele lugar soa tão estranho.
A surpresa me atrasa por uns segundos, mas no fim ainda respondo: — Sim, já faz tanto tempo, me pergunto como eles estão indo.
— Ok, vou conseguir um carro. — Calma ai, conseguir um carro?
11:22
E não é que ela chamou um motorista particular para trazer seu carro e depois ainda foi dirigindo e deixou ele no parque.
Desculpa aí motorista-san.
Andamos por um tempo, enquanto ainda estávamos no carro resolvo continuar a contar a história. Acho melhor do que só ficar pensando nos meus arrependimentos não mudam nada mesmo.
— Então, continuando, depois de um pouco mais de 1 ano, o gerente precisou ser internado e um amigo dele, também esportista, assumiu. Junto com ele trouxe vários membros novos, o que causou superlotação. Fui contra, tentei convencer todos a buscar novas maneiras de expandir, como reclamar com a prefeitura, buscar doações via internet, fazer projetos para mostrar a todos nosso trabalho, sensibilizar o público etc…
— Parecem medidas bem razoáveis, imagino que se você tivesse implantado poderia ter dado um jeito.
Olho amargamente para trás. — Talvez, quem sabe, estamos em uma crise econômica, lembra. — Mais importante, ainda eram coisas feitas por mim, por isso a falha seria inevitável.
— Êh… — O que há com esse olhar de: fui adotado por milionários por isso nem notei a crise! — Acho que teve mesmo.
— Ahan, prosseguindo, eu até consegui algumas coisas, mas a nova gerência não embarcou na ideia e maioria dos órfãos agora eram novos.
Resumindo a situação, eu fui de alguém que podia encher o saco e ser ouvido, para alguém cada vez mais irrelevante.
— Então, para dar o golpe final, conseguiram de certa forma se livrar das crianças mais próximas de mim e necessárias para meus protestos. Não que tenha sido algo vilanesco, na época eles faziam um ótimo trabalho encontrando famílias e simplesmente deram uma priorizada em se livrar dos problemas e manter as promessas esportivas, foi naquela época que…
Vamos lá, não dá para parar agora, seria muita sacanagem cortar a história no meio desse jeito.
— Cometi muitos erros, acho que criei vilões na minha cabeça e daquele ponto em diante não conseguia mais ver as coisas claramente. Naquele ponto, não conseguia mais interagir com os outros normalmente.
As coisas foram dando errado e não consegui reagir, eu precisava de um culpado, é meio infantil, por isso dá vergonha de falar sobre.
A pior parte, a maioria das merdas que eu fiz, vieram do fato de eu não conseguir admitir que já tinha falhado, foi porque inventei de persistir… que saco! Odeio essa palavra e conceito de merda!
Apenas desista e tudo vai ficar bem, não é como se as coisas fossem mudar mesmo se você tentasse!
Ahan! Estou perdendo o foco aqui.
— Foi um período complicado, me senti cada vez mais abandonado, sozinho, revoltado e frustrado.
Meus sentimentos começaram a esquentar, até hoje ainda sinto um pouco de raiva daquela época. Sei, é uma raiva, em muito, injusta, mas eu realmente me senti traído.
Não, calma, foi por causa desses sentimentos que não controlo direito que perdi tantos amigos.
E por causa da minha boca que fala sozinha.
Voltando a contar a história, digo para a Susi:
— Foi naquela época que me senti sem esperança, sozinho, traído e, por fim, tentei fugir, mas… — Minha voz soa sufocada, no fim não consigo dizer claramente.
De canto de olho, posso ver as mãos da Susi ficarem tensas, ela segura o volante com mais força e até começa acelerar o carro.
Sim, melhor parar de falar por agora, ou posso causar um acidente aqui.
Sério, ela tem tanta culpa no olhar que estou preocupado se ela está olhando para a pista ou para o passado.
Merda! Não deveríamos ter deixado o motorista-san no parque, eu quero ele de volta! Ele parecia um velhinho bom no volante, não um suicida que nem essa garota.
Só espero que esse carro luxuoso seja equipado com um puta sistema de segurança, não quero morrer aqui.
Sinto a tensão aumentar e a adrenalina tomar conta do meu sangue, merda!
— Ei, por que você parou de falar? Continue com a história. — Vai tomar no cu, por que ela acha que pode mandar em mim assim? Também tem limite.
— Olha para a estrada, depois a gente conversa.
— Não, essa é a parte mais importante, quero falar sobre isso, tenho pensando em como conversar com você sobre o assunto a tanto tempo, não aguento mais esperar.
— Falar sobre o que? Sobre como você esqueceu que eu existia? O que você quer?! Quer que eu diga rindo, lembra do dia que você fingiu para suas amigas que não me conhecia e me tratou como um louco? Nossa, foi tão engraçado! Ou você quer falar sobre os e-mails que “pararam” de chegar para você?
A minha calma foi para o caralho quando o carro acelerou, agora então nem sei mais definir.
— Não eu, eu… — Nunca tinha visto Susi assim, ela parece tão impaciente, normalmente ela se mostrava no controle de tudo, mas agora…
— Poste porra!
— Merda.
Susi finalmente presta atenção no entorno.
Estamos em uma rua praticamente deserta e a Susi já estava tomando parte da calçada, com o carro indo direto para a merda de um poste.
Com um movimento rápido ela vira essa porra luxuosa, mas ainda posso ver um pouco da tinta ficar no poste.
Foi por pouco, foi realmente por pouco.
— Ha! Ha! Ha! — A adrenalina aumenta chegando em um novo nível, minha respiração fica irregular, misturando emoções confusas, raiva, frustração, medo e de brinde uma quase morte.
Por isso, fica a dica, não discutam em um carro em movimento, principalmente se o carro em questão puder chegar a quase 300 km por hora.
Bem, na verdade, estamos em um daqueles carros 4×4 pretos grandes, então não chegava nem perto disso, mas imagino que fosse ser pior em um Porsche, Lamborghini ou Ferrari.
Olhamos um para o outro com emoções ainda confusas.
No fim, não importa quanto eu insista para mim mesmo que gosto da Susi, no fundo, eu ainda odeio ela.
Não, não, não, só no que eu estou pensando? Que saco! Ódio e amor não deveriam ser coisas fáceis de diferenciar?
Enfim, não tem como eu dizer que amo ela, acho. Na verdade, nem mais amigos somos há muito tempo.
Nossa relação está mais para, por um lado, pena e culpa e, por outro, desespero e necessidade.
Mesmo assim meu coração fica apertado quando vejo ela aflita, que merda! Odeio essa porra de sentimentos eles são tudo uma bagunça.
Pro caralho com essa merda toda.